Oposicionista de centro-direita vence segundo turno e encerra 12 anos de kirchenerismo na Casa Rosada. Engenheiro é primeiro candidato civil sem ser peronista ou socialdemocrata a ser eleito em 100 anos na Argentina.
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Mauricio Macri é o novo presidente da Argentina. O oposicionista e líder da coligação "Cambiemos" (Mudemos) venceu, neste domingo (22/11), o segundo turno da eleição presidencial. Com 73% das seções eleitorais apuradas, o candidato da centro-direita vencia com 53,1% dos votos contra 46,9% do candidato governista Daniel Scioli, quando Scioli admitiu a derrota com um telefonema para Macri. Ele assume a presidência em 10 de dezembro.
Com o resultado, o engenheiro de 56 anos, que já presidiu o tradicional clube de futebol Boca Juniors e é o atual chefe de governo da cidade de Buenos Aires, colocou um fim na era de 12 anos do kirchenerismo na presidência argentina. Néstor Kirchner, morto em 2010, governou entre 2003 e 2007 e foi sucedido por sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner, atual chefe de governo do país.
Quando ainda faltava a contagem de quase 30% dos votos, o esquerdista Scioli admitiu a derrota. "Pela vontade popular, um novo presidente foi eleito: Mauricio Macri, a quem acabei de parabenizar por telefone," disse Scioli a seus apoiadores. Ambos os candidatos são amigos de longa data, apesar de defenderem modelos de país diferentes em diversos temas importantes para a sociedade argentina.
"A Argentina que sonhamos, com pobreza zero"
Perante aproximadamente 7 mil pessoas na central da coligação, o recém-eleito presidente da Argentina não conteve a emoção. "Não sei como descrever o que estou sentindo. Hoje é um dia histórico, é uma mudança de era", disse, com lágrimas nos olhos. "Vamos realizar uma mudança que é para o futuro, para uma nova época. Essa mudança vai pedir toda a nossa energia, para construir a Argentina que sonhamos, com pobreza zero."
Macri também pediu que "aqueles que não votaram em mim" se juntem ao esforço e que o povo argentino não o abandone. Sua vice, Gabriela Michetti, reforçou que o novo governo será também para "aqueles que estão preocupados com o resultado dessa noite".
Segundo as autoridades argentinas, 78% do eleitorado argentino – que soma cerca de 32 milhões de pessoas – compareceu às urnas num dia de votação que transcorreu normalmente em todo o país. O número, no entanto, é menor do que o do primeiro turno, quando houve participação de 82%.
Com a vitória, Macri se tornou também o primeiro presidente do país sendo um candidato civil que não pertence nem ao partido peronista nem ao radical socialdemocrata – as duas grandes forças populares na Argentina – a ser eleito em 100 anos de vida política na Argentina. O voto foi instituído no país em 1916.
Apesar de perder no primeiro turno – Scioli obteve 37% dos votos contra 34% para Macri – pesquisas de opinião popular apontavam uma reviravolta no primeiro segundo turno da história da Argentina. O sistema foi implementado em 1994.
Com sua proposta de renovação da política e combate à corrupção, Macri ganhou amplo apoio de eleitores mesmo sem possuir uma estrutura partidária. Há alguns anos, poucos argentinos apostavam que "O Engenheiro", como Macri é conhecido nos círculos políticos e de negócios, um homem sem tradição militante e que embarcou na carreira política já em idade avançada, chegaria à presidência da Argentina logo em sua primeira tentativa.
Além disso, ele quebrou a tradição de advogados na Casa Rosada e é o primeiro empresário que recebe o bastão presidencial desde o retorno da democracia na Argentina, em 1983. Para chegar à presidência, Macri criou um perfil de cidadão comum, com uma aparência casual e uma campanha ousada com base no contato pessoal e voltada às redes sociais – mais eficaz do que as concentrações em massa dos peronistas.
Nascido em Tandil, na província de Buenos Aires, Macri começou sua carreira nas empresas do império fundado por seu pai, o italiano Franco Macri. Aos 32 anos, ele foi sequestrado por duas semanas por um grupo de ex-policiais, uma experiência que mudou sua vida. "Se eu não tivesse sido sequestrado, talvez a minha vida pública não teria existido", reconheceu.
Do Boca Juniors à Casa Rosada
Dos negócios familiares, Macri se aventurou no esporte como presidente do tradicional clube de futebol Boca Juniors. A administração bem sucedida, com um recorde de 17 títulos internacionais, abriu portas para a fama e a política.
Rosto habitual nos trabloides no fim dos anos 90, Macri criou um movimento que posteriormente se converteria na Proposta Republicana (PRO), o partido que lhe permitiu se tornar deputado federal e conquistar a prefeitura de Buenos Aires em 2007.
Na atual campanha, Macri liderou a coligação "Cambiemos" (Mudemos) e se apresentou como a "verdadeira mudança". Discutindo questões formais, ele prometeu dialogar e propôs união, mas evitou definições políticas. O conservador defende a abertura de investimentos estrangeiros, a diminuição da inflação para um dígito em dois anos e o levantamento dos limites das exportações do setor agropecuário – questões que fizeram com que fosse identificado como um "candidato do mercado" por seu adversário Scioli.
Macri também afirmou que vai criar uma agência nacional contra o crime organizado e desenvolver um sistema de estatísticas criminais. Acusado de formação de quadrilha em um caso de espionagem ilegal, Macri tentou fazer com que a justiça argentina suspendesse o processo durante a campanha, mas não conseguiu.
PV/efe/dpa/rtr/afp/ap/ots
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
Foto: picture-alliance/dpa/C. de Luca
Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.