611 cidades podem ficar sem médicos após saída de cubanos
17 de novembro de 2018
De acordo com Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, municípios brasileiros que só contam com profissionais cubanos na rede pública correm o risco de ficar sem atendimento a partir do fim do ano.
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Com o fim da participação de Cuba no programa Mais Médicos, pelo menos 611 dos 5.570 municípios brasileiros correm o risco de ficar sem qualquer médico na rede pública a partir do final de dezembro, segundo estimativa do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Nestas cidades há apenas profissionais de origem cubana atuando.
Cuba começou a enviar profissionais ao Brasil em 2013. Atualmente, 8,3 mil dos 18,3 mil profissionais que trabalham no programa são cubanos.
O governo cubano anunciou nesta semana a decisão de deixar o programa por considerar injustas as demandas impostas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, que anunciou novas condições para a parceria com Cuba, incluindo revalidação do título e contratação individual.
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02:14
O período definido por Havana para o retorno dos médicos será entre o dia 25 de novembro e 25 de dezembro, ou seja, pouco antes da posse de Bolsonaro em Brasília, no dia 1º de janeiro.
Para tentar preencher as vagas que serão abertas com a saída dos profissionais estrangeiros, o Ministério da Saúde disse que publicará um edital nos próximos dias. Além das 8 mil vagas que devem ser preenchidas novamente, há outros 2 mil postos que permanecem em aberto.
Em entrevista publicada neste sábado (17/11) pela Folha de S.Paulo, o professor de medicina Felipe Proenço de Oliveira, que coordenou o programa entre 2013 e 2016, afirmou que não acha viável que essas vagas sejam preenchidas apenas com brasileiros. "Não vejo perspectiva que ocorra um preenchimento de toas as vagas com base nessa oferta do edital”, disse.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), há profissionais brasileiros em número suficiente para substituírem os cubanos. O problema é que muitos deles não querem ir para áreas remotas do país.
Na segunda-feira (19/11), representantes do Conasems e do ministério devem se reunir para discutir os detalhes do edital.
Ao anunciar a decisão de deixar o Mais Médicos, Cuba criticou as "declarações ameaçadoras e depreciativas" de Bolsonaro, que durante a campanha chegou a afirmar que expulsaria os médicos cubanos do Brasil.
Na quarta-feira, ao comentar a decisão de Havana de recolher os profissionais de saúde que trabalham no Brasil, o presidente eleito disse que seu governo concederá asilo político a todos os cubanos que desejarem permanecer no país.
Bolsonaro também disse que sua rejeição ao Mais Médicos se dá por razões humanitárias e trabalhistas. Em torno de 70% do salário dos médicos é "confiscado pela ditadura cubana", e cubanos são forçados a viajar sem suas famílias, criticou. "Tem muita senhora desempenhando função de médico, e seus filhos menores estão em Cuba."
JPS/ots
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Em julho de 2013, governo Dilma Rousseff lançava o programa destinado a atrair profissionais de saúde para o interior do país. Importação de médicos sofreu enxurrada de críticas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Escassez de médicos
A falta de médicos em diversas regiões era marcante em 2013. Na época, o Brasil possuía 1,8 médico por mil habitantes. Com essa média, ficava atrás de países desenvolvidos, como Inglaterra (2,7) e Alemanha (3,6), mas também perdia para a Venezuela (1,9). Os profissionais estavam ainda concentrados em algumas áreas, fazendo com que muitos estados possuíssem menos médicos do que a média nacional.
Foto: Evaristo Sa/AFP/Getty Images
O programa
Para sanar o déficit de médicos no país, estimado pelo Ministério da Saúde em 54 mil profissionais, o governo Dilma Rousseff criou o programa Mais Médicos, que além de estimular a ida de médicos brasileiros para cidades do interior, pretendia importar profissionais para atenderem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em regiões onde havia carência.
Foto: EBC
Críticas e protestos
Após as primeiras notícias de que o governo pretendia trazer médicos estrangeiros para atuar no país, protestos foram organizados pela categoria. A dispensa da revalidação do diploma era uma das principais críticas. Os médicos alegavam ainda que não havia carência de profissionais, porém, faltava infraestrutura, condições de trabalho e plano de carreira para estimular a atuação no interior.
Foto: Imago/Zumapress
Lançamento
Em 8 de julho de 2013, a então presidente Dilma Rousseff assinou a medida provisória que criava o Mais Médicos. A proposta estabeleceu a criação de mais de 11 mil vagas em faculdades de medicina e alterações curriculares, além da abertura de 10 mil postos para médicos nas periferias de grandes cidades e no interior.
Foto: Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom
Chegada dos cubanos
Em agosto de 2013, desembarcaram os primeiros médicos cubanos no país. Uma parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) permitiu que eles fossem selecionados para as vagas que não foram escolhidas por brasileiros e estrangeiros. Em alguns locais, eles foram recebidos sob protesto. Críticos questionavam o fato de Cuba ficar com parte do salário pago aos profissionais.
Foto: Elza Fiuza Cruz/ABR
Primeira cubana abandona programa
Em fevereiro de 2014, a médica cubana Ramona Matos Rodriguez, destacada para trabalhar no Pará desde dezembro, abandonou o programa e se abrigou na sede do DEM em Brasília. Ela alegou ter sido enganada sobre o valor que receberia e pediu refúgio no país. Pelo convênio, o Brasil paga à OPAS, que transfere o dinheiro ao governo cubano. Somente depois, parte deste valor é repassada ao profissional.
Foto: Agência Brasil
Balanço de dois anos
Em agosto de 2015, o governo federal divulgou um balanço do Mais Médicos. O programa contava com mais de 18 mil profissionais em 4 mil municípios, beneficiando 63 milhões de brasileiros. O Ministério da Saúde salientou o aumento de 33% no número de consultas em unidades de saúde e de 29% no âmbito da saúde da família.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Prorrogação de contratos
Incialmente, era permitida a permanência máxima de três anos no programa dos profissionais inscritos. Em abril de 2016, Dilma anunciou uma nova etapa do Mais Médicos, que possibilitou aos médicos a prorrogação de seus contratos por mais três anos. A mudança beneficiaria 71% dos profissionais do programa que precisariam ser substituídos até o final daquele ano.
Foto: Imago/Agencia EFE
Menos cubanos
Com o impeachment de Dilma, o governo Michel Temer anunciou em novembro de 2016 que reduziria o número de cubanos no Mais Médicos. Os profissionais da ilha preenchiam na época mais de 11,4 mil vagas. Para isso, o Ministério da Saúde derrubou a barreira na medida provisória que impedia a contratação de médicos formados em países que possuíam menos de 1,8 profissional para cada mil habitantes.
Foto: Agência Brasil/José Cruz
Validação do STF
No final de novembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal encerrou a batalha judicial sobre o programa, validando as regras do Mais Médicos. Duas ações, apresentadas pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados (CNTU), questionavam o modelo de cooperação com Cuba e a dispensa da revalidação do diploma.
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Cinco anos depois
Em julho de 2018, o Mais Médicos completa cinco anos, e seus resultados positivos são reconhecidos por diversos estudos. Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, o programa conta com 16,7 mil médicos em atividade, sendo 8,5 mil cubanos, 4,9 mil brasileiros formados no Brasil e 3,2 mil graduados no exterior.