Malária e HIV ameaçam África após corte de ajuda dos EUA
Silja Fröhlich
11 de maio de 2025
Governo americano interrompeu financiamento de programas voltados a prevenção e controle de doenças na África. Sem recursos, especialistas temem explosão de casos e de mortes.
Programas de vacinação para crianças também foram atingidosFoto: Hajarah Nalwadda/Getty Images
Anúncio
Para os habitantes de vilas remotas na África do Sulter acesso a remédios é um desafio. Pacientes com HIV, como Nozuko Majola, de 19 anos, precisam viajar mais de uma hora para conseguir os medicamentos antirretrovirais (ARV) que necessitam. Mas nem sempre foi assim.
"Costumávamos receber os remédios em casa, mas desde que Donald Trump anunciou o corte na ajuda humanitária, precisamos ir buscá-los. Estou preocupada que o serviço seja cancelado por completo", afirma Majola.
Estima-se que cerca de 8 milhões de pessoas vivem com o HIV na África do Sul, país com uma das maiores taxas da doença no mundo. Nozuko Ngaweni, que utiliza há décadas medicamentos antirretrovirais, teme por sua vida.
"Ouvi dizer que os Estados Unidos cancelaram essa ajuda. Eu sinto que estou morrendo. Eu me pergunto se vou conseguir a medicação no mês que vem. Eu tenho o suficiente para esse mês, mas o que vai acontecer depois?", reflete Ngaweni.
Há décadas, os Estados Unidos fazem doações ao setor de saúde da África do Sul, voltadas principalmente para o combate à aids. Em 2023, os EUA enviaram ao país 400 milhões de dólares. Em fevereiro, a diretora da Fundação Desmond Tutu para o HIV, Linda Gail Bekker, estimou que os cortes do financiamento americano podem causar 500 mil mortes na próxima década.
Depois de assumir a presidência dos EUA em janeiro, Trump emitiu uma ordem executiva que suspendeu por 90 dias a assistência humanitária. Posteriormente, ele decidiu desmantelar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) como órgão independente. O governo cortou ainda 90% dos contratos e subsídios estrangeiros financiados pela Usaid.
Esses cortes foram um golpe para muitos países africanos. A África Subsaariana é a segunda maior beneficiária da Usaid no mundo, e recebeu 12,7 bilhões de dólares em 2024. De acordo com os Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças (Africa CDC), os cortes podem causar a morte de até 4 milhões de pessoas por doenças tratáveis.
Consequências catastróficas
A ONG panafricana Amref Health Africa, que treina especialistas e fornece assistência médica a quase cerca de 20 milhões de pessoas, perdeu 20% de seu orçamento, principalmente devido aos cortes dos EUA. Segundo a Amref, na Etiópia, programas educacionais para milhares de jovens foram cancelados, e na Tanzânia, 500 mil exames de tuberculose não puderam mais serem realizados.
"Estamos observando lacunas em todos os países. Todos os setores onde a ajuda humanitária é necessária estão sendo afetados", afirma Lara Dovifat, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) na Alemanha.
Usaid destinava também recursos para campo de refugiados na SomáliaFoto: Bobb Muriithi/AFP/Getty Images
No Sudão do Sul, a MSF está tendo dificuldades na resposta a um surto de cólera devido à escassez de profissionais após o fechamento de clínicas financiadas pela Usaid. "As consequências são catastróficas", afirma Dovifat sobre os cortes.
A especialistas conta ainda que casos de desnutrição entre crianças estão aumentando na Somália depois de fechamentos de centros de nutrição. No Sudão, um sistema de abastecimento de água que operava com o financiamento da Usaid foi fechado de um dia para o outro.
Malária, tuberculose e HIV
O corte no financiamento de programas destinados ao combate e prevenção da aids é particularmente drástico. Os EUA deixaram de financiar o UNAIDS, programa das Nações Unidas de combate ao HIV que atende comunidades em todo o mundo.
No Quênia, o financiamento caiu de 846 milhões de dólares para apenas 66 milhões de dólares, o que levou ao fechamento de centros de tratamento e deixou mais de 1 milhão de infectados sem medicamentos. Na Nigéria, sem o apoio dos EUA, o governo teme retrocessos na luta do contra a aids, tuberculose e malária.
Para financiar o combate a essas três doenças, a comunidade internacional criou o Fundo Global em Genebra em 2022. O diretor do departamento de assessoria técnica e parceiras do fundo, Michael Byrne, está principalmente preocupado com os cortes nos programas de prevenção da malária.
"Se a malária não for controlada, é muito provável que haja um ressurgimento significante e mortes", afirma Byrne. Todos os anos, a malária causa 600 mil mortes na África, a maioria entre crianças com menos de cinco anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Anúncio
10 a 20 anos de retrocesso
Dovifat, da MSF, também teme que os cortes possam impulsionar um retrocesso nos avanços da prevenção de doenças. "Estamos perdendo de dez a 20 anos de progresso no tratamento da aids. Muitos programas foram interrompidos, incluindo os voltados para tuberculose e controle de surtos."
Os Estados Unidos também estão cortando o financiamento da Gavi, uma aliança global para fornecer vacinas para crianças em países de baixa renda. As verbas repassadas pela Usaid correspondem a 13% do orçamento da organização. Estima-se que 75 milhões de crianças deixarão de receber vacinas de rotina nos próximos cinco anos, o que pode resultar em até 1,3 milhão de mortes evitáveis, segundo a organização.
Apesar dos obstáculos, Byrne está otimista quando ao futuro. Os países da África Subsaariana têm sido rápidos em planejar alternativas a nível nacional e destinar recursos próprios, segundo ele. "Uganda e Malawi, por exemplo, emitiram comunicados que seus países interviriam para preencher as lacunas. Eles implementaram medidas políticas para apoiar o trabalho dos agentes comunitários de saúde", afirma.
Muitos especialistas esperam que outros países não sigam os EUA e cortem verbas. "A situação na qual nos encontramos agora não diz respeito a apenas um país. Há uma tendência nessa direção há algum tempo. Se não controlarmos doenças infecciosas, teremos que pagar mais depois, e os países ricos também sentirão isso", destaca Byrne.
O mês de maio em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Francesco Sforza/REUTERS
Ataque russo na Ucrânia atinge ônibus e mata passageiros
Pelo menos nove pessoas morreram em decorrência de um ataque com drones lançado pela Rússia contra um ônibus com destino a Sumy, no nordeste da Ucrânia. Segundo os ucrnaianos, o veículo estava levando civis que saíam da linha de frente da guerra, e se encontrava em uma área a cerca de 10 quilômetros da fronteira com a Rússia. (17/05)
Foto: Ukrainische Militärverwaltung
Surto de gripe aviária no Brasil
A confirmação do primeiro surto de gripe aviária em uma granja comercial no Brasil levou alguns países como China e Argentina a interromperem a compra de carne de frango brasileira, pressionando o mercado bilionário de exportação do produto. Governo afirma que as medidas de contenção e erradicação para debelar a doença e manter a capacidade produtiva do setor já foram tomadas. (16/05)
Foto: JUSTIN SULLIVAN/Getty Images/AFP
Israel intensifica ataques enquanto mantem bloqueio a Gaza
Defesa Civil palestina relatou mais de 100 mortes em apenas um dia em ataques israelenses à Faixa de Gaza, onde a crise humanitária e a escassez de recursos atingem níveis cada vez mais alarmantes. ONU alerta que estoques de alimentos, água potável, combustíveis e medicamentos atingiram níveis extremamente baixos. (15/05)
Foto: Hatem Khaled/REUTERS
Alemanha prende três por planejarem atos de sabotagem
O Ministério Público da Alemanha anunciou a prisão de três cidadãos ucranianos, dois deles na Alemanha e um na Suíça, por suspeita de atuarem como agentes da Rússia para realizar atos de sabotagem com explosivos no transporte de cargas alemão. (14/05)
Foto: Uli Deck/dpa/picture alliance
Morre "Pepe" Mujica, o presidente mais humilde do mundo
O ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica morreu aos 89 anos. Ele estava em estágio terminal de um câncer de esôfago e recebia cuidados paliativos. Sua morte foi informada pelo atual líder do país sul-americano, Yamandu Orsi. Líderes do mundo inteiro se despediram do ex-guerrilheiro uruguaio. (13/05)
Foto: Gerardo Vieyra/NurPhoto/IMAGO
Hamas anuncia libertação de refém israelense-americano
O braço armado do Hamas informou que libertou o soldado israelense-americano Edan Alexander, de 21 anos, que havia sido mantido como refém em Gaza desde 7 de outubro de 2023. A libertação ocorreu "após contatos com a administração dos EUA, no âmbito dos esforços dos mediadores para chegar a um cessar-fogo", disse a organização terrorista palestina em comunicado (12/05).
Foto: Ohad Zwigenberg/AP/dpa/picture alliance
Primeira bênção dominical do papa Leão 14
Em sua primeira bênção dominical na Praça de São Pedro, o papa Leão 14 pediu uma paz genuína e justa na Ucrânia e um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. "Depois desse cenário dramático de uma terceira guerra mundial em pedaços, como tantas vezes afirmou o papa Francisco, eu me dirijo também aos grandes do mundo, repetindo o apelo sempre atual: nunca mais a guerra", afirmou o pontífice. (11/05)
Foto: Vatican Media/ZUMA Press/IMAGO
Macron, Merz, Starmer e Tusk visitam Kiev
Os líderes do Reino Unido, Keir Starmer, da França, Emmanuel Macron, da Alemanha, Friedrich Merz, e da Polônia, Donald Tusk, se encontraram com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em Kiev, uma demonstração conjunta de apoio à Ucrânia. A visita ocorre um dia após o presidente russo, Vladimir Putin, receber aliados no evento que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra em Moscou. (10/05)
Foto: LUDOVIC MARIN/POOL/AFP/Getty Images
Leão 14 celebra sua 1ª missa como novo papa
O papa Leão 14 celebrou sua primeira missa após ter sido escolhido como o novo líder da Igreja Católica. O missionário agostiniano retornou à Capela Sistina, onde ocorreu o conclave, para celebrar a missa na presença dos cardeais. Na homilia, disse que foi eleito para que a Igreja possa ser um "farol" para iluminar as regiões do mundo onde haja falta de fé. (09/05)
Foto: VATICAN MEDIA/Handout/AFP
Cardeal americano Robert Prevost é eleito novo papa
O conclave elegeu o cardeal americano Robert Prevost, de 69 anos, como o 267º papa da Igreja Católica. Missionário agostiniano, ele é o primeiro pontífice nascido nos EUA da história. Em seu primeiro discurso aos fiéis, homenageou o papa Francisco, pediu construção de pontos e paz a todos os povos. (08/05)
Foto: Guglielmo Mangiapane/REUTERS
Começa o conclave que irá eleger o novo papa
Cardeais de todo o mundo estão reunidos no Vaticano para eleger o próximo líder da Igreja Católica.133 cardeais de 71 países estão aptos a votar no maior e mais geograficamente diverso conclave em 2 mil anos de história. Ao fim do primeiro dia, fumaça preta na chaminé da Capela Sistina indicou que não houve consenso em torno de um novo nome. (07/05)
Foto: Gregorio Borgia/AP/picture alliance
Merz toma posse após tropeço histórico no Bundestag
O Bundestag (Parlamento) elegeu oficialmente, em segunda votação, o conservador Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), como o novo chanceler federal do país Ele é o terceiro membro da CDU a chefiar o governo alemão desde a reunificação do país, em 1990. O conservador conseguiu o feito inédito de não conseguir se eleger na primeira rodada de votação (06/05).
Foto: Lisi Niesner/REUTERS
Israel se prepara para ampliar ofensiva militar em Gaza
O gabinete de segurança de Israel aprovou um plano para expandir as operações militares em Gaza, incluindo a "conquista" do território palestino e a pressão para que residentes se desloquem para o sul. No domingo, militares israelenses já haviam iniciado uma convocação em massa de reservistas para ampliar a ofensiva contra o Hamas na Faixa de Gaza. (05/05)
Foto: Omar Ashtawy/ZUMAPRESS.com/picture alliance
Míssil disparado do Iêmen cai perto do aeroporto de Tel Aviv
O Aeroporto Internacional de Ben Gurion, na região de Tel Aviv, foi alvo de um ataque de míssil. Os rebeldes Houthis, do Iêmen, grupo aliado do Hamas, reivindicaram a autoria do ataque, que causou interrupção no tráfego aéreo. O exército israelense reconheceu que não conseguiu interceptar o míssil. (04/05)
Foto: Ohad Zwingenberg/AP/dpa/picture alliance
Austrália: esquerda reelege premiê em meio a onda anti-Trump
O primeiro-ministro da Austrália, o trabalhista Anthony Albanese, proclamou a vitória de seu partido nas eleições gerais. Ele se tornou, assim, o primeiro chefe de governo a conquistar um segundo mandato consecutivo de três anos em 21 anos. "Os australianos escolheram enfrentar os desafios globais do jeito australiano, cuidando uns dos outros e construindo o futuro", disse Albanese. (03/05)
Foto: Rick Rycroft/AP Photo/picture alliance
Inteligência alemã classifica AfD como extremista de direita
A inteligência interna da Alemanha classificou sigla de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) como uma "organização comprovadamente extremista de direita" que ameaça a democracia e viola a dignidade humana ao tentar excluir grupos populacionais, como os imigrantes. A medida permite às agências de segurança monitorarem de forma mais incisiva o partido. (02/05)
Foto: dts Nachrichtenagentur/IMAGO
Trabalhadores ao redor do mundo protestam no 1º de Maio
Redução de jornada, garantia de direitos e melhoria do ambiente de trabalho foram algumas das reivindicações de manifestações em todo o mundo no Dia do Trabalhador, como nesta em Daca, capital de Bangladesh. A data remonta ao início de uma greve em Detroit ocorrida em 1886, que resultou na prisão e morte de trabalhadores. (01/05)