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Marielle é lembrada em marcha das mulheres em Berlim

8 de março de 2019

Tradicional passeata do Dia Internacional da Mulher na capital alemã começa com discurso em solidariedade a brasileiras. Cerca de 10 mil pessoas aproveitam novo feriado para protestar pelos direitos das mulheres.

Passeata foi organizada por partidos políticos e entidades da sociedade civil
Passeata foi organizada por partidos políticos e entidades da sociedade civilFoto: Getty Images/C. Koall

Milhares de mulheres e homens, de todas as idades, aproveitaram o novo feriado em Berlim para participar da tradicional passeata do Dia Internacional da Mulher. Neste ano, para a minha surpresa, o protesto prestou especialmente solidariedade às brasileiras e homenageou a vereadora carioca Marielle Franco, cujo assassinato completa um ano na próxima semana e permanece sem respostas.

A marcha foi aberta com um discurso sobre a situação das mulheres no Brasil. A ativista destacou dados sobre a violência misógina, lembrando que a cada cerca de nove minutos uma mulher é estuprada no país e as mais de 4,2 mil brasileiras mortas no ano passado.

A jovem disse que a situação das mulheres no Brasil é preocupante, principalmente diante a eleição de um presidente que em diversos momentos deixou transparecer seu sexismo, machismo e homofobia. Ela recordou ainda o movimento #elenão e criticou o banco alemão Deutsche Bank, que chegou a se mostrar favorável a Jair Bolsonaro. No fim do discurso, a ativista lembrou a morte de Marielle Franco e encerrou com um grito de "Marielle, Presente!", arrancando aplausos dos manifestantes.

Neste ano, a marcha anual Dia de Luta das Mulheres, organizada por partidos políticos e entidade da sociedade civil, ganhou mais espaço e mais apoiadores. Com o feriado, a passeata, que começava geralmente no fim da tarde e tinha como ponto de partida a Hermmanplatz, foi transferida para o início da tarde, partindo da Alexanderplatz. Cerca de 10 mil pessoas participaram do protesto, segundo os organizadores.

Apesar de muitos avanços em relação aos direitos das mulheres na Alemanha, ainda há desigualdades a serem combatidas. Mulheres continuam ganhando menos que homens e ocupam menos postos de chefia. Além disso, as que optam por terem filhos enfrentam muitas dificuldades para manter sua carreira. A elas cabe o maior peso do trabalho doméstico. Mães solteiras são o rosto da pobreza alemã.

Mesmo com essas dificuldades, ainda é muito mais fácil ser mulher em Berlim do que no Brasil. Não precisamos ter medo de andar pelas ruas em qualquer horário do dia e da noite; não somos julgadas por comportamentos ou pelas roupas que estamos vestindo; não somos confrontadas com comentários sexistas em espaços públicos e aqueles assédios classificados popularmente no Brasil como cantada são condenados com olhares ou palavras. Também não temos nossos corpos violados com "mãos bobas" em festas ou baladas. E o principal: grande parte dos homens sabe o significado das palavras "respeito" e "não".

Alexanderplatz foi o ponto de partida da marchaFoto: Reuters/H. Hanschke

Infelizmente, o Brasil parece continuar muito longe de evoluir neste quesito, principalmente diante do recente avanço do conservadorismo. Esse preocupante movimento não passa despercebido aos olhos do mundo, como mostrou o discurso inicial da marcha de mulheres em Berlim.

A sociedade brasileira ainda é dominada pelo machismo, que se revela em pequenas atitudes cotidianas. Cresci ouvindo, e ouço até hoje "isso não pega bem para uma mulher". Homens, ao contrário, podem tudo; já mulheres são constantemente julgadas pelo que vestem e por como se comportam.

Mulheres ainda ganham menos do que homens e são obrigadas a ouvir argumentos que tentam justificar essa diferença salarial devido ao fato de poderem ser mães, como se os cuidados com filhos fossem uma responsabilidade exclusiva nossa. Mulheres ainda estão sub-representadas em cargos de chefia e na política, com homens alegando que não temos interesse ou capacidade para atuar nestes níveis.

Temos ainda a situação do aborto, que, apesar de ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma questão de saúde pública, é negado às mulheres mais carentes, pois as com mais condições têm acesso ao procedimento mesmo sendo ilegal. A morte durante um aborto inseguro ou a manutenção de uma gravidez indesejada é a punição para aquelas que não seguiram as regras impostas pela sociedade patriarcal.

Isso sem falar na misoginia. Diariamente centenas de mulheres sofrem violência apenas por serem mulheres, atacadas por se recusarem a se calar ou aceitar uma imposição masculina. A eleição de um presidente que em diversos momentos denigriu mulheres e mostrou o desprezo que sente por elas escancara o grau do machismo presente na sociedade brasileira.

Claro que há diferenças biológicas entre homens e mulheres, mas as limitações impostas a nós mulheres são ditadas por padrões sociais enraizados no modelo patriarcal, que infelizmente, depois de décadas de luta feminina, ainda rege sociedades no mundo todo.

Neste Dia Internacional da Mulher, precisa ficar claro que nós, mulheres feministas, não queremos acabar com os homens e a masculinidade. Queremos apenas nos libertar de papéis sociais tóxicos que aprisionam tanto mulheres quanto homens. Queremos ter voz para decidir questões que dizem respeito somente a nós e buscamos principalmente uma sociedade igualitária, onde todos tenham os mesmos direitos e a mesma liberdade.

Clarissa Neher trabalha como jornalista para a DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.

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