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Criminalidade

Massacre em Suzano acirra debate sobre armas

14 de março de 2019

Após ataque a tiros, discussão sobre flexibilização do porte de armas e redução da maioridade penal, defendidas por Bolsonaro, ganha novo impulso. Especialistas apontam falsa correlação entre mais armas e mais segurança.

Mulher segura arma
Facilitar o acesso a armas de fogo foi uma das bandeiras da campanha eleitoral de Bolsonaro Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Sladky

O ataque a tiros numa escola de Suzano, na Grande São Paulo, que resultou na morte de oito pessoas nesta quarta-feira (13/03), deu um novo impulso a discussão sobre uma maior flexibilização da posse e do porte de armas no Brasil.

"Se tivesse um cidadão com arma regular dentro da escola, professor, servente, um policial militar aposentado, ele poderia ter minimizado o tamanho da tragédia", comentou o senador Major Olímpio, do PSL. "Vamos, sem hipocrisia, chorar os mortos e discutir a legislação, e onde estamos sendo omissos."

A flexibilização da posse e do porte de armas foi uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro durante sua campanha eleitoral. Assim, os "cidadãos de bem" poderiam se proteger de "cidadãos do mal".

Em  janeiro, o presidente – cuja marca registrada são dedos esticados em forma de revólver – assinou um decreto para facilitar a posse de armas no país. Futuramente, o porte de arma de fogo – ou seja, o direito de andar com a arma na rua ou no carro – também poderá ser facilitado por lei.

"Armas não servem só para matar, servem para defender", disse o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, após o massacre. "Exibindo uma arma de fogo, você evita um roubo ou algo pior, até uma morte, só que isso não é registrado em lugar nenhum", continuou.

Assim como o pai e os irmãos, Eduardo também é um entusiasta declarado de armas de fogo e fã das leis de armamento dos Estados Unidos. "Onde é mais seguro, Brasil ou EUA?", questionou o deputado pelo Twitter, em 2017.

"A teoria do 'good guy with a gun' ('homem de bem armado', em tradução livre), que é bastante presente na narrativa da National Rifle Association (NRA, ou Associação Nacional de Rifles) nos Estados Unidos, não é sustentada por nenhum dado que mostre que um maior número de pessoas com armas pode evitar mortes em massacres como o que ocorreu em Suzano", afirma Michele Gonçalves dos Ramos, assessora especial da ONG Instituto Igarapé, especializada em segurança pública.

Segundo Ramos, pesquisas do FBI mostraram que, em 160 ataques cometidos por atiradores nos EUA entre 2001 e 2013, apenas cinco ações puderam ser coibidas por "cidadãos de bem" armados. "Em 21 casos, porém, cidadãos desarmados foram os responsáveis por dissuadir o atirador", contrapõe.

Em geral, mais armas não significam mais segurança, aponta Ramos, que possui mestrado em segurança internacional e já trabalhou como assistente de pesquisa em projetos sobre educação e prevenção de violência na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

"É fundamental reforçar que todas as evidências científicas mostram que mais armas em circulação aumentam o número de mortes violentas por homicídios, feminicídios e suicídios", sublinha.

Em vez de flexibilizar a posse e o porte disso, Ramos pede maior combate ao comércio ilegal de armas – o que incluiria melhorias no registro das armas que já estão em circulação, assim como a integração dos bancos de dados que já existem com informações sobre armas e seus donos.

Redução da maioridade penal

Para a socióloga Julita Tannuri Lemgruber, o massacre em Suzano também deverá influenciar o debate sobre a redução da maioridade penal. Segundo ela, uma iniciativa nesse sentido vem avançando no Congresso. "Esse episódio pode apressar a votação dessa proposta", considera.

O senador Flávio Bolsonaro, também filho do presidente, defendeu a redução da maioridade penal após o ataque a tiros. "Mais uma tragédia protagonizada por menor de idade e que atesta o fracasso do malfadado Estatuto do Desarmamento, ainda em vigor", tuitou o senador, no dia dos disparos.

Na campanha à Presidência, Bolsonaro também defendeu a redução. Sua última proposta é de reduzir gradativamente a maioridade penal vigente, primeiro de 18 para 17 anos e depois para 16.

Autor de um projeto de lei que prevê a possibilidade de prisão de qualquer pessoa a partir dos 12 anos de idade após avaliação psicológica, o senador Major Olímpio pediu medidas urgentes após o ocorrido em Suzano.

"Precisamos urgentemente rever a nossa política de segurança pública, bandido não tem idade, e essa tragédia apenas reafirma que precisamos reduzir a maioridade penal já", afirmou.

Lemgruber critica a obsessão por armas que parece dominar no Brasil. "Esse caso [de Suzano] é emblemático. Eram meninos que frequentavam sites de adoradores de armas. Isso tudo está sendo inflado pela postura do Bolsonaro", avalia.

A socióloga chama atenção para o fato de que a NRA fez doações para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump nos Estados Unidos. "Aqui no Brasil, Bolsonaro é apoiado pela Taurus", diz, citando a fabricante de armas brasileira. 

Para Ramos, também é preciso haver uma mudança de foco no debate no Brasil. "Em um país que já enfrenta enormes desafios de violência e insegurança, precisamos também discutir o discurso de ódio, intolerância e a construção de referenciais de masculinidade associados à força", diz a pesquisadora. "Um país seguro para todas e todos não será construído com base na lógica de uns contra os outros."

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