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Entrevista

29 de outubro de 2011

Sem memória não saberíamos quem somos nem para onde vamos, afirma Daniel Libeskind em entrevista à Deutsche Welle, por ocasião dos 10 anos do Museu Judaico de Berlim e da reabertura do Museu Histórico Militar em Dresden.

Foto: AP

Deutsche Welle: Você construiu o anexo do Museu Histórico Militar de Dresden. Sua família foi vítima dos nazistas. Como essas duas coisas podem ser compatíveis?

Daniel Libeskind: Bom, acho que a história do Museu Histórico Militar em Dresden é uma história de mudança, de mudança da Alemanha. Esse depósito de armas, que foi reformado e onde foi inserida uma nova estrutura, relata realmente a história de transformação dessa artilharia, que foi também um museu saxão, um museu nazista, um museu soviético e um museu da Alemanha Oriental. E, é claro, numa democracia, os militares são muito importantes.

Um museu militar é importante em uma democracia, porque todo cidadão carrega a responsabilidade de entender o que está acontecendo. De forma que não se trata apenas de um museu de conflitos, de armamentos, de máquinas pesadas, mas sim de uma reflexão acerca da violência e da cidade de Dresden, que sofreu durante a Segunda Guerra Mundial. De maneira que se trata de um reencontro com a história militar. Do mesmo jeito que a nova forma do museu, semelhante a uma cunha, empurra o visitante - através da opacidade, da escuridão e da rigidez da artilharia - para o lado de fora, a Alemanha faz também a mesma coisa com seus antigos regimes, com os regimes autocráticos, totalitários, em direção à nova janela de liberdade e democracia de uma Alemanha unificada.

Como tentou manter uma coesão entre o prédio e o que há dentro do museu?

Desde o início trabalhei muito próximo dos designers da exposição. Mas há dois aspectos: eu restaurei o arsenal, que estava muito decadente e desgastado, desde os tempos em que servia como uma espécie de museu militar na Alemanha Oriental. Restaurei o depósito com carinho [...], mas também cortei um espaço completamente novo por dentro dele, que é um espaço novo, totalmente sem precedentes.

Museu Histórico Militar em DresdenFoto: picture-alliance/dpa

Não é só um espaço destinado a apresentar o de sempre. É um espaço que interrompe deliberadamente a cronologia que terminou na Segunda Guerra Mundial, apresentando questões a respeito da sociedade democrática, da República, da família, das crianças. O que esses conflitos significam? Como podemos conduzi-los rumo a um lugar melhor? Como podemos evitar guerras? E o que elas significam para sociedade, numa democracia?

Pelo que está explicando agora, trata-se mais de um museu antibélico do que de um museu militar?

Não acredito que seja um museu antibélico. É claro, quem é insano o suficiente para defender a guerra? Ninguém, mas a história militar continua. Vemos que a Alemanha, os EUA e outros países estão participando de conflitos em todo o mundo. Ou seja, temos que entender o que esses conflitos representam para uma democracia. Essas não são decisões tomadas por trás dos altos muros, como nos velhos tempos, por trás dos muros do arsenal: elas são realmente tomadas na frente do público.

E é de interesse e importância para o público participar das decisões de um governo aberto e livre. Não se trata realmente de um museu antibélico, é um museu que irá informar e educar o público, dando continuidade às possibilidades de prevenir o tipo de violência que, demasiadas vezes, vimos partir da Alemanha, no século 20.

A abertura do Museu Histórico Militar em Dresden coincide com as comemorações dos dez anos de existência do Museu Judaico de Berlim. Muita gente tem a sensação de que o prédio do museu berlinense, em si, é mais importante do que o que está lá dentro. Como se sente em relação a esse prédio, hoje? Ele funciona como esperava que funcionasse, na época?

Acho que museus têm que funcionar em função de suas exposições. Agora, quando estive trabalhando no Museu Judaico, ele passou, é claro, por muitas mudanças. O museu mudou sua programação e até seu nome diversas vezes no decorrer desse tempo, até se tornar o Museu Judaico de Berlim. Mas isso é muito diferente do que acontece com o Museu Histórico Militar em Dresden, porque ali trabalhei, desde o mais absoluto início, no desenvolvimento da ideia de conteúdo para o museu, de quais objetos deveriam ser exibidos, quais histórias contadas. São dois espaços totalmente diferentes. Eles oferecem programações muito diferentes e, é claro, são prédios muito distintos para o público.

Você constrói muitos museus sobre a lembrança, que geralmente é a própria temática dos museus. Mas como se traduz lembrança em arquitetura?

Bom, acho que sem memória não saberíamos para onde vamos, nem quem somos. Ou seja, a memória não é apenas um pequeno acessório para a arquitetura, mas sim a maneira fundamental de orientar a mente, as emoções, a alma. E, claro, é preciso conectar essa memória através da experiência visceral, e não apenas intelectual; ela precisa estar ligada à completa experiência emocional do ser humano. Isso é o que é a arquitetura, e pode ser feito através da luz, das proporções, da acústica, dos materiais, da linguagem da arquitetura.

Museu Judaico de BerlimFoto: Bitterbredt

Gosta de trabalhar na Alemanha?

Gosto muito de trabalhar na Alemanha, muito mesmo.

Por quê?

Acho a Alemanha um país progressista, com um espírito jovem e uma história difícil, que nunca vai desaparecer. Mas é também um país que encarou a dificuldade da história, que lida com ela, em vez de varrer tudo para debaixo do tapete – o que considero muito admirável. Não é todo o mundo que conseguiria enfrentar esses horrores e ainda ver que há esperança, que há uma nova geração, algo a aprender com isso tudo, algo que nunca deverá se repetir, para ampliar as possibilidades dos seres humanos.

Entrevista: Max Hofmann (sv)
Revisão: Augusto Valente

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