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Mais de metade da população global sem acesso a água potável

4 de setembro de 2024

Estudo alerta que crise hídrica global é pior do que se esperava, afetando ao menos 4,4 bilhões. Situação é especialmente crítica na África Subsaariana, onde 80% estão expostos a água contaminada.

Torneira de água aberta
Para ser considerada como segura, a água deve estar disponível em instalações livres de contaminação e projetadas para garantir o acesso seguroFoto: Manish Kumar/DW

Mais da metade da população mundial – 4,4 bilhões de pessoas – não tem acesso seguro à água potável tratada, afirma um novo estudo que analisou a situação em países de renda baixa e média.

Isso significa que os números podem ser ainda maiores se considerados dados de países de renda mais alta.

Ainda assim, os dados são mais do que o dobro das estimativas de 2022 feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e representam dois terços das pessoas que vivem nos países de renda baixa e média.

Para ser considerada como "gerenciada com segurança", a água deve estar disponível através de instalações livres de contaminação e projetadas para entregar a água de maneira segura.  

A maioria dos que não possuem acesso a esses serviços correm risco de provável contaminação fecal na água, segundo a pesquisa, que foi publicada no jornal científico Science.

"A informação que temos aponta para altos índices de contaminação", disse a pesquisadora-chefe Esther Greenwood, da ETH Zurich. 

A ingestão de água contaminada pode causar uma série de doenças, como cólera, disenteria, febre tifoide e doenças menos graves como o norovírus.

Dados de satélites e pesquisas domiciliares

Observações através de satélite e informações de pesquisas realizadas em residências foram combinadas e analisadas com a ajuda da inteligência artificial para definir áreas de acesso seguro ou inseguro à água.

Greenwood explica que as conclusões ainda são conservadoras, uma vez que os dados são amostras recolhidas em um único dia, ao invés de em escalas de tempo mais prolongadas. "É possível que os números sejam ainda maiores", afirmou.

Sul Asiático e a África Subsaariana são as regiões mais afetadas

O estudo considerou os impactos humano e ambiental que limitam o acesso à água potável segura ao longo das 22 subregiões geográficas da ONU.

A conclusão é de que 1,2 bilhão de pessoas no Afeganistão, Bangladesh, Butão, Irã, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka – mais da metade da população naquela região – não tem esse acesso garantido.

O Sul Asiático, contudo, ainda está em melhor situação se considerados índices per capita.

Na África Subsaariana – uma região com mais de 1,1 bilhão de pessoas –, o acesso precário à água é a realidade de mais de 80% da população.

Também na Oceania, excluindo a Austrália e a Nova Zelândia, 75% das pessoas são afetadas pelo problema.

Preocupações além da E. coli

A pesquisa se baseou na análise de níveis da bactéria E. coli como indicativo de contaminação.

A E. coli está associada a doenças que causam diarreia e que com frequência resultam da exposição a alimentos e água contaminados. Enquanto adultos saudáveis tendem a ter sintomas leves e se recuper rapidamente, crianças e idosos correm o risco de desenvolver falência renal e até morrer.

A bactéria está por trás de um surto recente de norovírus na Itália, e também adoeceu diversos atletas que nadaram no rio Sena durante os Jogos Olímpicos de Paris.

"Não estamos diretamente interessados na E. coli, já que não suspeitamos que sejam todas patogênicas", observou Greenwood. "É, na verdade, um indicador de que pode ter havido contaminação fecal recente. Isso nos preocupa porque nas fezes há um alto risco de disseminação de outros patógenos."

A E. coli, porém, não é a única preocupação. Embora não estejam incluídos nesse estudo, os níveis de arsênio e fluoreto também são um indicativo da contaminação química da água. As duas substâncias, embora estejam presentes na natureza, podem ser tóxicas se consumidas em excesso.

Um estudo de 2023 estimou que cerca de 100 países foram afetados por contaminação por flúor (excedendo 1,5 mg/L) nas águas subterrâneas.

Os mesmos pesquisadores descobriram que 230 milhões de pessoas – a maioria na Ásia – estavam ameaçadas pelos riscos da contaminação de arsênio nas reservas subterrâneas de água.

Embora essa contaminação possa ocorrer naturalmente – mais de 80% da contaminação de águas subterrâneas por flúor e arsênio é atribuída a processos geológicos –, o uso industrial de produtos químicos e a queima de carvão também podem contribuir para o processo.

"Parece que há mais residências afetadas pela contaminação de E. coli do que pela contaminação química", diz Greenwood. "Acho, no entanto que a contaminação química traz implicações diferentes para a saúde das pessoas. Isso é algo que ainda precisa ser pesquisado mais a fundo."

Água parada em poças têm alta chance de contaminação por bactérias e vírus causadores de doenças infecciosasFoto: AFP/Getty Images

Uma em cada duas pessoas suspeita da própria água 

O acesso à água potável segura depende tanto da situação geográfica, sociocultural e econômica local quanto do país em que se vive.

Pessoas em áreas rurais mais pobres frequentemente enfrentam maiores dificuldades para acessar água limpa. Segundo estimativas da OMS de 2022, quase 500 milhões de pessoas pelo mundo coletam água de poços desprotegidos, rios, lagoas e lagos.

Mas também os que vivem em cidades com baixa renda, ou em assentamentos informais ou ilegais, têm pior acesso a fontes de água potável.

A confiança na segurança da água é bastante baixa em termos globais, com um estudo de 2019 da Lloyd's Register Foundation mostrando que uma em cada duas pessoas desconfia que sua fonte de água potável possa causar graves danos se consumida diretamente.

"Não basta ter água fluindo nas torneiras. As pessoas precisam confiar em sua água", frisou Sera Young, antropóloga da Midwestern University, Illinois, EUA, e líder do estudo.

Investir em infraestrutura é apenas parte do caminho rumo à melhoria da qualidade da água. Young defende a realização de testes frequentes para ajudar as pessoas a confiarem em seu abastecimento de água.

Isso pressupõe a publicação dos testes em linguagem acessível, defende a pesquisadora, "e até mesmo colocar testes nas mãos das pessoas" para que elas próprias possam monitorar a qualidade da água por conta própria.

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