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Memória

25 de maio de 2010

Restam poucos sinais da divisão de Berlim pelo Muro. Na cidade reunificada, a consciência desta lacuna histórica só foi surgindo aos poucos. Hoje, os registros do passado estão voltando gradualmente à capital alemã.

Barras de ferro: lembrança de uma cidade divididaFoto: AP

A fim de explicar a história da cidade que permaneceu dividida durante 28 anos a seus jovens moradores e aos milhões de turistas vindos de todo o mundo, será criado um Memorial Central em Berlim, a ser inaugurado no ano de 2012. As instalações serão compostas de uma área de 1.300 metros, na qual a brutalidade e as desumanidades do Muro estarão documentadas.

O ponto de partida será um resto original do Muro, inclusive uma torre de vigilância. O ultracomplexo sistema de vigilância de fronteiras de então será reproduzido em vários de seus aspectos. A experiência de viver na cidade dividida deverá ser, desta forma, reconstruída através da descrição dos destinos marcados pelo Muro e de representações multimídia aliadas à autenticidade do local.

Sistema mortal de fronteira: 155 quilômetros

O Muro de Berlim tinha uma extensão muito maior do que 155 quilômetros e era muito mais alto do que os 3,6 metros daquela parede de concreto instransponível. O Muro de Berlim era um sistema de controle de fronteiras fatal, composto por arame farpado, alarmes, holofotes, cães de guarda, minas e torres de vigilância.

Instalações do Muro: concreto e arame farpadoFoto: DW

Tudo isso desapareceu rapidamente, assim que o Muro caiu, no dia 9 de novembro de 1989. A demolição foi tão minuciosa, que a sordidez e a brutalidade inconcebíveis da fronteira entre Berlim Oriental e Berlim Ocidental quase não ficaram documentadas para a posteridade.

Nada de Disneylândia

Os responsáveis pelo Memorial do Muro, contudo, não cogitaram nem de longe reconstruir a fronteira como ela era. A proposta não é a de uma Disneylândia histórica ou de um museu do terror, mas sim a de permitir ao visitante que ele saiba, através de imagens e sons, o que aconteceu naquele lugar histórico.

Um repórter de rádio descrevia da seguinte forma a construção do Muro, em agosto de 1961: "Uma cerca de arame farpado enferrujada é estirada pela rua e lá atrás estão quatro policiais paramentados como se estivessem em guerra, com capacetes de aço, armas dependuradas no ombro e baioneta".

Janela da memória

Depois de 49 anos, vários parentes e amigos de vítimas fatais do Muro participaram da cerimônia de inauguração da área que abrigará o Memorial, cujo centro é a "Janela da Memória", na qual já estão expostas fotos das 136 vítimas mortas, entre elas oito soldados de fronteira.

Fotografias na 'Janela da Memória'Foto: AP

Para Heiko Kliem, este é um dia especial. Ele não se lembra do próprio pai, um soldado morto quando o filho tinha apenas um ano de idade, com tiros pelas costas, no ano de 1970. Kliem diz que agora terá um lugar para onde ir quando quiser se lembrar do pai no dia do aniversário dele. "Não penso somente naquilo que aconteceu com meu pai, mas também em todos os outros que morreram ou foram assassinados", acrescenta o alemão.

Klaus Wowereit, prefeito de Berlim, afirma que o Memorial da Bernauer Strasse deverá ser erigido, se possível, "com o coração e com a razão". A ideia é tirar as vítimas do Muro do ostracismo e trazer sua história ao conhecimento da opinião pública. "Eram pessoas da família, da vizinhança. Não eram números ou cifras, mas pessoas, que foram atingidas", acentua Wowereit.

Bernauer Strasse: local histórico e de aprendizado

Axel Klausmeier, diretor da Fundação Muro de Berlim, descreve a nova área na Bernauer Strasse como "um local histórico e de aprendizado", uma vez que a fronteira deixa claro o caráter real da ditadura do regime comunista. Esta ditadura, diz Klausmeier, "desprezava todos os registros do ser humano, a fim de manter sua própria hegemonia, não legitimada por eleições livres".

Os donos do poder da República Democrática Alemã (RDA) não conheciam o Muro de Berlim. No vocabulário usado por eles, o paredão de concreto era "um muro de proteção antifascista". Em um filme educativo das Forças Armadas Nacionais Populares (Nationale Volksarmee), que pode ser assistido em um dos pontos de informação do Memorial, tem-se a impressão de que o Muro se voltava contra supostos provocadores do Ocidente.

Nenhuma palavra era despendida a respeito das fugas que deveriam ser impedidas. Ao som de uma música dramática, um soldado grita, no filme: "Pare, polícia de fronteira!". O cúmulo do cinismo era a afirmação, a seguir, de que o incidente demonstrava "o que aconteceria com alguém que ultrapassasse a fronteira e quisesse adentrar o território da RDA (República Democrática Alemã, de regime comunista)".

Visitante observa informações sobre pessoas mortas nas imediações do MuroFoto: AP

Na verdade, eram os alemães-orientais que ansiavam pela liberdade e que, por isso, queriam dar as costas à RDA. Uma sensação que o pai de Heiko Kliem também conhecia. Sua morte foi especialmente trágica, porque ele nem teve a intenção de fugir, mas, ao ser perder nos subúrbios de Berlim, aproximou-se sem querer com sua mobilete da então fronteira. Quando percebeu o erro, levou um tirou nas costas.

"Por que ele atirou?"

Heiko Kliem acha bom que o destino das 136 vítimas do Muro seja lembrado em um Memorial, mas ele se diz furioso com o fato de que o soldado que o tornou órfão de pai tenha sido condenado, após a queda do Muro, a apenas um ano e oito meses de prisão, com direito a cumprir pena em liberdade condicional.

Na época da morte do pai de Kliem, o soldado que disparou os tiros acabava de completar 18 anos de idade, tendo sido condenado pelo direito penas juvenil – uma situação que Kliem não compreende.

Mesmo 40 anos após a morte do pai, ele não para de se perguntar: "Por que ele atirou?". Mesmo o chefe das sentinelas teria dito que não houve razão para atirar. "É isso o que mais me perturba", conclui Kliem.

Autor: Marcel Fürstenau (sv)

Revisão: Roselaine Wandscheer

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