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Mais um escândalo de antissemitismo abala a Documenta

29 de julho de 2022

Exposição mundial de arte em Kassel, na Alemanha, enfrenta sua terceira acusação relacionada a antissemitismo, desta vez em obra da Argélia. Políticos alemães pedem análise criteriosa de todas as obras da mostra.

Brochura vernelha sobre uma mesa
Nova polêmica envolve brochura publicada em 1988, na Argélia, intitulada "Presence des Femmes"Foto: Uwe Zucchi/dpa/picture alliance

Políticos alemães pediram nesta quinta-feira (28/07) a inspeção de todas as obras da 15ª edição da Documenta, exposição mundial de arte contemporânea na cidade alemã de Kassel, após novas denúncias de antissemitismo.

Representantes de entidades judaicas reagiram com indignação a novas imagens que vieram à tona, consideradas antissemitas. A ministra alemã da Cultura, Claudia Roth, se manifestou a favor da remoção, pelo menos temporariamente, das obras criticadas.

"É bom e correto que os parceiros da Documenta tenham instado a direção artística a retirar este trabalho da exposição", disse Roth.

Segundo ela, "é importante e necessário" ter um comitê externo de especialistas que faça uma análise e classificação das obras expostas na Documenta em relação a possíveis imagens antissemitas.

Os dois parceiros da mostra – a cidade de Kassel e o estado de Hesse – exigiram que os desenhos fossem retirados da exposição "até que tenham uma contextualização adequada".

Este é o terceiro escândalo de antissemitismo envolvendo a Documenta 15. Poucos dias após a abertura, outro trabalho com imagens antissemitas foi retirado da mostra e levou à renúncia da diretora-geral da exposição, Sabine Schormann.

"Mais uma vez ouvimos falar de caricaturas antissemitas desagradáveis, sobre as quais a direção artística da Documenta já havia sido avisada semanas atrás por um visitante", disse o diretor do Centro Anne Frank, Meron Mendel, à agência de notícias alemã dpa.

Segundo ele, mesmo sabendo da obra problemática na exposição, com "linguagem visual claramente antissemita", foi decidido mantê-la na mostra.

De acordo com o Centro de Pesquisa e Informação sobre Antissemitismo de Hesse (RIAS Hesse), um visitante da exposição viu as imagens no Museu Fridericianum e as denunciou.

As imagens em questão são de uma brochura publicada em 1988, na Argélia, intitulada Presence des Femmes. Os desenhos do artista sírio Burhan Karkoutly mostram estereótipos antijudaicos, juntamente com classificações que não reconhecem a legitimidade do Estado de Israel.

Desenhos do artista sírio Burhan Karkout mostram estereótipos antijudaicosFoto: Uwe Zucchi/picture alliance/dpa

Em dois desenhos, soldados israelenses, com a Estrela de Davi em seus capacetes, são mostrados como robôs desumanizados com dentes à mostra. Em uma das imagens, uma arma ameaça um jovem. Em outra, um soldado-robô puxa uma criança pela orelha. Em uma terceira, uma mulher chuta um soldado israelense que tem um nariz adunco, estereótipo usado em caricaturas antissemitas desde os anos 1930.

Críticas de vários partidos

As novas imagens provocaram críticas de diferentes partidos, inclusive da coalizão de governo. 

"Apesar de inúmeras advertências e indicações, obras antissemitas não foram impedidas de serem exibidas na Documenta", disse o especialista em política externa do Partido Liberal Democrático (FDP) Frank Müller-Rosentritt. Ele exigiu a suspensão do apoio estatal à Documenta, caso não seja realizada uma ampla inspeção para descartar mais conteúdo antissemita.

Seu colega de partido, Bijan Djir-Sarai, foi menos conciliador: "Essas novas acusações de antissemitismo expuseram um poço sem fundo. A Documenta deve ser interrompida imediatamente". O evento está previsto para seguir até 25 de setembro.

Helge Lindh, porta-voz da cultura do grupo parlamentar social-democrata, disse que a imagem "inevitavelmente o lembra das caricaturas dos nazistas". Lindh pediu "ampla análise das obras de arte com motivos antissemitas por especialistas alemães e internacionais".

Marlene Schönberger, encarregada da luta contra o antissemitismo no grupo parlamentar do Partido Verde, destacou que a direção da Documenta "não leva o antissemitismo a sério, talvez até o tolere".

O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, disse ao jornal Bild que na direção da documenta "ou não há ninguém em posição de reconhecer o antissemitismo ou ninguém está disposto a preveni-lo".

"É preciso perguntar até onde realmente chegamos na Alemanha se tais imagens podem ser vistas simplesmente como uma crítica a Israel", afirmou.

Para ele, "a Documenta 15 ficará na história como a exposição de arte mais antissemita do mundo" e "parece inimaginável" que a mostra siga até o final, em 25 de setembro.

A Documenta negou as acusações. Há cerca de três semanas, quando foi denunciada, a obra foi temporariamente removida da mostra para ser analisada em profundidade. Segundo a organização do evento, após a análise, foi determinado que "há uma posição clara em relação ao conflito entre israelenses e palestinos, mas não uma ilustração de judeus 'como tal'."

Mural People's justice foi coberto e, posteriormente, desmontadoFoto: Sabine Oelze/DW

Uma série de polêmicas

A Documenta, que dura 100 dias, acontece a cada cinco anos desde 1955 e é um dos eventos internacionais mais importantes do mundo da arte. Este ano, o coletivo de artistas indonésios Ruangrupa foi escolhido para fazer a curadoria do evento e convidou artistas de todo o mundo, especialmente do Sul Global.

No entanto, acusações de antissemitismo vieram à tona mesmo antes do começo do evento. Um dos escolhidos para expor, o coletivo palestino The Question of Funding, foi acusado em janeiro de ser antissemita, numa postagem de blog, pelo fato de seus artistas apoiarem o boicote cultural a Israel.

Poucos dias após a abertura, em junho, a Documenta se viu em meio a outra polêmica: uma obra do coletivo artístico indonésio Taring Padi foi fortemente criticada por representantes israelenses e alemães como profundamente antissemítica.

O mural People's justice (Justiça do povo), originalmente exibido em 2002 na Austrália, apresentava, entre outras imagens, uma figura soldadesca de aparência suína, em cujo capacete está escrito "Mossad", o nome do serviço secreto de Israel. Outra figura tem os cachos laterais associados aos judeus ortodoxos, presas e olhos injetados de sangue e porta um chapéu preto com uma insígnia da organização paramilitar nazista SS. Na noite de 21 de junho, a obra foi desmontada, entre vaias, assobios e aplausos dos espectadores.

le/lf (DPA, AFP, EFE, ots)