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Mais cabeças pensam melhor

21 de novembro de 2016

Escola no Vale do Jequitinhonha aposta no diálogo e na participação da comunidade. Educação integral foi fundamental para mudar a realidade dos jovens na zona rural de Diamantina, Minas Gerais.

Aos finais de semana, escola abre as portas para as crianças participarem de oficinas, como a de contação de histórias (foto)Foto: Prêmio Itaú-Unicef

Uma estrada de terra em mau estado, coalhada de pedregulhos, com cinco precárias pontes de madeira é o único acesso para Inhaí, simpático distrito de Diamantina. É ali, em uma das regiões mais pobres de Minas Gerais, que vamos encontrar a Escola Estadual João César de Oliveira, vencedora nacional do prêmio Itaú-Unicef de 2015 com o projeto Eu, Você e a Escola, Educação que Transforma.

Feito em parceria com a Organização da Sociedade Civil Projeto Caminhando Juntos (Procaj), de Diamantina, o projeto de educação integral melhorou o rendimento e a autoestima dos alunos, trouxe mais tranquilidade para as aulas e aumentou o diálogo e a participação da comunidade.

"Havia muita violência, os alunos tiravam sangue mesmo", diz a diretora Eliane Sales Pereira, uma das idealizadoras do projeto, que foi para Inhaí como professora de História e assumiu a direção da escola em 2007. Além da agressividade, havia outros problemas: sem autoestima, os alunos não tinham perspectivas de um futuro melhor. Muitos estudavam alguns anos e logo voltavam para o garimpo, principal atividade da região até poucas décadas atrás. A equipe de professores estava desunida e desmotivada, e o rendimento dos alunos era baixo. Foi então que surgiu a ideia de a escola trabalhar com o Procaj, OSC que realiza ações na região.

O primeiro resultado da parceria foi um dia de "ação global": cada sala da escola foi transformada em um atendimento para a comunidade, como médicos, nutricionistas, advogados, salão de beleza, aula de futebol, posto de emissão de documentos. Com o sucesso da ação, a equipe passou a delinear novas estratégias.

Os educadores passaram a se reunir a cada bimestre para mostrar resultados aos pais. Questionários foram feitos para diagnosticar as principais queixas dos alunos. "Passamos a ouvir muito", diz Eliane. As portas da diretoria passaram a estar sempre abertas para quem tivesse dúvidas, sugestões, pedidos. "A diretoria não impõe as coisas”, diz Luana de Souza Lopes, de 17 anos, aluna do 2o ano. "Qualquer pessoa pode chegar e falar, propor algo".

Escola de portas abertas 

Nesse levantamento, logo saltou à vista a demanda dos alunos por estar na escola nos outros turnos, fora dos seus horários de aula. "A comunidade é pequena, só tem um mercado, uma igreja, uma praça. Eles não têm outro lugar para ir, para socializar", diz Eliane.

Os jovens participam de diversas oficinas, como a de dança afro, com apresentações no ginásio da escolaFoto: Prêmio Itaú-Unicef

A escola começou então a abrir aos sábados, com oficinas extracurriculares, como futebol, dança afro, artesanato popular, violão, horta, corte de cabelo e manicure. Ministradas por voluntários da comunidade, as oficinas partiram dos interesses dos próprios jovens. Com o apoio do Procaj, a escola passou a receber também, durante a semana, educadores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucurí (UFVJM), para tratar de temas como combate à dengue e luta contra o abuso sexual.

A iniciativa aproximou os jovens dos professores e logo começou a render frutos. "Mudou completamente tudo", diz Luana, que entrou para a escola aos 6 anos. "Antes, os alunos eram mais distantes, não ligavam. Hoje, os mais indisciplinados são os que mais participam”, diz ela. Luana sempre morou em fazenda – seus pais são caseiros em uma propriedade na região. Luana nem sempre pode participar das atividades aos sábados, pois nesse dia o transporte escolar não funciona. "Faço o possível para vir." Muito articulada, a jovem foi escolhida para representar a escola em um encontro de jovens do Vale do Jequitinhonha, em outubro.

Outras alunas que fazem esforço para estar sempre na escola são Aline de Jesus da Silva, de 17 anos, e Cristina Aparecida de Paula, de 14 anos. Oriundas de Vargem do Inhaí, uma comunidade quilombola próxima, ambas estão no 9º ano e fazem parte da turma de dança afro, ministrada por Vera Lúcia Santos, de 30 anos, ex-aluna da escola. Atualmente com 11 meninas, o grupo já se apresentou em diversos festivais e eventos, em Inhaí, Diamantina e em localidades próximas. "Sempre digo para elas aproveitarem as oportunidades, na minha época não tinha", conta Vera, que aprendeu a dançar vendo televisão.

O projeto integra ainda mais a comunidade e os estudantes Foto: Prêmio Itaú-Unicef

Mais motivados, os alunos passam a render melhor nas disciplinas tradicionais. Dezenas deles foram aprovados no vestibular – a maioria na UFVJM. Quando da visita da reportagem, a direção tinha acabado de receber a notícia de uma aluna que venceu um concurso de redação da região. "Antes, a gente insistia para que prestassem o Enem. Hoje, eles mesmos já vêm perguntar, demonstram interesse", afirma Eliane.

"As oficinas abrem mais a cabeça deles, eles passam a ter um raciocínio maior", diz o professor de História Vanderson Morette da Silva, 44 anos, que percebeu também uma mudança na desenvoltura dos adolescentes. "Antes tinha aluno que tinha medo de vir falar com professor. Hoje conversa, faz brincadeira", afirma. Nascido e criado em Diamantina, Vanderson se espantou na primeira véspera de feriado que lecionou no distrito. "Em outras escolas, muitos alunos faltam, mas não aqui", diz.

O trabalho feito pela escola foi reconhecido em 2015, quando o projeto foi vencedor nacional prêmio Itaú-Unicef de Educação e Participação. O dinheiro foi usado para investimentos em infraestrutura, como pintura do prédio, troca do alambrado e da caixa d'água, reforma na quadra, além de permitir um reforço na alimentação escolar e excursões educativas com os alunos. "Dá pra começar sem dinheiro? Dá. Mas com o recurso financeiro você dá um salto, consegue realizar muito mais coisas", afirma Eliane.

Apesar das melhoras, nem tudo é perfeito. A questão do acesso, por exemplo, é crítica: com a estrada ruim e as pontes ameaçando cair, é difícil encontrar fornecedores para a merenda escolar, por exemplo. A falta de água também é comum – durante a visita da reportagem, a escola estava funcionando em horário reduzido, pois o distrito estava sem água há dias, por conta de um poço assoreado. Isso não impede que a equipe continue buscando melhores práticas todos os dias, no diálogo com os estudantes e com a comunidade.

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