1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Mercosul tenta destravar acordo de livre comércio com UE

Jean-Philip Struck3 de outubro de 2015

Analistas apontam que bloco sul-americano está mais flexível para tentar destravar negociações emperradas há 20 anos, mas que desinteresse dos europeus pode causar dificuldades.

Container im Hafen Santos in Brasilien
Foto: picture-alliance/dpa

Delegações da União Europeia (UE) e do Mercosul concluíram na noite de sexta-feira (2/10), após reunião no Paraguai, uma apresentação das linhas gerais de suas respectivas propostas para avançar um acordo de livre comércio entre os dois blocos.

Segundo o porta-voz do encontro, o vice-ministro do Exterior paraguaio, Rigoberto Gauto, o encontro, de caráter preliminar, foi positivo. "Nossa evolução preliminar é satisfatória. Os europeus notaram que o Mercosul leva a sério as negociações", disse.

Na reunião de dois dias em Assunção, não ocorreu um intercâmbio de ofertas bem delineadas. Segundo informou Gauto, uma troca de propostas efetivas só deve acontecer em novembro.

Delegados do Mercosul, no entanto, já divulgaram que a proposta do bloco sul-americano deve provavelmente cobrir uma eliminação das tarifas de pelo menos 85% dos produtos exportados pelos europeus. A ideia é distribuir uma série de descontos ao longo de períodos diferentes em várias cestas de produtos exportados. Detalhes de como será feita essa distribuição não foram revelados.

"A proposta do Mercosul é bem razoável. Seria um acordo bem satisfatório. O Mercosul, ao contrário do que ocorreu em negociações anteriores, está bem mais flexível. Isso também ocorre porque o cenário econômico entre os países do bloco mudou muito de um ano para cá, e principalmente desde 2004", afirma a consultora em comércio exterior Renata Amaral, da Barral M Jorge Consultores Associados.

Os europeus, por sua vez, não informaram publicamente qual deve ser a natureza da sua proposta.

Negociações emperradas

As negociações para um acordo que contemple descontos nas tarifas dos produtos negociados entre os blocos estão emperradas há 20 anos. Em 2004, os dois blocos chegaram a trocar propostas, mas a iniciativa fracassou diante da discordância sobre a natureza dos produtos e serviços que seriam englobados no acordo. Os sul-americanos queriam mais acesso ao controlado mercado agrícola europeu. Já a UE desejava avançar no setor de serviços e comunicações dos países do Mercosul.

Para o vice-ministro Gauto, desta vez o risco de fracasso é menor. “A reunião foi positiva, e há setores importantes que não estavam contemplados na oferta da UE em 2004 e que hoje estão".

No entanto, analistas ouvidos pela DW afirmam que um dos riscos das negociações pode ser o aparente desinteresse dos europeus em chegar a um acordo com o Mercosul. No momento, negociadores da UE estão mais empenhados em acertar detalhes de um acordo de livre comércio com os EUA – o chamado Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em inglês) – e em avançar conversas com outros países.

"Não percebemos do lado europeu tanta flexibilidade e vontade de negociar", afirma a consultora Renata Amaral.

A delegação europeia liderada pelo alemão Rupert Schlegelmilch não falou com a imprensa depois da reunião em Assunção. O encontro também recebeu cobertura mínima nos canais de divulgação da UE, que têm centrado sua atenção no acordo com os EUA.

Com o Mercosul, os europeus já deixaram claro no passado que pretendem negociar sobre áreas que contemplem propriedade intelectual, serviços e compras governamentais. Até mesmo o fim das restrições para a atuação no Brasil de empreiteiras, de escritórios de advocacia e de companhias áreas estrangeiras está nos planos da UE. Essas ambições, no entanto, são vistas com ceticismo por parte de setores econômicos e políticos brasileiros, e especialistas apontam que será muito difícil avançar nessas áreas.

“Hoje o setor de serviços responde por até 65% do PIB de muitos países. É claro que os europeus querem avançar nessas áreas, mas o avanço tem que ser feito com cuidado, já que a UE é mais eficiente nesse campo, e poderia acabar estrangulando esse setor no Brasil quando ele ainda está se modernizando”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Comércio

Mesmo com as dificuldades para se chegar a um acordo, o comércio entre os dois blocos tem aumentado. Em 2014, as trocas comerciais chegaram a 267 bilhões de dólares, saindo de um patamar de 90 bilhões de dólares em 2004, ano em que a troca de ofertas fracassou.

O Brasil é o oitavo maior parceiro comercial da UE. Em 2014, o bloco europeu importou 88,7 bilhões de dólares do Brasil, quase 20% das exportações brasileiras, e respondeu por 21% das importações.

O Mercosul vende para a UE principalmente produtos agrícolas, que representam 43% das exportações. A UE, por sua vez, exporta, sobretudo, equipamentos industriais e de transporte, que representam 46% das vendas externas.

Em 2014, alguns países do Mercosul, entre eles o Brasil, chegaram a considerar contornar algumas das regras do bloco e negociar separadamente com a União Europeia por causa de uma série de empecilhos impostos pela Argentina como condição para retomar as negociações. Um consenso entre os países do bloco só ocorreu recentemente quando Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil finalmente acertaram a entrega de uma proposta conjunta. A Venezuela, que ingressou no Mercosul em 2012, ainda permanece fora das negociações, já que o país ainda está se adequando às próprias regras tarifárias internas do Mercosul.

"É fundamental que as negociações vinguem. Esse seria o primeiro acordo de peso que o Brasil pode ter com um grande bloco. Nos últimos 20 anos só fechamos acordos de livre comércio com países como Israel, Egito e Palestina, que não representam muito volume de comércio. Precisamos sair do nosso isolamento", afirma Castro, da AEB.

Segundo a consultora Renata Amaral, os exportadores brasileiros estão esperançosos que um acordo na área aconteça, e que desta vez a possibilidade de que as negociações avancem dependem mais dos europeus do que do bloco sul-americano, que está mais flexível.

"Para o governo brasileiro, um avanço no acordo seria uma vitória política nesse momento de dificuldades. Os exportadores também estão ansiosos. Muitos produtos que se beneficiavam de tarifas zeradas na UE voltaram a sofrer tarifas este ano, o que levou o setor privado a esperar que algo aconteça para melhorar a situação", afirma.

Pular a seção Mais sobre este assunto