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Mais uma vitória para o Bolsa Família

José Antonio Lima de São Paulo
14 de abril de 2019

Ex-crítico, Bolsonaro anunciou expansão do programa, com criação de 13º. Em meio a debate de que haveria tom eleitoreiro na medida, decisão é simbólica para um projeto que, ao logo dos anos, se tornou quase intocável.

Transferleistungsprogramm der brasilianischen Regierung "Bolsa Familia"
Foto: Vanderlei Almeida/AFP/Getty Images

Ao confirmar, na quinta-feira (11/04), a concessão de uma 13ª parcela para o Bolsa Família, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu algo raro neste conturbado início de mandato: elogios da oposição. A medida terá impacto positivo na renda da população mais pobre diante de um cenário econômico incerto, ilustrado por mais de 12 milhões de desempregados.

Há um debate sobre a real natureza da decisão – se é eleitoreira ou se tem o objetivo de melhorar a aprovação do presidente. Mas o fato é que a ampliação do programa, feita por um ex-crítico contumaz, é mais um de vários pontos a favor do Bolsa Família.

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O Bolsa Família é uma criação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco depois de assumir o Planalto, em 2003, ele unificou diversos programas desenvolvidos separadamente na gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Parte daqueles programas havia sido inspirada nas experiências de José Roberto Magalhães Teixeira (PSDB), ex-prefeito de Campinas (SP), e Cristovam Buarque (então no PT), ex-governador do Distrito Federal. No fim da gestão FHC, os programas ganharam corpo, em parte graças ao Fundo de Combate à Pobreza, idealizado pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA, hoje DEM), um apoiador da ditadura cuja carreira adentrou o período democrático.

No governo Lula, a unificação e a ampliação dos programas criou uma política pública eficaz tanto para combater a pobreza quanto para melhorar a economia. O Bolsa Família, entretanto, sempre esteve envolto na disputa eleitoral.

"É um programa com muitos méritos, tanto no curto quanto no longo prazo, que chega no pobre e faz a economia girar, mas que tem nessa conexão política um problema", afirma Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o FGV Social.

A controvérsia se dá porque diversas pesquisas acadêmicas mostram que, de fato, o Bolsa Família tem um impacto eleitoral: municípios em que há porcentagens mais altas de beneficiários do programa tendem a dar mais votos para o candidato do governo.

A depender da metodologia da pesquisa, essa influência é mais ou menos acentuada. Um símbolo desse impacto foi a eleição de 2006. Acossado pelo escândalo do mensalão, Lula contou com o voto em peso do Nordeste para se reeleger, em alguns estados, com mais de 80% dos votos.

Outras políticas públicas que tiveram repercussão positiva na região, como o programa de cisternas e o Luz para Todos, fizeram do Nordeste um firme bastião petista. Foi essa a única região em que Fernando Haddad (PT) venceu Bolsonaro em 2018.

De críticos a apoiadores

O efeito do Bolsa Família fez o PSDB dar uma guinada na forma como via o programa. Apesar de os benefícios precursores terem sido criados no governo de FHC, muitos tucanos fizeram duras críticas ao Bolsa Família. Um editorial publicado no site do partido em setembro de 2004 chamava o programa de "Bolsa Esmola".

Em 2010, porém, o discurso já era outro. O então presidenciável do PSDB, José Serra, prometeu um 13º salário para o Bolsa Família. Em 2014, Aécio Neves fez campanha lembrando que, no ano anterior, propôs colocar o programa na Constituição.

Com Bolsonaro não é diferente. Durante sua carreira como deputado federal, ele chamou o programa de "Bolsa Farelo", comparou ao "voto de cabresto", disse que atrapalhava a contratação de empregados domésticos e, fazendo referência ao benefício pago, afirmou que "meninas" no Nordeste celebravam uma gravidez por que o filho "vai ser uma geladeira". Agora, Bolsonaro anunciou a ampliação do programa.

Neri, da FGV, vê o anúncio do governo como positivo. Apesar de entender que, para Bolsonaro, é politicamente estratégico aprovar uma medida que beneficia o Nordeste, onde ele perdeu a eleição, o especialista diz que o 13º é muito relevante para os beneficiários.

"Existe um ciclo eleitoral muito claro nas séries econômicas brasileiras, de rendas oriundas de programas sociais aumentando em ano eleitoral, e a pobreza caindo. E no ano pós-eleitoral isso costuma se inverter", afirma o pesquisador. Segundo seus cálculos, a concessão do 13º neste ano pós-eleitoral equivale a um reajuste nominal de 8,33%, ou 3,58% se levada em conta a inflação.

Esse reajuste é significativo pois, antes do aumento de 5,67% feito em 2018, no governo de Michel Temer, o Bolsa Família ficou congelado entre 2015 e 2017, nas gestões de Dilma Rousseff (PT) e Temer, afetadas pela crise fiscal. Nesse período, a extrema pobreza subiu anualmente 23% e 17%, respectivamente. O congelamento não produziu, no entanto, nenhum impacto fiscal positivo, salienta o pesquisador.

"Houve descuido em relação aos mais pobres", afirma Neri. Para ele, a expansão do Bolsa Família agora com Bolsonaro indica que há uma percepção maior da eficiência do programa. "O Bolsa Família gera efeitos grandes a um custo fiscal baixo. É tudo o que você precisa e talvez esteja havendo um certo reconhecimento dessas características", diz.

Contra os mais pobres?

A oposição afirma que a medida, ainda que positiva no que concerne especificamente o Bolsa Família, tem um caráter demagógico.

"O Bolsa Família se tornou uma referência no mundo porque não é isolado, mas vinculado a diversas outras políticas públicas de assistência social", afirma o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), que foi ministro do Desenvolvimento Social de Lula entre 2003 e 2010. "Mas, no atual governo, o que estamos vendo é um desmonte de tudo o que diz respeito aos direitos sociais e aos pobres."

Ananias destaca que o anúncio de Bolsonaro para o Bolsa Família também entra em contradição com declarações de integrantes de seu governo. Dois dias antes do anúncio oficial sobre a 13º parcela no programa, o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu entrevista na qual defendia uma punição coletiva a famílias cujos filhos agridam professores: a exclusão dos pais do Bolsa Família.

"Isso manifesta claramente duas características do governo. A primeiro é o autoritarismo", afirma o deputado. "A segunda é total insensibilidade social, porque, quando você cogita a retirada do Bolsa Família, está apontando diretamente para as crianças e adolescentes mais pobres entre os mais pobres, que são os beneficiários do programa", diz.

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