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Menopausa não é doença e precisa ser repensada

Fred Schwaller
9 de março de 2024

Corpo feminino há muito é tabu, não menos quando o assunto é menopausa. Uma série de estudos, na maioria realizados por mulheres, traz ferramentas para uma nova abordagem dessa fase da vida.

Atriz Gwyneth Paltrow, uma mulher loira de olhos azuis
Atriz Gwyneth Paltrow fez uma chamada para reformulação da imagem da menopausa na sociedadeFoto: Pascal Le Segretain/Getty Images

O corpo e a saúde da mulher têm sido tabu desde sempre. A começar pelo início da vida reprodutiva, com a menstruação: o Antigo Testamento se refere à menstruação como um "período infeccioso", enquanto o hinduísmo a chama de asaucha: impureza ou vergonha.

"Pode-se pensar que isso significa uma grande festa com a chegada da menopausa, pois não estaremos mais impuras. Mas não é o caso", observa Rachel Weiss, conselheira psicossocial no Reino Unido.

Ainda hoje, a  menopausa é um tema repleto de preconceito e desinformação. Weiss relembra que a primeira vez que ouviu falar sobre o assunto na TV foi em 2017, no documentário da BBC The menopause and me (A menopausa e eu), que lhe ensinou muito sobre as várias maneiras como a menopausa pode afetar as mulheres.

A ciência moderna alimentou a incompreensão dessa etapa do organismo feminino. Os cientistas do século 20 (predominantemente homens) descobriram que o hormônio estrogênio poderia ser usado como tratamento para os sintomas da menopausa. Desse modo, um acontecimento natural foi transformado numa doença de deficiência hormonal que exige diagnóstico e tratamento.

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A terapia de reposição hormonal (TRH) foi anunciada como uma "cura" para a menopausa. As pílulas de hormônio Premarin, diziam os homens na década de 1950, tornavam as mulheres "agradáveis de se conviver novamente". O "tratamento" e a ideia de "apaziguar” os sintomas existe ainda hoje e deixa muitas incapazes de falar sobre suas experiências com a menopausa.

"Imagine se a puberdade fosse medicada e a gente dissesse às crianças que passar pela puberdade é horrível, mas se elas tomarem um remédio, podem impedir que isso aconteça. É assim que a menopausa é apresentada", compara Weiss.

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"Acho que quando se entra na perimenopausa, a gente percebe muitas mudanças. Posso sentir as transformações hormonais acontecendo, a transpiração, a alteração de humor... de repente você fica furiosa sem motivo", comentou a atriz Gwyneth Paltrow numa entrevista, em 2018, aos 46 anos.

A menopausa marca o fim dos ciclos menstruais e da fertilidade. Ela resulta da queda gradual dos hormônios reprodutivos, principalmente o estrogênio e a progesterona, produzidos pelos ovários. A fase dura, em média, sete anos, geralmente entre o fim dos 40 e o início dos 50 anos.

Essa mudança hormonal desencadeia uma ampla gama de sintomas, como ondas de calor (fogachos), suores noturnos e alterações de humor. Cerca de 38% das descrevem esses sintomas entre moderados e fortes. 

Estudos da The Lancet

Uma nova série de estudos publicada, na terça-feira (05/03), na revista científica The Lancet propõe uma nova abordagem para lidar com a menopausa. 

Os estudos recomendam que a sociedade se afaste da visão medicamentosa da em favor de uma abordagem mais ampla e individual, dando assim maior suporte às mulheres nesta fase da vida.

"A experiência da menopausa é diferente para cada uma. Nossa série de estudos pede uma abordagem individualizada em que as mulheres tenham acesso à informações precisas, consistentes e imparciais para tomar as melhores decisões para si durante o processo", explica uma das autoras dos estudos, Martha Hickey, da Universidade de Melbourne.

Uma das publicações destaca que a menopausa precoce precisa ser levada mais a sério, pois quem passa por ela tem maiores chances de sofrer doenças cardiovasculares e osteoporose.

Em todo o mundo, cerca de 8% a 12% das mulheres apresentam menopausa precoce ou prematura, mas o índice é maior em alguns países, como na Índia, onde uma em cada cinco mulheres passa pela variante precoce no início dos 30 ou 40 anos. De acordo com o estudo, o diagnóstico da menopausa precoce geralmente é tardio e mal administrado.

Outro estudo contradiz a crença comum de que a menopausa está associada à má saúde mental, não tendo encontrado provas de que aumente o risco de ansiedade, transtorno bipolar ou psicose. Os sintomas podem aparecer, mas apenas em mulheres que já apresentavam transtornos depressivos antes.

"Não é que a falta de estrogênio cause depressão. É que todos os outros fatores sociais e culturais relacionados à menopausa fazem as mulheres se sentirem péssimas. Para muitas, a menopausa começa quando filhos adolescentes estão passando por mudanças hormonais e estão difíceis de lidar, ou quando pais idosos ficam doentes. Pode ser uma grande tempestade", esclarece Weiss.

Combatendo a má fama da menopausa

Um dos principais temas da série de estudos da The Lancet é a necessidade de combater a vergonha e o estigma em torno da menopausa. Um deles afirma que a normalização da menopausa e o acesso facilitado a informações imparciais e confiáveis podem capacitar as mulheres e ajudá-las a tomar melhores decisões sobre seu corpo.

"De forma mais ampla, precisamos questionar a ideia negativa generalizada sobre a menopausa, que é vista como um período de declínio e decadência, e criar um ambiente de trabalho mais favorável, o que pode ajudar a capacitar as mulheres a lidarem melhor com a fase", informa o estudo, de autoria majoritariamente feminina.

Em 2017, Weiss fundou a instituição sem fins lucrativos Menopause Café, que realiza eventos onde qualquer pessoa pode discutir e ouvir as experiências sobre a menopausa. Os estudos creditam o Menopause Café como uma forma eficaz de potencializar as mulheres que estão passando pela fase e criar uma narrativa menos medicalizada.

"Um dos motivos por que nossa instituição existe, é para ajudar a falar sobre as experiências com a menopausa e verificar se durante ela é necessário atendimento médico ou não. Há uma possibilidade do uso da TRH, por exemplo, para os 20% das mulheres que têm sintomas horrendos, quando se torna em primeira linha um problema médico. A medicação (não apenas a TRH) também pode ser importante se os sintomas físicos afetam a qualidade de vida", diz Weiss.

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Os estudos em The Lancet enfatizam quão profundo é o tabu em torno da menopausa na sociedade. Muitas relatam a vergonha por menstruar quando eram jovens, e depois por não menstruar quando envelhecem, relata uma das pesquisas.

"As mulheres são educadas para não falar sobre suas menstruações. Mas um aspecto mais profundo é o preconceito de gênero em relação à idade. Já ouvi mulheres dizerem que não podem contar ao chefe que estão entrando na menopausa, pois isso significa que envelheceram. Em nossa sociedade, a idade madura significa que a mulher não tem mais valor", lamenta Weiss.

O crescente debate sobre a menopausa em alguns países, como o Reino Unido, está aumentando a conscientização e ajudando a reduzir a vergonha e a má fama, mas os estudos da The Lancet esperam fazer mudanças mais profundas na forma como a menopausa é vista: menos como uma doença a ser temida e mais como uma experiência de vida.

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