Marcha dos Vivos em Auschwitz celebra a vida judaica
Andrea Kasiske
18 de abril de 2023
Em 1945, nazistas forçaram presos do campo de extermínio a uma marcha da morte. No Yom HaShoá, Dia em Memória do Holocausto, milhares de judeus e não judeus emitem um sinal contra o esquecimento.
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"O trabalho liberta": a frase sobre o portão de entrada do campo de concentração e extermínio de Auschwitz não poderia ser mais cínica. Quem fosse deportado para lá tinha todos os seus bens pessoais tomados, os cabelos, raspados, recebia um uniforme de preso, era cadastrado com um número que lhe era então tatuado no braço. Enfim: era desumanizado.
De início, sobretudo combatentes da resistência local, intelectuais, prisioneiros de guerra russos e outros desafetos dos nacional-socialistas eram enviados para morrer de fome, moléstias e trabalhos forçados sob as condições miseráveis, ou ser fuzilados no campo alemão em território polonês ocupado.
A partir de 1942, porém, começou o assassinato em massa sistemático na sessão ampliada Auschwitz-Birkenau, o maior campo de todos. Dos 1,1 milhão de seres humanos mortos lá, a maioria eram judeus, num devastador capítulo do Holocausto.
Marcha dos Vivos como antídoto ao esquecimento
Desde 1988, no Yom HaShoá, Dia em Memória do Holocausto, feriado nacional em Israel, reúnem-se em Auschwitz ex-prisioneiros sobreviventes, seus filhos e netos, assim como judeus de todo o mundo, a maioria jovens, para a March of the Living, ou Marcha dos Vivos.
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O nome alude à marcha da morte por ocasião da dissolução do campo, em 1945. Diante do recuo do front oriental e da aproximação dos Aliados, os nazistas ordenaram a evacuação do local. Sob frio glacial, os presos foram obrigados a avançar em direção ao oeste, impelidos pelos soldados que fuzilavam sumariamente quem não pudesse mais andar.
Os participantes da Marcha dos Vivos, que em 2023 se realiza nesta terça-feira (18/04), caminham três quilômetros do campo principal, o Stammlager I, até as instalações de extermínio de Auschwitz-Birkenau. É um sinal contra o esquecimento do Holocausto, especialmente diante do recrudescimento do antissemitismo, e uma expressão da memória viva das vítimas judaicas.
O número das testemunhas da época capazes de relatar sobre as atrocidades nazistas se reduz cada vez mais. Mas ainda há sobreviventes como Eva Umlauf. A pediatra e psicoterapeuta teuto-eslovaca chegou com a mãe a Auschwitz em 1944, aos dois anos de idade.
Ambas sobreviveram, assim como a irmã Nora, nascida no campo de extermínio. Uma das sobreviventes mais jovens, Eva só começou em 2014 a falar em público sobre o que viveu.
Dançando e cantando em Auschwitz
Para Philipp Doczi, a "vivência pessoal" e a consequente possibilidade de fazer perguntas é extremamente importante. Integrante da organização March of Remembrance and Hope – Austria (MoRaH), ele incluiu Eva Umlauf na conversa com testemunhas contemporâneas da Marcha dos Vivos de 2023.
Uma delegação de mil adolescentes austríacos lhe acompanha ao antigo campo. Também participam dos eventos na atual Oswiecim, na Polônia, 230 alunos do estado alemão de Brandemburgo. Dieter Starke, seu acompanhante, sabe, de excursões anteriores, que esses encontros não deixam indiferente nenhum dos participantes.
Além disso, os jovens alemães encontram-se com coetâneos israelenses e trocam impressões sobre como vivenciam racismo, antissemitismo e discriminação nos dias atuais, e como lidam com essas experiências.
A Marcha dos Vivos não esteve sempre aberta a não judeus: só em 2005 foi admitida a primeira delegação cristã alemã, em 2022 vieram até mesmo representantes dos Emirados Árabes Unidos. Na atual edição, esperam-se cerca de 10 mil participantes de todo o mundo, tantos quanto antes da pandemia de covid-19.
"Há, sim, uma espécie de choque de culturas", conta Doczi. Ele estranhou de início, por exemplo, quando judeus da América do Sul dançaram e cantaram no campo de extermínio. No entanto, isso lembra que se trata também de celebrar os sobreviventes e a cultura judaica viva.
A Marcha dos Vivos não emite apenas um sinal veemente contra o esquecimento dos mortos de Auschwitz, mas também a favor da vida judaica como um todo, agora e no futuro.
Dez filmes sobre o Holocausto
A "cinematografia do Holocausto" é composta de uma vasta lista de filmes. Embora transpor o indescritível para imagens em movimento seja uma tarefa altamente complexa, são diversas as tentativas.
Foto: absolut Medien GmbH
Noite e neblina
Filme de 1955 que estreou no Festival de Cannes, "Noite e neblina", dirigido pelo francês Alain Resnais, foi um dos primeiros documentários a se debruçar sobre o Holocausto. Renais e Chris Marker, na época seu assistente, estavam entre os primeiros cineastas a terem um acesso mais amplo aos arquivos do Holocausto em França, Bélgica, Holanda, Polônia e Alemanha.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library/Ronald Grant Archive
Minha luta
Coprodução sueco-alemã de 1960, tem direção de Erwin Leiser (1923-1996), que emigrou aos 15 anos de idade, depois do Pogrom de 1938, para a Suécia, onde se tornaria mais tarde um cronista em imagens das atrocidades do regime nazista. No longa-metragem, o diretor reúne material de arquivo da época, como faria em outros filmes posteriores, em um minucioso trabalho de memória daquele período.
Foto: picture-alliance
Shoah
Obra mais importante sobre a memória do Holocausto, o filme de Claude Lanzmann, de 1985, com 9 horas e meia de duração, foi feito no decorrer de 11 anos. O diretor recusa-se a usar imagens de campos de concentração como fazem os documentários convencionais. O registro do horror acontece através do testemunho de sobreviventes – sejam eles vítimas, algozes ou meros espectadores das atrocidades.
Foto: absolut Medien GmbH
A lista de Schindler
Steven Spielberg contou neste filme de 1993 a história de um empresário que, embora conivente com o regime nazista, acabou salvando a vida de mais de mil judeus. A superprodução americana ganhou sete Oscars, incluindo os de melhor filme e direção, embora tenha sido apontada por parte da crítica como um melodrama que prima por transformar a dor em espetáculo.
Foto: picture alliance / United Archives/IFTN
Exílio em Xangai
O longa-metragem de 1997, de Ulrike Ottinger, é um filme sobre o Holocausto no sentido de documento da fuga e da migração dos judeus para Xangai durante o regime nazista. Com 4 horas e meia de duração, o documentário tem como ponto de partida as lembranças de seis judeus alemães, austríacos e russos, que fugiram para Xangai, um dos únicos lugares com fronteiras abertas até 1943.
Do Leste
Coprodução franco-belga de 1993, o documentário de Chantal Akerman é uma viagem realizada pela diretora passando pelo Leste alemão, Polônia, países bálticos e Rússia. O filme documenta não apenas o deslocamento geográfico da cineasta, mas sobretudo sua busca de um Leste que, embora lhe seja estranho, é a terra de origem de sua mãe judia, nascida na Polônia e sobrevivente de Auschwitz.
Balagan
Uma trupe tenta, na israelense Akko, tratar do Holocausto em um coletivo de teatro que envolve também um palestino. A partir daí, o diretor Andres Veiel busca, neste filme de 1994, descobrir as feridas abertas existentes quando se fala do assunto. O documentário não é um filme sobre sobreviventes, mas sim sobre seus filhos e sobre como eles conseguem lidar com essa herança histórico-familiar.
A vida é bela
Tragicomédia encenada pelo italiano Roberto Benigni em 1999, o filme recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e atraiu um imenso público em muitos países. Por ser uma das raras tentativas de abordar o tema dos campos de concentração com humor, teve recepção ambivalente por parte de alguns sobreviventes do Holocausto, que viram aí um perigo de banalização das atrocidades nazistas.
Foto: picture-alliance/dpa
O Pianista
Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2002, o filme de Roman Polanski tem roteiro baseado nas memórias de Wladyslaw Szpilman, músico polonês que testemunha como Varsóvia é tomada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial e cuja família é assassinada no campo de concentração de Treblinka. O próprio Polanski sobreviveu ao Gueto de Cracóvia e perdeu a mãe assassinada em Auschwitz.
Foto: imago stock&people
O filho de Saul
Filme de 2015 do húngaro László Nemes (ex-assistente de Béla Tarr), tem como protagonista um integrante do Sonderkommando (grupo de prisioneiros judeus encarregados de limpar câmaras de gás e remover cadáveres), cuja ideia fixa é enterrar um garoto. Filme claustrofóbico, cujo uso do primeiro plano, os closes exacerbados e a câmera em constante movimento, tira o espectador de sua zona de conforto.