Meca entra na luta de poder entre Irã e Arábia Saudita
Shabnam von Hein (av)8 de setembro de 2016
Neste ano Riad proibiu a presença de iranianos no hajj, peregrinação à cidade santa de Meca. Governos saudita e iraniano evocam tragédia de 2015, enquanto antigas tensões entre sunitas e xiitas vão se agravando.
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Quando se trata de questões religiosas, são poucas as esperanças de um entendimento entre as duas potências rivais do Oriente Médio. No momento, os dirigentes xiitas do Irã e a casa real sunita da Arábia Saudita disputam abertamente sobre quem tem o direito de se chamar muçulmano.
Depois que a Arábia Saudita excluiu os peregrinos iranianos do hajj, a peregrinação à cidade sagrada de Meca, em 2016, o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, tachou de infiéis os membros da família real saudita: "Os muçulmanos de todo o mundo devem reconhecer a blasfêmia dos sauditas", proclamou no início desta semana, em sua mensagem anual antes da importante jornada islâmica. E incitou os fiéis a colocarem em questão a administração saudita do hajj, evocando a morte de milhares de peregrinos em 2015.
Em reação, o grão-mufti da Arábia Saudita, Abdulaziz al-Sheikh, acusou os iranianos de não serem muçulmanos. Para tal, evocou aquilo que as crianças do país aprendem na escola: que os xiitas difamam o Islã. O ministro do Exterior do Irã, Mohammad Javad Zarif, respondeu via Twitter: "Na verdade, não há qualquer semelhança entre o islã dos iranianos e da maioria dos muçulmanos e o extremismo racista propagado pelos muftis wahabitas e os defensores do terrorismo."
Esse tweet desencadeou uma briga acirrada entre usuários dos dois países, com feroz troca de xingamentos. Quem mais sofre com a situação são os numerosos iranianos devotos, agora impossibilitados de ir a Meca para dar as sete voltas à kaaba, a sagrada construção cuboide no centro da mesquita da cidade santa.
Tragédia de Mina
Entre as obrigações de todo muçulmano ou muçulmana, consta peregrinar uma vez na vida até Meca. Pré-condição para tal é dispor de meios suficientes para passar um ano sem trabalhar. Muitos fiéis só conseguem preencher esse quesito em idade avançada.
Jafar Hosseini dirige em Teerã uma agência especializada em viagens de peregrinação. Ele está se vendo forçado a retirar de sua programação o trajeto mais importante de todos, "por quanto tempo, só Alá sabe".
"Os sauditas não nos dão permissão de entrar no país. E agora também o nosso governo nos proibiu de viajar para a Arábia Saudita. Até mesmo os iranianos que vivem no exterior foram advertidos a não ir para lá." Embora não querendo falar de política, o xiita devoto, de pouco menos de 70 anos, ressalta a reação saudita à tragédia do último ano, que ele diz não conseguir compreender, até hoje.
Num tumulto durante o ritual de "apedrejamento do Diabo" em 24 de setembro de 2015, em Mina, um subúrbio de Meca, estima-se que tenham sido sufocados ou pisoteados até a morte entre 2.236 e 2.431 peregrinos, entre os quais 464 iranianos. Até hoje Riad se recusa a fornecer o número exato das vítimas, atendo-se oficialmente aos 769 e 934 feridos computados no segundo dia após a catástrofe.
Tampouco está esclarecido o que realmente ocorreu no Vale de Mina, com três quilômetros de extensão e apenas 700 metros de largura. Naquele dia, quase 3 milhões de peregrinos deveriam atravessá-lo entre a aurora e o crepúsculo. Segundo as autoridades sauditas, houve um congestionamento num cruzamento de ruas, desencadeando pânico em massa.
A mídia saudita chegou a acusar peregrinos iranianos de terem provocado o caos. Teerã, por sua vez, afirmou que as autoridades locais simplesmente bloquearam uma rua de Mina e só adotaram medidas de segurança incipientes. O Irã foi a única nação do mundo islâmico a protestar contra o comportamento da Arábia Saudita e exigir elucidação.
Execução fatídica
Se a tragédia de Mina comprometeu ainda mais as já tensas relações entre Teerã e Riad, o acordo nuclear iraniano-americano aguçou seriamente a desconfiança dos sauditas. "Esse acordo permite ao Irã assumir um papel bem mais significativo na região", confirmou à DW Mohsen Milani, do Centro de Estudos Estratégicos e Diplomáticos da Universidade da Flórida do Sul.
"Os sauditas veem aí um recomeço na relação Irã-Estados Unidos. Por esse motivo, procuram impedir a normalização das relações entre Teerã e os países árabes, mantendo intencionalmente elevadas as tensões iraniano-sauditas."
Um ápice nessas tensões foi a execução, na Arábia Saudita, do clérigo xiita Nimr Baqir al-Nimr, em dezembro de 2015. Originário do leste do país, ele concluíra seus estudos teológicos no Irã. Antes de ser morto aos 56 anos, sob a acusação, entre outras, de criticar autoridades sauditas e de liderar protestos, ele já fora preso diversas vezes devido aos sermões em que reivindicava mais direitos para a minoria xiita.
A reação do Irã à morte de Nimr foi violenta. Depois de o aiatolá Khamenei advertir o reino saudita da "vingança de Alá", no início de janeiro deste ano manifestantes ultraconservadores invadiram a embaixada saudita em Teerã, incendiando partes do prédio.
Em consequência, as relações binacionais ficaram congeladas. Ao mesmo tempo, o episódio demonstrou a impotência do governo reformista do presidente Hassan Rohani, incapaz sequer de garantir a segurança das instalações diplomáticas no Irã.
Guerra fria pelo poder
Depois de a casa real em Riad suspender as relações diplomáticas com Teerã, outros países seguiram o exemplo, sob pressão saudita. Até mesmo o minúsculo Djibuti fechou sua embaixada em Teerã.
"A Arábia Saudita não acredita em Rohani e seu governo voltado para reformas", constata o iraniano Amir Taheri, jornalista e especialista em Oriente Médio. "Sabe-se que quem tem a última palavra no Irã é o líder religioso aiatolá Khamenei. Os meios conservadores, assim como alguns pregadores religiosos e também a influente Guarda Revolucionária, provocam sistematicamente e não estão interessados em distensão."
As relações entre Teerã e Riad são tensas desde a Revolução Islâmica iraniana, em 1979. O Irã se vê como potência protetora dos xiitas, a Arábia Saudita, dos sunitas. Ambos competem por influência em diversos Estados árabes.
Na Síria, o Irã está do lado do presidente Bashar al Assad, enquanto a casa real saudita apoia a oposição armada. No Iêmen, o reino trava guerra contra os rebeldes houthis, que considera marionetes de Teerã. Cada crise entre Irã e Arábia Saudita acarreta consequências para todo o Oriente Médio.
"Eles têm que dar fim à guerra fria deles", apela o politólogo iraniano-americano Mohsen Milani. "Acima de tudo, têm que encontrar uma solução para o conflito na Síria. Se ele se agravar, vai também piorar a situação no Iraque, e a segurança em toda a região será afetada."
2014: um ano turbulento no Oriente Médio
A região dominou o noticiário em 2014 com a guerra civil na Síria, milícia do "Estado Islâmico" e bombardeios na Faixa de Gaza.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Mohammed Zaatari
EI avança no Oriente Médio
Desde 2013, o grupo terrorista "Estado Islâmico" (EI) controla a cidade síria de Raqqa. Em janeiro, os jihadistas conseguem ocupar também a cidade Fallujah, no Iraque. Pela primeira vez, eles se infiltram na província de Anbar, localizada no oeste do país. A partir de lá, o objetivo é conquistar a capital Bagdá.
Foto: Reuters
A eterna disputa nuclear
Após a suspensão do enriquecimento de urânio pelo Irã, os Estados Unidos e a União Europeia atenuaram as sanções econômicas contra o país. Apesar da reaproximação, a disputa não foi finalizada. Em novembro, as negociações foram postergadas para 2015.
Foto: Kazem Ghane/AFP/Getty Images
Julgamentos em massa no Egito
Depois que o governo egípcio incluiu a Irmandade Muçulmana na lista de organizações terroristas, todos os associados ao grupo ficaram na mira na Justiça. Em março, um tribunal em Al-Minja sentenciou 529 seguidores à pena de morte. Em outro julgamento, em abril, outros 683 foram condenados também à morte. Posteriormente, a maioria dos veredictos foi convertida em prisões perpétuas.
Foto: Ahmed Gamil/AFP/Getty Images
Troca de poder no Iraque
Em 30 de abril, iraquianos foram pela primeira vez às urnas para eleger novos parlamentares desde a saída das Forças Armadas dos EUA do país. Somente em agosto, Nuri al-Maliki (esq.) abdicou de seu terceiro mandato em favor de seu colega de partido Haidar al-Abadi. O avanço dos extremistas do EI no Iraque foi facilitado também pela insatisfação de muitos sunitas com o governo xiita de Al-Maliki.
Foto: Reuters/Hadi Mizban
Guerra na Síria sem fim à vista
Após quase dois anos de negociações infrutíferas na Síria, o enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, renunciou em maio. Pouco tempo depois, o presidente Bashar al-Assad reafirmou, em uma demonstração de poder, a sua posição de líder sírio com 88,7% dos votos. No entanto, houve eleições apenas nas regiões onde as suas tropas estão no comando.
Foto: Reuters
Militares retomam governo egípcio
O ex-chefe do Exército, Abdel Fattah al-Sisi, venceu disparado em maio a eleição presidencial no Egito. O único concorrente, Hamdien Sabahi, alcançou apenas 3,1% dos votos. Al-Sisi foi empossado em 8 de junho. Muitos egípcios esperam que ele possa tirá-los da crise econômica e restaurar a segurança no país.
Foto: Reuters
União entre Fatah e Hamas
Pela primeira vez desde a ruptura entre palestinos em 2007, Fatah e Hamas formam novamente um governo de unidade. Em junho, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, empossou em Ramallah o novo gabinete chefiado pelo primeiro-ministro Rami Hamdallah. Premiê isralenese, Benjamin Netanyahu, reagiu ríspido: em vez de buscar um acordo de paz com Israel, Abbas prefere a parceria do Hamas.
Foto: DW/K. Shuttleworth
EI proclama califado
Em junho, a milícia terrorista do "Estado Islâmico" conseguiu tomar a cidade iraquiana de Mossul. Além disso, ex-oficiais da elite militar dos tempos de Saddam Hussein foram recrutados pelo EI. Na Síria e no Iraque, a organização proclamou um califado. Seu primeiro califa é Abu Bakr al-Baghdadi e todos os muçulmanos devem jurar lealdade a ele.
Foto: picture alliance/abaca
50 dias de guerra
A situação permanece tensa entre israelenses e palestinos. Em 08 de julho, Israel iniciou uma nova ofensiva. A missão era colocar fim no lançamento de foguetes a partir de Gaza. Na metade do mês, Israel enviou também tropas terrestres à Faixa de Gaza. A batalha durou 50 dias e aproximadamente 2.100 palestinos e 70 israelenses foram mortos. Cerca de 20 mil casas foram destruídas em Gaza.
Foto: Reuters
Yazidis em fuga
Em agosto, os terroristas do EI invadiram a cidade de Sinjar, no nordeste do Iraque. Eles mataram centenas de pessoas da minoria yazidi, sendo que dezenas de milhares fugiram às montanhas. Lá, em meados de agosto, os yazidis foram salvos por combatentes curdos peshmerga.
Foto: picture-alliance/abaca/Depo Photos
Ataques aéreos contra o EI
O presidente dos EUA, Barack Obama, autorizou os primeiros ataques aéreos contra os islamistas no Iraque, em agosto. No mês seguinte, os bombardeios foram estendidos para o território sírio. Cinco estados árabes participam dos ataques: Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Jordânia. Para os Emirados Árabes Unidos, uma piloto é responsável por alvejar os extremistas.
Foto: picture-alliance/abaca
EI divulga vídeos com imagens de decapitações
O EI chamou a atenção do mundo ao divulgar vídeos com execuções de jornalistas ocidentais, colaboradores de serviços humanitários e combatentes da oposição. Em 09 de agosto, postou o primeiro vídeo na internet mostrando o repórter James Foley (foto) sendo decapitado. Depois desse, outros vídeos com decapitações foram divulgados.
Foto: picture-alliance/dpa
Líbia afunda no caos
Em meio às sangrentas lutas entre milícias rivais, um novo parlamento eleito tomou posse na cidade líbia de Tobruk, em agosto. O governo foi transferido devido à insegurança em Trípoli e Bengasi. Desde então, dois parlamentos disputam o poder pela soberania política.
Foto: picture-alliance/AP Photo
EI tenta tomar Kobane
Em setembro, o EI tentou tomar a cidade de Kobane, localizada no norte da Síria, perto da fronteira com a Turquia. Em outubro, os combatentes peshmerga, do norte do Iraque, foram ajudar os curdos de Kobane. Eles foram equipados com armamentos do Ocidente, inclusive da Alemanha.
Foto: picture-alliance/AP/Vadim Ghirda
Tunísia: democracia no mundo árabe
Nas eleições parlamentares na Tunísia, as forças seculares prevaleceram contra os islâmicos. A aliança laica Nidda Tounès ("Chamado para a Tunísia"), liderada por Beji Caid Essebsi, conquistou 85 dos 217 assentos. O partido islamista Ennahda ficou com 69 assentos. Poucas semanas depois, o próprio Essebsi foi eleito presidente do país, com 55,6% dos votos.
Foto: Reuters/Zoubeir Souissi
Inocente?
Mais de três anos após a queda de Hosni Mubarak, um tribunal penal de Cairo retirou a acusação contra o ex-presidente do Egito pela morte de mais de 800 manifestantes. Muitos egípcios reagiram indignados e foram às ruas. Mubarak permanece preso, pois, em maio, ele foi condenado a três anos de prisão por corrupção.
Foto: AFP/Getty Images/M. El Shahed
Luta pela sobrevivência
Fugindo da morte e da destruição, muitos refugiados sírios já vivenciaram muitos problemas. E, agora, o inverno é outro grande obstáculo. Com isso, a situação para os cerca de 3 milhões de refugiados da Síria, que fugiram para países vizinhos, se agrava dramaticamente.