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Mangás

Erica Matsuura / Soraia Vilela3 de novembro de 2006

A recepção dos mangás japoneses na Alemanha é tamanha que chega a ser vista como uma "invasão" no universo adolescente. Uma leva de jovens desenhistas alemãs revoluciona o mercado.

'Spray', da berlinense Marie SannFoto: Marie Sann

Na última Feira do Livro de Frankfurt, em outubro, o público de um dos pavilhões era excepcionalmente colorido, chamando a atenção pelos corredores: o dos estandes das editoras de mangás. A razão era simples: cosplay (abreviatura de costume play), a moda disseminada entre grupos de jovens e adolescentes que se vestem como os personagens das HQs.

No caso de feiras de livros na Alemanha, o cosplay é quase sempre associado aos mangás japoneses e os jovens desfilam entre os estandes com direito a todo um arsenal de perucas, maquiagem e acessórios. Uma forma que encontram de interagir com o mundo dos quadrinhos e que faz com que os mangás tenham se transformado num verdadeiro fenômeno de moda e estilo.

Milhões de euros por mês

'Menolly', de Natalie WormsbecherFoto: Natalie Wormsbecher

"Joachim Kaps, da editora Tokyopop, estima que o faturamento com os mangás (japoneses e coreanos) no país gira em torno dos 70 milhões de euros", diz Ruth Grothe, da Jetro (Japan External Trade Organization), uma organização oficial japonesa de fomento ao comércio exterior. Por ano, estima-se uma publicação de mil títulos na Alemanha, a maioria tradução de originais japoneses, mas com uma porcentagem de aproximadamente 20% que vêm da produção de desenhistas locais.

No Japão, há de se lembrar, os mangás já são, há anos, um setor que movimenta muito dinheiro e uma arte já vista como trivial pela população. Exceções à parte, como é o caso, entre outros, do já falecido Yoshiro Tatsumi – conhecido por suas histórias de viés social, distantes do mangá convencional e influenciadas por Akira Kurosawa, pelo neorealismo italiano e pelo cinema noir.

Liderança feminina

Mangá de Marie SannFoto: Marie Sann

Basicamente responsáveis pelos mangás made in Germany são as jovens "mangakas" (com no máximo 25 anos), consideradas as desenhistas in do momento e que chegam a vender dez mil exemplares de um mangá – um número que beira os de um best seller. A liderança feminina na cena é uma novidade e na Alemanha nunca houve tantas mulheres desenhando.

Isso faz com que milhares de adolescentes, já a partir dos 15 anos, comecem a sonhar com os 15 minutos de fama na prancheta e participem assiduamente dos concursos realizados pelas editoras. Ao contrário das HQs ocidentais, os mangás japoneses são lidos de trás para frente e da esquerda para a direita.

Temas cotidianos

Mangá de Natalie WormsbecherFoto: Natalie Wormsbecher

Na Alemanha, predominam entre as meninas "50% de temas cotidianos, como escola, amizades e amor. Os outros 50% são fantasia, como anjos e demônios. Entre os meninos, predominam técnica e ficção científica. As meninas dão mais importância à história; os meninos, à ação", explica Marcus Tieschky, da equipe do Festival de HQs Comic-Campus.

Estima-se que essa onda de garotas desenhando tenha começado há cerca de quatro anos, ou seja, mais ou menos seis anos depois do primeiro boom dos mangás japoneses no país, iniciado há uma década. "Nas competições do nosso festival, até hoje, mais de 90% dos trabalhos vieram de meninas, enquanto menos de 10% foram enviados por garotos", aponta Tieschky.

A explicação para uma possível "segregação de gêneros" na cena é dada por Natalie Wormsbecher, uma desenhista de 20 anos, da seguinte forma: "A questão é que as meninas sabem melhor o que meninas gostam de ler. Mas não se pode generalizar. Há meninas, também na Alemanha, que desenham histórias de aventura [lidas por meninos] e fazem sucesso com isso".

Estilo próprio

'Gothic Sports' de Anike HageFoto: 2006 Anike Hage/TOKYOPOP GmbH

"Em primeiro plano, as desenhistas são influenciadas pelos japoneses e suas obras, mas em muitas percebe-se que, quanto mais experiência ganham, mais desenvolvem um estilo próprio, como é o caso de Christina Plaka, Anike Hage e Detta Zimmermann", diz Christina Gossel, da editora Tokyopop.

"Não sigo um modelo certo. No começo, era fascinada por Satoshi Urushihara e tentava com freqüência copiar seu estilo. Hoje, me inspiro em vários artistas, não só em desenhistas de mangá", diz Marie Sann, uma das jovens estrelas da cena na Alemanha.

Coreanos, chineses e franco-belgas

Mangá de Marie SannFoto: Marie Sann

Para muitas delas, o primeiro desejo de desenhar veio dos mangás japoneses – primeiro lidos, depois imitados e por fim apenas a base de inspiração para uma estética própria, que absorve um pouco dos quadrinhos europeus, mas raramente dos norte-americanos.

"As maiores influências nos mangás alemães vêm dos mangás japoneses, dos manhwas sul-coreanos e dos manhuas chineses. Outras fontes são romances, filmes e as HQs franco-belgas. O estilo norte-americano é raramente utilizado. As desenhistas alemãs encontram, com freqüência, um meio-termo: não desenham tão rápida ou dramaticamente como nos mangás originais, nem tão lentamente quanto nos quadrinhos europeus", diz Tieschky.

Rastros por todos os lados

Na Alemanha, mais de 70% do faturamento das editoras de quadrinhos costuma vir dos mangás. Entre as mais sólidas estão a Carlsen, Egmont Manga & Anime (EMA) e Tokyopop. As mangakas não costumam ganhar fortunas, mas geralmente conseguem sobreviver desenhando.

Outras formas de dar vazão ao trabalho são a internet, fanzines ou pequenas editoras "caseiras", geralmente criadas por fãs que começam a desenhar. A grande "invasão", porém, pode ser constatada no universo jovem, no qual a estética mangá deixa seus rastros em vídeos, revistas, moda e em outros subgêneros dos quadrinhos.

Em junho último, pela primeira vez um desenhista de mangás recebeu o tradicional prêmio Max-e-Moritz na feira de quadrinhos de Erlangen: o velho mestre Keiji Nakazawa, pelo autobiográfico Gen: Pés Descalços, publicado pela primeira vez nos anos 70 e que relata a vida de um menino que tinha 6 anos quando a bomba atômica caiu sobre Hiroshima.

Moda passageira ou duradoura?

Anike Hage, desenhista alemã de mangáFoto: ©2006 Anike Hage / TOKYOPOP GmbH

"Espero que não se trate apenas de uma onda e que os mangás fiquem mesmo. Me preocupo um pouco com a situação: será que algum dia vamos ter que começar a receber pouco pelos nossos desenhos porque aparecem cada vez mais desenhistas jovens, que cobram pouco e mesmo assim fazem um trabalho de qualidade?", questiona Anike Hage, 21 anos, autora do sucesso Gothic Sports (história de um time de futebol feminino numa escola alemã) e conhecida por misturar a estética dos mangás com influências dos quadrinhos punk. "De qualquer forma, é muito bom ver cada vez mais fãs se tornando desenhistas. Isso movimenta a coisa", finaliza Anike.

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