Como correspondente de jornal de esquerda, a colunista denunciava o apartheid social do Brasil. Quando a babá dela resolveu engravidar, ela no início ficou irritada – e depois viu seu mundinho hipócrita ruir.
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Caros brasileiros,
No centésimo aniversário de Nelson Mandela eu me pergunto: o que eu fiz para combater o racismo e o apartheid dentro de mim? Ou na sociedade e no país onde vivo? Quando Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, em 1994, eu morava no Brasil. E estava grávida da minha segunda filha.
Com filho, as coisas mudam. De repente, eu comecei a enxergar o apartheid social no Brasil de um outro ângulo. Nos primeiros meses da minha gravidez, nadei numa onda de euforia. As pessoas me cumprimentavam, achavam a minha barriga "linda" e me tratavam com muito carinho.
Foi uma experiência maravilhosa, pois, na Alemanha, a gravidez muitas vezes é vista como problema. Ter filho é visto como adeus a uma carreira profissional, dedicar-se à família é considerado uma traição à emancipação feminina, e cuidar de crianças é uma viagem sem volta a um mundo restrito a papinhas e fraldas. Afinal, quem tem filho é porque quis ter, se não quisesse teria evitado.
O Brasil, na minha percepção na época, parecia ter achado um caminho melhor. Muitas mulheres conseguiam conciliar família e trabalho. E aquelas que trabalhavam fora não eram vistas como mães desnaturadas. Elas recorriam ao "esquema brasileiro" e contratavam empregadas e babás, ou recorriam às creches particulares, mesmo com preços absurdos (veja a foto com a matéria no Jornal do Brasil).
Mas o que acontece se a babá ou a empregada engravidam? Será que elas recebem o mesmo carinho? Será que elas são cumprimentadas com a mesma euforia? Será que o "esquema brasileiro" também funciona para elas? O que elas sentem quando tomam conta do filho da patroa e têm que deixar o próprio filho com alguém que não sabem se ainda estará à disposição no dia seguinte?
Logo depois do nascimento da minha segunda filha, tive que responder a todas essas perguntas, pois a minha babá engravidou. Confesso que, num primeiro momento, fiquei chateada. Por que ela resolveu engravidar logo agora, quando eu preciso tanto da ajuda dela? Senti um germe racista dentro de mim. Achei a minha família mais importante que a dela, e me espantei com isso.
De repente, o meu mundinho hipócrita ruiu. Como correspondente de um jornal de esquerda, como é considerado o diário alemão Die Tageszeitung, de Berlim, eu fazia matérias sobre o apartheid social do Brasil, sobre a luta contra a escravidão disfarçada, sobre a reforma agrária esquecida, sobre o dia a dia nas favelas e o combate à pobreza.
"Combate à pobreza" é uma missão muito grande. Como eu, uma pequena correspondente de um pequeno jornal, poderia contribuir para isso? Afinal, pensando bem, eu fazia parte do apartheid social no Brasil. Vivia num condomínio, viajava o país inteiro e ganhava em marco alemão. Mas, mesmo se eu abandonasse tudo isso e fosse morar numa favela, será que isso ajudaria alguém?
Conversei com a minha babá, e para o espanto de muitas pessoas, nós resolvemos embarcar juntas numa aventura especial: encontrar um apartamento decente e pagável no Rio de Janeiro. Rodamos as favelas da cidade e ficamos horrorizadas com os preços abusivos. Chegamos à conclusão de que, quando se trata de imóveis, a solidariedade em comunidades carentes é bastante restrita.
Finalmente achamos um apartamento num conjunto habitacional no bairro de Taquara. Era um lugar que nos permitia viver em paz, criar filhos, com escolas e creches por perto e uma vizinhança mais ou menos tranquila. Eu vi a filha da minha babá nascer e fiquei feliz com a felicidade dela. Coloquei as minhas filhas na creche perto de casa, apesar dos preços abusivos.
Agradeço ter sido mãe no Brasil. Foi uma experiência que reforçou em mim a convicção de que todas as mães devem ter os mesmos direitos e merecem o mesmo respeito. Mesmo com a escravidão abolida no Brasil, a luta contra o apartheid social continua. No Brasil, milhões de mulheres guerreiras e valentes seguem o caminho de Mandela, sem palavras, mas com uma intuição natural. A força e a garra delas, para mim, foram e continuam sendo uma grande lição.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt e na internet: astridprange.de
O Brasil tem muitas facetas. É difícil dizer que algo é tipicamente brasileiro. Mesmo assim, há características que chamam a atenção de quem é de fora. Veja o que jornalistas estrangeiros no Brasil acham dos brasileiros.
Foto: picture-alliance/dpa
O atraso faz parte do dia a dia
Ao marcar um encontro com um brasileiro, pode-se ter quase certeza de que ele vai se atrasar pelo menos alguns minutos, se não mais de uma hora. Isso é normal, e raramente alguém fica aborrecido. E, quando sabe que o outro não será pontual, você também se acostuma a chegar tarde: o atraso já é levado em conta. Resta a pergunta: Não seria mais fácil todo mundo aparecer no horário combinado?
Foto: Fotolia/olly
O famoso "jeitinho brasileiro"
O termo "jeitinho brasileiro" se refere à forma criativa de resolver problemas e superar obstáculos. Quando você pensa que já tentou de tudo, vem o brasileiro e acaba achando uma solução – por mais inconvencional que ela seja! Pena que, como tudo na vida, o jeitinho não é só usado para coisas boas.
Foto: Colourbox
Cerveja, só geladíssima
Para um brasileiro, a cerveja tem que estar "estupidamente gelada". E, enquanto em muitos outros países, cada um compra a sua garrafinha de 330 ml ou 500 ml, no Brasil as pessoas pedem uma garrafa grande e dividem a cerveja em copos. E, para admiração do turista, a garrafa é colocada num porta-cerveja para não esquentar. Algo impensável na Alemanha!
Foto: Getty Images/AFP/M. Hippenmeyer
Sem arroz e feijão não dá!
A paixão por arroz e feijão de quase todo brasileiro é um fenômeno engraçado. Muitos comem isso todo dia e, e mesmo quando há outras opções na mesa, se servem de arroz e feijão. O estrangeiro pensa: "Deve ser um instinto de sobrevivência!" Quando o brasileiro tem que passar um tempo sem o amado arroz e feijão, parece até que foi privado de uma necessidade básica.
Foto: picture-alliance/dpa/N. Tondini
Todo brasileiro sabe sambar
Na música brasileira há uma grande variedade de estilos: forró, sertanejo, axé... Mas, no exterior, o Brasil é famoso principalmente pelo samba. Pensa-se que todo brasileiro samba em todas as ocasiões festivas. Seja isso verdade ou não, o fato é que o samba é um dos maiores símbolos brasileiros e até virou produto de exportação. Há centenas de escolas de samba no Japão e na Europa.
Foto: Reuters/S. Moraes
O país do Carnaval
Quando se pensa no Brasil, para muitos a primeira coisa que vem à cabeça é o Carnaval. Pela televisão, a cada ano, espectadores do mundo inteiro admiram as imagens do Sambódromo com os dançarinos e suas fantasias espetaculares. Sem dúvida, o Carnaval é a maior festa popular do Brasil. Porém, de acordo com vários estudos, mais da metade dos brasileiros afirma não gostar muito de cair na folia.
Foto: Reuters/R. Moraes
Paciência e otimismo
É incrível a paciência e o otimismo que o brasileiro tem em relação ao futuro ou quando algo não funciona. Em vez de criar cenários sombrios, ele confia que "vai dar tudo certo" e espera até as coisas se ajeitarem. Um estudo do Instituto Gallup World Poll realizado em 138 países apontou que os brasileiros são o povo mais otimista do mundo.
Foto: imago/Schreyer
Comunicativos e alegres
Os brasileiros realmente sabem como aproveitar a vida: gostam de bater um papo, se reunir, fazer churrasco... É o jeito sociável e extrovertido deles que faz turistas e imigrantes amar o país. Mesmo que muitos brasileiros sejam assim, é claro que há exceções: pois ser comunicativo e alegre não é só uma questão da cultura, mas também de cada personalidade.
Foto: Fotolia/Andres Rodriguez
Educados até demais
O brasileiro é educado e não muito direto. Muitas vezes, prefere ficar calado para evitar irritação e embaraço. Ele não gosta de enfrentar situações desagradáveis e, por isso, às vezes se torna um desafio obter um claro "sim" ou "não" dele. Bom, ser educado não é ruim, mas, se for demais, atrapalha!
Foto: Imago/K. M. Höfer
Viciados em redes sociais
WhatsApp, Facebook, Snapchat. Quem tiver, por exemplo, amigos brasileiros e amigos alemães nas redes sociais, provavelmente vai notar uma diferença no comportamento online. Enquanto o alemão evita mostrar muito da vida privada na internet, o brasileiro é bastante ativo. Um estudo de 2012 apontou que os brasileiros são o povo mais viciado em Facebook.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kahnert
Brasileiro é machista
Numa festa, uma mulher pode estar certa de que alguém vai flertar com ela se não tiver um namorado ao lado. Até certo ponto, tudo bem, mas em geral ele não se conforma com uma rejeição, ficando chato e insistente. Em situações assim, fica evidente que no Brasil há uma cultura de dominação masculina. Embora nos últimos anos já tenha mudado muito, o machismo ainda está impregnado na sociedade.
Foto: Fotolia/snaptitude
Democracia racial?
Seja descendente de italiano, alemão, japonês ou africano, no Brasil, todos vivem juntos e se sentem brasileiros em primeiro lugar. Em países europeus, onde a integração de imigrantes é difícil, isso parece um milagre. Só que, além da aparência, há sim desigualdade no Brasil. Estudos mostram que negros são discriminados. E a maioria dos pobres no Brasil são negros; e a maioria dos ricos, brancos.
Foto: Getty Images/AFP/Y. Chiba
Quem é a mais bela de todas?
Unhas perfeitas, visitas semanais ao salão de beleza, horas em frente ao espelho. A mulher brasileira adora cuidar do próprio corpo e se arrumar. Segundo um estudo internacional da empresa de cosméticos Avon, ela se importa mais com a aparência do que qualquer outra mulher no mundo.
Foto: picture-alliance/dpa
Orgulho e vergonha ao mesmo tempo
A atitude do brasileiro em relação à própria nacionalidade é um pouco paradoxal: por um lado, ele adora o país, tem orgulho da cultura, da natureza, de tudo. Por outro lado, nota-se certo "complexo de vira-lata". É uma expressão criada pelo escritor Nelson Rodrigues, que significa que o brasileiro se acha inferior em comparação com outras nacionalidades e não tem muita fé no próprio país.