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"Martelo das Bruxas" orientou séculos de perseguição às mulheres

28 de fevereiro de 2012

Monge alemão Heinrich Kramer possuía o que se define hoje como uma estrutura psicológica neurótica. Ele concentrou a misoginia de sua época num tratado para caça às bruxas. DW conversa com a historiadora Irene Franken.

Queima de feiticeiras em xilogravura de 1580Foto: picture-alliance / akg-images

Katharina Henot foi a primeira. Depois que, em 1627, a influente comerciante foi condenada e executada por "magia maléfica", iniciou-se uma avalancha de processos por bruxaria na cidade alemã de Colônia: nos três anos seguintes, pelos menos 24 mulheres foram acusadas e mortas.

Cento e quarenta anos antes, um monge dominicano estabelecera os fundamentos para identificação e perseguição às feiticeiras, naquilo que hoje se chamaria um best-seller: o Martelo das BruxasMalleus maleficarum ou Der Hexenhammer. O tratado compilava o saber e os medos da época, fornecendo os argumentos necessários àqueles que acreditavam na caça às bruxas.

Hoje, o Conselho Municipal de Colônia se ocupa da reabilitação oficial de Katharina Henot. A Deutsche Welle conversou com a historiadora Irene Franken, natural da cidade renana, sobre um dos livros mais infames jamais publicados.

Deutsche Welle: Em 1486, o monge dominicano Heinrich Kramer redigiu o Martelo das Bruxas. O que ele contém exatamente?

Irene Franken: Do ponto do vista do conteúdo, o Hexenhammer se compunha por três partes. Primeiro explicava-se como identificar bruxas – ou melhor "magas", pois a palavra "bruxa" [Hexe, em alemão] ainda não era reconhecida e difundida de forma ampla. Na segunda parte do livro, Kramer enumerava, através de histórias exemplares, o que essas supostas magas eram capazes de fazer para prejudicar as pessoas. E, na terceira parte, explicava como deviam transcorrer os processos contra essas mulheres malvadas.

Katharina Henot (dir.) representada na torre da prefeitura de ColôniaFoto: picture-alliance/dpa

Que processos eram esses?

Os processos da época mudaram de perfil, através desse livro. Até então, quem denunciava alguém corria, ele mesmo, perigo de ir preso, até o processo ter-se concluído. Com seu Martelo das Bruxas, Heinrich Kramer cuidou para que se pudesse denunciar sem ser inculpado ou punido, caso as acusações fossem falsas.

Via de regra, todo o esclarecimento do caso era entregue a juízes eruditos – ou por vezes laicos – que então se encarregavam da busca por indícios. Não era permitido nenhum tipo de assistência legal – como sabemos por um caso em Colônia, onde uma comerciante tentou apelar para seu advogado. E as acusadas – pois eram geralmente mulheres – se viam diante de um esquadrão masculino que não hesitava a mandar despi-las, na procura por supostas marcas de bruxa, as quais então serviam como indício para sua "natureza mágica".

O que se sabe sobre o monge Heinrich Kramer?

Ele fora designado pelo Papa como inquisidor no sul da Alemanha. De fontes isoladas, sabemos que nem sempre foi bem sucedido em suas incursões a diversas cidades, onde afixava uma nota ou cartaz à porta das igrejas, exigindo a denúncia de todas as "magas". Em certos casos, ele chegou a ser expulso sob pancadas. Parece ter sido uma espécie de ato de vingança, ele iniciar essa campanha contra as mulheres, através do Martelo das Bruxas.

Execução em Dernburg, 1555Foto: picture-alliance/dpa

É certo que esse livro não é o primeiro a focalizar tão fortemente nas mulheres a temática da bruxaria, mas é o que faz isso da forma mais explícita e veemente. O livro é também entremeado de máximas sexuais. Pode-se partir do princípio que Kramer temia as mulheres.

Na qualidade de monge, ele não conhecia quase nenhuma, pois entrara para o mosteiro ainda criança. No Martelo há repetidas alusões a fazer desaparecer os membros dos homens com um passe de mágica, a torná-los impotentes e coisas semelhantes. Pode-se, portanto, deduzir que Heinrich Kramer possuía uma estrutura fundamental neurótica.

A que público se dirigia o Martelo das Bruxas?

Ele é redigido em latim e, em princípio, se dirigia a especialistas, sobretudo teólogos. Mas, aí, ele chegou também a muitos juristas e conselheiros municipais, que o utilizaram para se informar sobre a matéria. Não é que antes não existissem livros sobre o tema, mas Heinrich Kramer simplesmente compilou suas teses a partir de inúmeros autores, de mais de 100 fontes, as quais ele, em parte, menciona: são outros teólogos, mas também a Bíblia e livros de direito da época.

Como o tratado foi divulgado?

O Martelo das Bruxas se beneficiou da invenção da imprensa, e do fato de ser possível divulgar textos em tiragem bem alta. Certa vez tive um original na mão: é um livro mínimo. Ao todo foram publicadas 29 edições. Ele não atingiu apenas a Alemanha, mas foi empregado em toda a Europa. Contudo muitos países também se distanciaram do livro, o rejeitaram. Como a Itália e a Espanha, por exemplo – justamente aqueles que associamos com a Inquisição.

Até que ponto o Martelo instigou a caça às bruxas?

Não tanto quanto pensam algumas pessoas, hoje. O Martelo das Bruxas não desencadeou imediatamente uma gigantesca avalancha de perseguição: mais correto seria dizer que ele foi a reação a uma onda de perseguição no século 15. Mas a maior onda de caça às bruxas na Europa só começou no século 17, quando o livro já contava mais de um século. Ele ainda era relevante, mas também havia alternativas, na época.

Exemplar do 'Hexenhammer' em exposição sobre as últimas bruxas do Baixo RenoFoto: DW

Não se pode dizer que a obsessão com as feiticeiras tenha sido atiçada com força extraordinária apenas pelo Hexenhammer. Porém ele forneceu uma base de argumentação e, sobretudo, também uma certa segurança jurídica. De posse desse livro, qualquer alcaide ou conselheiro podia se informar sobre a forma de instituir um processo por bruxaria, e assim se sentia assegurado. Via de regra, eram homens eruditos que liam esse livro. Clérigos o empregavam em seus sermões e havia traduções para leigos, através das quais as ideias básicas do Martelo eram mais amplamente difundidas.

Por que as teses do tratado encontraram solo tão fértil na época?

Eram tempos inseguros. Diversas coordenadas que vigoravam na Europa, até então, haviam perdido a validade. Regiões inteiras estavam realmente na miséria; ocorrera uma pequena Idade do Gelo no século 15; seguiu-se a Reforma de Martinho Lutero, acarretando incertezas religiosas; em parte reinava o medo. Nesse contexto, o Martelo das Bruxas oferecia orientação e segurança. Através dele, parecia possível identificar quem não levava a fé cristã a sério – pois a magia também era interpretada como renegação da fé cristã.

Mas foi justamente o Martelo que permitiu que se denunciasse qualquer pessoa, a qualquer momento. Isso não tornou a situação ainda mais tensa e insegura?

O livro contribuiu, acima de tudo, para que se aprofundasse a concepção sobre as mulheres, já existente. Não era um pensar novo. Antes disso, as mulheres já eram apresentadas como o elemento ruim e fraco da sociedade. Mas o Martelo das Bruxas reforçou essa visão. Ele cuidou para que gente que, de alguma forma, era diferente da maioria, fosse mais rapidamente perseguida. A sociedade hegemônica assegurou seus próprios valores ao eliminar os marginais, como diríamos hoje.

Bruxas são figuras tradicionais no carnaval do sul da AlemanhaFoto: picture-alliance / Eibner-Pressefoto

Não havia realmente qualquer possibilidade de escapar a uma persecução?

Era muito difícil. Uma vez que a acusação de bruxaria era lançada, só restava ao implicado torcer para que o juiz encarregado possuísse uma boa formação. Quanto mais erudito e culto o juiz, mais brandas eram as sentenças pronunciadas. Pode-se constatar isso na comparação entre as grandes cidades e os povoados, nos quais a decisão cabia a juízes laicos: em geral, estes impunham sentenças bem mais rigorosas.

Quando uma mulher ia às barras do tribunal, ainda era possível os conselheiros, encarregados de decidir sobre a realização do processo, sustarem a ação. Nesses casos, eles eventualmente expulsavam a acusada da cidade, ou decretavam prisão domiciliar, ou a liberavam inteiramente. Uma mulher acusada de feitiçaria, na época, não era automaticamente condenada à morte. Mas, a rigor, havia bem pouco que ela mesma pudesse fazer.

Entrevista: Laura Döing (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer

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