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"Maria da Penha Virtual" agiliza a medidas de proteção

Gabriel Bonis
26 de dezembro de 2020

App em fase de testes no Rio de Janeiro permite que mulheres solicitem medidas protetivas de urgência pela internet. Ferramenta não precisa ser baixada no celular e não deixa rastros.

Deutschland Symbolbild Häusliche Gewalt
Dados preliminares indicam um aumento de situações de violência doméstica em diversos países durante a pandemiaFoto: picture alliance/dpa/C. Klose

Além de ter causado 1,75 milhão de mortes e quase 80 milhões de infectados no mundo até o momento, a pandemia de covid-19 também teve reflexos em casos de violência doméstica. Com medidas de isolamento social para conter o avanço do coronavírus como quarentenas e lockdowns, mulheres vulneráveis ficaram mais tempo isoladas em casa, potencialmente expostas aos seus agressores. E a pandemia também dificulta que muitas vítimas busquem ajuda presencialmente em delegacias.

Dados preliminares indicam um aumento de situações de violência doméstica em diversos países durante a pandemia. No fim de março, pouco após o início do primeiro lockdown nacional, a França registrou uma alta de 32% destes casos.E uma pesquisa com 3,8 mil mulheres na Alemanha revelou que 3,1% delas sofreram alguma agressão física e 3,6% enfrentaram violência sexual entre o fim de abril e início maio de 2020.

Segundo a pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, conduzida em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha, 27,4% das entrevistadas afirmaram que tinham sofrido alguma agressão nos 12 meses anteriores – destas, 42% apontaram que as agressões ocorreram em casa. Entre as mulheres agredidas, 76,4% disseram o agressor era um conhecido (23,8% eram namorados, cônjuges ou companheiros).

Ferramenta virtual

Neste contexto, estudantes da Faculdade de Direito da Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadores do Centro de Estudos de Direito e Tecnologia (CEDITEC) criaram um web aplicativo que permite a mulheres na cidade do Rio de Janeiro solicitar pela internet, e sem sair de casa, medidas protetivas de urgência contra seu agressor previstas na Lei Maria da Penha.

A vítima precisa apenas de um aparelho simples com acesso à internet (celular, computador, tablet, etc) para preencher um formulário. O aplicativo funciona com um link (veja aqui), logo não é necessário instalá-lo. Desta forma, as informações da vítima são protegidas e o app não deixa vestígios que possam ser encontrados pelo agressor.

"O web app foi escolhido por ser ágil e de baixo custo, mas principalmente por não ser necessário baixá-lo no celular. Isso facilita o uso e gera segurança para a mulher. É mais sigiloso", explica Kone Cesário, vice-diretora da Faculdade de Direito da UFRJ e coordenadora do projeto.

Os estudantes da UFRJ atuaram em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que lançou o Maria da Penha Virtual em 26 de novembro, cobrindo inicialmente apenas a capital fluminense. Em um mês, 57 medidas protetivas de urgência já foram requeridas via o web app. O TJ-RJ ainda não contabilizou quantas foram deferidas.

"Desde o início achamos a ideia muito boa e que poderia auxiliar as mulheres em situação de violência durante a pandemia a acessar à justiça de forma rápida e eficaz. O TJ logo providenciou junto aos departamentos internos a viabilidade técnica do app", diz Adriana Ramos de Mello, juíza responsável pelo projeto no TJ-RJ.

No Maria da Penha Virtual, a vítima preenche um formulário com seus dados pessoais e os do agressor. Detalha a agressão sofrida, tem a opção de anexar fotos, áudios e cópias de mensagens como provas iniciais do caso, e pode solicitar medidas de proteção disponíveis em lei.

Depois de completado, o formulário segue imediatamente em forma de petição para a Corregedoria Geral da Justiça do TJ-RJ. De lá, é distribuído para os juizados especializados em violência doméstica e familiar contra a mulher na cidade do Rio. Um juiz apreciará, então, o pedido e poderá encaminhar a vítima à defensoria pública ou à rede de enfrentamento à violência do município, ou pedir mais detalhes sobre a denúncia.

Pulando o intermediário

Além de ser uma opção rápida e acessível para mulheres em situação vulnerável, o web app elimina ainda outro obstáculo comum para que mais vítimas denunciem seus agressores: o medo de deboches e da indiferença em delegacias. "O app incentiva [mais denúncias] pela facilidade, por não precisar de deslocamento, de gastos com ônibus, ou ficar exposta a deboches. Vide uma vítima que falou à uma emissora de televisão que ouviu na delegacia que ela tinha ido lá ‘só por um tapa'", afirma Cesário.

Em um primeiro momento, explica Mello, não é mesmo necessário que a vítima se desloque a uma delegacia. Mas se o crime deixar vestígios (estupro, lesão corporal, etc) e "for de ação penal pública incondicionada, ou seja, de iniciativa do Ministério Público", a vítima deverá fazer, posteriormente, o registro policial e ser encaminhada ao IML para o exame de corpo de delito. "O importante é logo a proteção judicial da Lei Maria da Penha e em seguida, haverá a investigação do crime para um posterior processo penal."

O Judiciário brasileiro tem avançado em sua digitalização na última década, entre outras medidas, com o Processo Judicial Eletrônico (PJe), definido desde dezembro de 2013 "como o sistema nacional de processamento de informações e prática de atos processuais”. Além disso, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 81,8% dos novos casos na Justiça Federal são em formato eletrônico, e na Justiça Estadual, 82,6%. Ao todo, 11 tribunais já alcançaram 100% de processos eletrônicos nos dois graus de jurisdição.

Durante a pandemia, os tribunais também tiveram que adotar videoconferências para audiências e atos. Sendo assim, Mello acredita que o TJ-RJ não terá dificuldades em lidar com uma eventual demanda elevada de medidas de proteção solicitadas via app. "Acredito que o TJ-RJ esteja preparado e adequado a nova realidade da justiça digital, inclusive esse é o futuro. Atualmente, todos os processos do TJ-RJ são eletrônicos e estamos  adaptados.”

O desafio, explica a juíza, é fazer com que todos tenham acesso à internet de qualidade para que no futuro possam utilizar plataformas como a Maria da Penha Virtual. "[O app] é um instrumento importante para o acesso à justiça pelas mulheres que sofreram violência doméstica. Vai aproximá-las da justiça sem que a mulher saia de casa. Muito mais fácil e ágil. Quem sofre violência tem urgência, precisa de uma proteção imediata e sem riscos", diz Mello.

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