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Mandetta diz que fica: "Médico não abandona paciente"

7 de abril de 2020

Alvo de fritura promovida por Bolsonaro, que tem se irritado com seu protagonismo, ministro da Saúde descarta deixar a pasta e pede "um bom ambiente para trabalhar". "Nosso inimigo é a covid-19."

Brasilien Brasilia | Coronavirus | Luiz Henrique Mandetta, Gesundheitsminister
Pesquisa mostra que aprovação de Mandetta na condução da crise é maior que a de Bolsonaro. 76% aprovam trabalho do ministroFoto: Agencia Brasil/Marcos Correa/PR

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse na noite desta segunda-feira (06/04) que pretende continuar à frente da pasta, apesar da fritura promovida pelo presidente Jair Bolsonaro. "Nós vamos continuar, porque continuando a gente vai enfrentar o nosso inimigo. E o nosso inimigo é a covid-19. Médico não abandona paciente. Eu não vou abandonar", disse em coletiva de imprensa.

Durante a tarde, o jornal O Globo chegou a publicar que Bolsonaro havia decidido demitir Mandetta. Mais tarde, porém, o site da revista Veja apontou que Bolsonaro foi demovido da ideia por ministros da ala militar do governo. O jornal O Estado de S. Paulo, por sua vez, apontou que os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, também agiram nos bastidores para impedir a saída de Mandetta.

Ao longo do dia, membros da equipe de Mandetta chegaram a limpar as gavetas na sede do Ministério da Saúde. Na coletiva desta noite, o ministro apontou que todo esse processo foi desgastante e contraproducente em tempos de pandemia.

"Gostamos de críticas construtivas, o que não gostamos é de críticas que venham para conturbar o ambiente de trabalho. Hoje, foi um dia que rendeu pouco no ministério. Ficou todo mundo aqui com a cabeça avoada se perguntando se eu ia sair, se eu ia permanecer", disse Mandetta, sem citar Bolsonaro em qualquer momento. "A única coisa que pedimos é o melhor ambiente para trabalhar."

O ministro ainda comentou, de forma indireta, ações de Bolsonaro que vêm se chocando com as orientações da pasta. “Não preciso traduzir, vocês todos sabem que tem sido uma constante o ministério adotar uma determinada linha e termos muitas vezes que voltar e fazer contrapontos para podermos reorganizar. A equipe fica numa situação de angústia".

Mandetta ainda afirmou que o trabalho da pasta é técnico e sinalizou que, se for demitido, o seu time também vai deixar a pasta. "Aqui procuramos ser a voz da ciência. Entramos juntos e vamos sair juntos". O ministro ainda aproveitou para reiterar a importância do isolamento social e as orientações dos governos estaduais para frear a pandemia.

"A sociedade precisa entender que a movimentação é tudo o que esse vírus quer", disse. 

Fritura

Nas últimas duas semanas, o presidente tem demonstrado irritação com o protagonismo de Mandetta à frente dos esforços para conter a pandemia de coronavírus. A pesquisa Datafolha divulgada na semana passada apontou que 76% dos brasileiros aprovavam o trabalho de Mandetta na condução da crise do novo coronavírus. Já a avaliação de Bolsonaro foi significativamente mais baixa: 33%.

No domingo, Bolsonaro chegou a afirmar que alguns membros do seu governo estavam "se achando" e se comportando como "estrelas", num claro recado a Mandetta.

Os dois também entraram em atrito em relação ao tipo de política que deve ser adotada para conter a pandemia. Mandetta tem defendido medidas de isolamento social e recomendado que a população siga as orientações dos governos estaduais, que em sua maioria impuseram medidas amplas para restringir a circulação. Bolsonaro, por sua vez, não só tem minimizado a pandemia, como defendido uma forma de isolamento parcial, confinando apenas grupos de risco, como idosos. O presidente também tem incentivado a população a "voltar à normalidade".

A fritura de Mandetta passou tanto por críticas abertas quanto pela sabotagem escancarada das orientações do ministro. No dia 29 de março, um dia após o titular da Saúde pedir para que a população ficasse em casa, Bolsonaro visitou vários comércios da região de Brasília e provocou aglomerações. Nos dias que se seguiram, Bolsonaro afirmou que nenhum ministro era indemissível e que faltava "humildade" a Mandetta.

Mandetta não contrariou Bolsonaro apenas no aspecto do isolamento social. O ministro também não abraçou com entusiasmo a notícia sobre cloroquina, que chegou a ser promovida por Bolsonaro como "cura" para a covid-19, apesar de faltarem estudos amplos que atestem sua eficácia.

Há dez dias, Mandetta disse que o fármaco não é uma "panaceia" e advertiu contra a automedicação. Em uma coletiva, ele criticou indiretamente Bolsonaro, ao afirmar que se "sairmos com a caixa na mão e falar 'pode tomar', nós podemos ter mais mortes por mau uso de medicamento do que pela própria virose". Antes dessa fala, Bolsonaro havia aparecido em público segurando caixinhas do remédio. O presidente também vinha se incomodado com a demora do Ministério da Saúde em apresentar um protocolo claro para o uso da cloroquina em pacientes com covid-19.

A fritura de Mandetta vem seguindo um roteiro similar à de outros ministros que acabaram sendo demitidos, como Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência).

Conforme as críticas do presidente ficaram mais explícitas, redes sociais ligadas à família do presidente passaram a direcionar ataques contra Mandetta. Em poucos dias, contas que eram só elogios à condução da crise pelo ministro passaram a pintá-lo como "Mandetta do DEM" (em referência ao seu partido), "Mandetta, o político" ou "o agente de Rodrigo Maia".

Nas últimas semanas, Mandetta chegou a fazer concessões a Bolsonaro, engrossando o coro de críticas de governistas às medidas drásticas tomadas por alguns governadores para forçar medidas de isolamento social. Mandetta também seguiu a cartilha bolsonarista ao criticar a imprensa, a qual chamou de "sórdida" – ele se desculpou depois.

No entanto, mesmo adotando essa tática, o ministro passou a sofrer uma espécie de tutela por parte do governo. As coletivas diárias do Ministério da Saúde foram esvaziadas e Mandetta foi obrigado a participar de conferências de imprensa ao lado de outros ministros no Planalto.

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