Mariana: Justiça condena empresas a pagarem R$ 47,6 bilhões
26 de janeiro de 2024
Juiz determina que Vale, BHP e Samarco arquem com indenização por danos morais, alegando que "gerações futuras serão afetadas". Barragem colapsou em 2015, liberando mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos.
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Mais de oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Justiça Federal condenou a Vale, a BHP e a Samarco a pagarem indenização de R$ 47,6 bilhões pelos danos morais coletivos causados pela tragédia que matou 19 pessoas e causou enormes prejuízos financeiros e ambientais na região do rio Doce.
De acordo com a decisão divulgada nesta quinta-feira (25/01), o valor deve ser corrigido com juros de mora desde a data do rompimento da barragem. O montante estipulado pela Justiça será destinado a um fundo administrado pelo governo federal, sendo aplicado exclusivamente nas áreas impactadas pela catástrofe.
Em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, colapsou, liberando mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos no ambiente e matando imediatamente 19 pessoas. Os rejeitos escorreram pelo rio Doce até encontrarem o Atlântico, na costa do Espírito Santo. Para comparação: é como se 1,3 milhão de contêineres marítimos cheios de lama fossem despejados numa avalanche.
Segundo estimativas baseadas em estudos da Fundação Getulio Vargas, é possível que o número de pessoas atingidas ao longo das 49 cidades sob influência da rota de lama chegue a 980 mil.
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Juiz cita Brumadinho
A decisão desta quinta-feira é relativa a ações civis públicas que pedem reparação dos danos ambientais e socioeconômicos causados pela tragédia. No texto, o juiz Vinicius Cobucci considera que "trata-se de fato incontroverso" que houve dano moral coletivo.
"O impacto não se restringe às pessoas que moravam nas localidades atingidas. Gerações futuras serão afetadas. As comunidades foram impactadas em sua moradia, trabalho e relações pessoais. Pessoas foram mortas em razão do rompimento. Houve a degradação ambiental, com destruição da flora e fauna, o que inclui o sofrimento de animais. Houve perda da qualidade de vida. O rompimento gerou efeitos no ecossistema, com interferências negativas em várias cadeias produtivas e processos ecológicos. Enfim, são vários os danos, os quais devem ser devidamente reparados", diz um trecho da decisão, divulgado pelo portal G1.
Na decisão, o juiz cita a tragédia de Brumadinho, ocorrida três anos depois, em 25 de janeiro de 2019:
"A ausência de resposta jurídica adequada, no momento oportuno, possivelmente contribuiu para o rompimento da barragem em Brumadinho", escreve.
O valor da indenização foi estipulado com base nos relatos das empresas, que admitem terem investido R$ 47,6 bilhões em ações de reparação. O magistrado explica que o montante não é "irrisório e tampouco excessivo", já que o objetivo é que a tragédia não se repita, como ocorreu anos depois em Brumadinho.
Em reposta ao G1, a BHP disse que não foi intimada da decisão, a Vale afirmou que não foi notificada e a Samarco, que não comentaria o caso.
Ninguém foi preso
Desde dezembro de 2023, as negociações do novo acordo de reparação de danos estão suspensas, em razão de divergência entre o valor oferecido pelas empresas e o montante solicitado pelo poder público.
A missão de reparar os danos foi dada à Fundação Renova, criada em 2016 segundo um acordo entre Justiça e mineradoras. Embora a entidade afirme que tenha desembolsado R$ 32,66 bilhões em ações de reparação e compensação até agosto de 2023, a crítica de quem atua junto às comunidades é de que o atendimento está aquém das urgências.
No Brasil, ninguém foi preso como responsável pelo rompimento da barragem em Mariana. Na Inglaterra, a justiça marcou para agosto de 2024 o julgamento do processo que leva aos tribunais a mineradora anglo-australiana BHP. Recentemente, a Justiça aceitou a entrada da Vale na ação após pedido da BHP para que a mineradora parceira, que também controla a Samarco, contribua financeiramente com os pagamentos.
O processo, provavelmente a maior ação coletiva da história na jurisdição inglesa, é movido pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead em nome de 700 mil atingidos. O valor exigido das mineradoras chega a R$ 230 bilhões em compensações, que seriam dadas não só a indivíduos, como também a empresas, municípios, autarquias e instituições religiosas que sofreram os impactos trazidos pelo desastre de Mariana.
le (ots)
Cronologia: o maior desastre ambiental do Brasil
O rompimento de uma barragem da Samarco provocou o maior desastre ambiental da história brasileira, gerando uma tsunami de 50 milhões de metros cúbicos de lama que deixou ao menos 13 mortos e centenas de desabrigados.
Foto: DW/N. Pontes
Rompimento da barragem
O rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em 5 de novembro, causou uma enxurrada de lama que inundou a região do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana/MG, a cerca de 120 quilômetros de Belo Horizonte. A empresa é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Biliton.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Um distrito soterrado
Após o rompimento da barragem, os rejeitos destruíram casas e arrastaram veículos em Bento Rodrigues, onde residiam cerca de 600 pessoas. O volume, de cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos provenientes da extração de minério, poderia encher cerca de 20 mil piscinas olímpicas.
Foto: Xinhua
Mortos, desaparecidos e animais resgatados
Bombeiros da região ainda trabalham para achar desaparecidos. Até o início de dezembro eram 11 mortos confirmados, sendo que há dois outros corpos não identificados e oito pessoas desaparecidas. Segundo a Samarco, 1.265 pessoas foram hospedadas em hotéis, 51 famílias foram alocadas em casas e mais de 600 animais, entre cachorros, gatos, porcos, vacas e cavalos, foram resgatados nas áreas próximas.
Foto: PA / ZUMA Press
A resposta da Samarco
Logo após o desastre, a empresa anunciou ter colocado em ação, juntamente com órgãos competentes, ações previstas em seu plano de emergência para priorizar o atendimento e a integridade das pessoas que estavam próximas às barragens, além de ações para conter danos ambientais. Representantes da Vale e da BHP Biliton prometeram criar um fundo de assistência para as comunidades e meio ambiente.
Foto: Reuters/R. Moraes
A multa do Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou em 12 de novembro que vai aplicar multas de 100 milhões de reais à mineradora. São duas multas: uma de 50 milhões de reais pelo lançamento de rejeitos em rios próximos em decorrência do rompimento da barragem e outra, no mesmo valor, em razão dos prejuízos causados à biodiversidade.
Foto: Reuters/R. Moraes
Doações de todo o Brasil
Após o rompimento da barragem, doações vindas de todo o Brasil começaram a chegar à região de Mariana. Dois centros receberam itens como roupas, alimentos e água potável, que foram distribuídos em hotéis para os desabrigados e levados às comunidades atingidas. Voluntários de todas as partes do país vêm ajudando a separar as doações.
Foto: DW/N. Pontes
Lama no Rio Doce
Dois dias depois do rompimento da barragem, o "tsunami" de lama começou a chegar ao Rio Doce, na região leste de Minas Gerais. De acordo com a polícia militar ambiental, o rio chegou a subir pelo menos um metro e meio. A água do Rio Doce tem, em certos pontos, a presença de chumbo, arsênico e níquel. O impacto ambiental é imensurável.
Foto: Fred Loureiro/Secom-ES
Outras barragens em risco
A mineradora reconheceu em 17 de novembro o risco de rompimento de outras duas barragens, as de Santarém e Germano, localizadas nas proximidades da que se rompeu em 5 de novembro. A empresa ressaltou a realização de obras emergenciais para reforçar as duas barragens. Os trabalhos, informou, durariam cerca de 45 dias em Germano e 90 dias em Santarém.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Dilma sobrevoa áreas afetadas
Uma semana após a tragédia, Dilma Rousseff sobrevoou as regiões afetadas em MG e ES. Na cidade capixaba de Colatina, Dilma disse que a mineradora terá que arcar com todas as consequências do desastre ambiental: "Esse é um dos desastres mais graves que o país sofreu, principalmente quando se considera a questão do impacto sobre o meio ambiente, a sociedade, a economia local."
O tsunami de rejeitos da Samarco percorreu 650 quilômetros até a foz do Rio Doce, no distrito de Regência, em Linhares/ES. Para tentar salvar a vegetação, a mineradora instalou boias de contenção nas margens do rio. Para evitar a morte de tartarugas, o Projeto Tamar removeu vários ninhos na praia de Comboios.
Foto: Reuters/R.Moraes
Críticas da ONU
A ONU afirmou que as "medidas do governo, Vale e BHP Biliton foram claramente insuficientes". Para a organização, houve demora para as informações sobre riscos tóxicos da catástrofe viessem à tona. "A escala do dano ambiental é o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de resíduos de lama tóxica contaminando o solo, rios e o sistema de água em uma área de mais de 850 km", disse.
Foto: Reuters/R. Moraes
Brasil pede R$ 20 bi à Samarco
Em 27 de novebro, o governo federal anunciou uma ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras. Foi pedido que a Justiça determine a criação de um fundo de R$ 20 bilhões para reparar os danos causados após o rompimento de barragem. O dinheiro, não gerido pelo governo, seria para conter e minimizar os danos, além de revitalizar a bacia do Rio Doce e indenizar as vítimas.
Foto: Reuters/R. Moraes
BHP ajudará na recuperação
A mineradora BHP Biliton reafirmou em 30 de novembro que fará o que puder para ajudar a reconstruir as comunidades afetadas e recuperar o meio ambiente na área atingida pelo rompimento da barragem em Mariana.