Muitos jovens alemães nem conseguem se lembrar de um tempo em que outra pessoa estava à frente do governo. Ela comanda o país há 12 anos, e tudo indica que vai ficar mais quatro. No fundo, nada de muito novo.
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Quem quiser saber por que a chanceler federal Angela Merkel governa a Alemanha de forma tão duradoura e inconteste só precisa aprumar os ouvidos fora do partido dela. O Partido Verde, na verdade uma espécie de inimigo natural da União Democrata Cristã (CDU), não se cansa de elogiar a governante, que fez o que os verdes sempre exigiram: rejeitar a energia nuclear, aceitar os imigrantes.
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Também o ministro do Exterior, Sigmar Gabriel, ex-presidente do Partido Social-Democrata (SPD), uma agremiação que parece ter sido seriamente danificada por ter encolhido no papel de parceiro minoritário na chamada grande coalizão, só tem coisas boas a dizer. Merkel foi "sempre justa, sempre forte", disse Gabriel na última sessão parlamentar antes da eleição legislativa de 24 de setembro.
E agora Merkel quer o quarto mandato. E, ao que tudo indica, os alemães ainda não cansaram de ver e ouvir a chanceler. O partido dela lidera com folga as pesquisas de opinião, e a eleição parece ganha. E tudo estaria bem se não fosse o peso do quarto governo.
Em 1994, o então chanceler Helmut Kohl também iniciou seu quarto período à frente do governo. Kohl governava pensando nos livros de história. Depois da Reunificação, o político, falecido em junho, ainda queria ser lembrado pelo euro. Mas os últimos quatro anos de Kohl no poder – do ano 13 ao ano 16 de seu governo – viraram um longo canto do cisne de um chanceler quase petrificado em monumento. No final, ninguém o aguentava mais, e era chegada a hora de Gerhard Schröder.
Também Konrad Adenauer, o primeiro chanceler alemão, iniciou um quarto mandato, em 1961. Foi praticamente uma autoproclamação. Só conseguiu chegar até a metade.
Polo de tranquilidade
Doze anos depois, como Merkel se mantém no poder?
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Merkel levou muito tempo para decidir se iria se candidatar a um novo período à frente do governo da Alemanha. Tinha bons motivos para hesitar. O ano de 2015 fora um divisor de águas. Um milhão de refugiados quase lhe custaram o cargo, de tão fortes que foram os abalos à CDU e à sua relação com o partido-irmão CSU (União Social Cristã).
Mas também era verdade que a chanceler virara uma espécie de "mãe coragem" em quase todos os setores políticos e sociais. Mesmo assim, a crise dos refugiados exigiu muita força de Merkel – o que é perceptível, por exemplo, no fato de ela ter recuado da sua frase "nós vamos conseguir" e ter ido ao encontro dos críticos.
No fim, o motivo que levou essa física de formação a arriscar um quarto mandato costuma ser explicado pela situação política fora da Alemanha. A eleição de Donald Trump, o Brexit e a crise da UE, o populismo de direita (que também encontra seguidores na Alemanha), Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan – Merkel é vista como um polo de tranquilidade em tempos inseguros.
Aparentemente, Merkel apenas se decidiu a favor de uma nova tentativa em 9 de novembro de 2016, quando estava claro que Donald Trump havia vencido a eleição americana. Desde então, ela encarna o anti-Trump, com o devido reconhecimento internacional. O New York Times a definiu como "a última defensora poderosa da Europa" – transformando sua permanência no cargo em quase obrigação.
Uma questão de poder
Também pode ser que, por ser de confissão protestante, Merkel se sinta na obrigação de não abandonar o barco justo quando a situação piora. E seu marido, Joachim Sauer, teria dito que ser a primeira a deixar o cargo de chanceler por livre e espontânea vontade também é uma forma de vaidade.
No início de sua carreira política, Merkel também teria dito que não queria encerrar seu trabalho como "uma carcaça semimorta". Como ser racional que é, deve ter avaliado que se sente em forma para ocupar o cargo por mais quatro anos.
E ainda há o fator "poder", que teria desempenhado um papel importante na decisão. A própria Merkel contou a delegados da CDU, durante o congresso do partido em dezembro do ano passado, que inúmeros correligionários lhe teriam dito "você precisa fazer isso!", durante os meses em que ela considerou uma candidatura.
Apesar de o debate sobre a limitação do número de mandatos de chanceler federal volta e meia ganhar atenção na Alemanha, tudo indica que o fenômeno dos longos mandatos veio para ficar. A decisão de recolocar um chanceler no poder já é quase uma tradição: foram 13 anos para Konrad Adenauer, quase nove para Helmut Schmidt, outros 16 anos para Helmut Kohl e sete anos para Gerhard Schröder.
Assim, não é de se admirar que Merkel seja apenas a oitava ocupante do cargo de chanceler federal desde a criação da República Federativa da Alemanha, em 1949. Só como comparação: nestes 12 anos de Merkel, a Itália teve sete chefes de governo.
Merkel a caminho do quarto mandato
Quem poderia pensar? Vista como líder interina de seu partido após saída de Helmut Kohl, Merkel chefia a CDU desde 2000 e, há 11 anos, a Chancelaria Federal. Confira momentos de uma carreira que ainda não chegou ao fim.
Foto: Getty Images/C. Koall
Primeiro juramento
"Eu quero servir a Alemanha". A promessa foi feita por Angela Merkel no dia 22 de novembro de 2005, quando tomou posse como chanceler. Depois da vitória apertada nas eleições gerais, ela se tornou a primeira mulher e a primeira alemã da antiga parte oriental a ocupar o cargo. Merkel se tornou a chefe de governo, comandado pela grande coalizão formada entre os partidos CDU, CSU e SPD.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
Quem tem medo do cão de Putin?
Merkel é conhecida por sempre ser racional e se manter calma. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, quis aparentemente testar os nervos da chanceler quando a recebeu na residência presidencial em Sochi, em 2007. Putin conseguiu revelar o ponto fraco de Merkel: ela tem medo de cães. Isso não impediu que o presidente russo deixasse o labrador Koni farejar os sapatos da chanceler.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Astakhov
Resgate financeiro
Em situações de crise, Merkel age com frieza. Quando os mercados financeiros entraram em colapso em 2008 e ameaçaram prejudicar a economia alemã, a chanceler se empenhou na proteção do euro e na criação de fundos de resgate para as economias mais fracas do bloco europeu. Ela se destacou como eficiente gestora de crises, mas não escapou de receber críticas de países como Grécia e Espanha.
Foto: picture-alliance/epa/H. Villalobos
Caminho para o segundo mandato
Apesar do pior desempenho da aliança conservadora na história, Merkel venceu as eleições de 27 de setembro de 2009. Depois de se aliar ao Partido Social-Democrata (SPD), a chanceler estava pronta para iniciar o segundo mandato ao lado de outro parceiro, o Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: Getty Images/A. Rentz
Resposta rápida
Merkel que, como física, é conhecida por pensar de forma objetiva, não previu a catástrofe nuclear de Fukushima, no Japão. Defensora da política nuclear na Alemanha, Merkel mudou de posição em tempo recorde. A extensão do prazo de funcionamento das usinas foi suspenso e a Alemanha iniciou o processo de colocar fim ao uso da energia nuclear.
Foto: Getty Images/G. Bergmann
O homem ao seu lado
Quem o reconheceria? Quem conhece sua voz? Há dez anos, o marido de Merkel, Joachim Sauer, professor de Química da Universidade Humboldt, em Berlim, se mantém discreto. Eles estão casados desde 1998.
Foto: picture alliance/Infophoto
Amizade em crise
As escutas de comunicações de políticos alemães por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA), dos Estados Unidos, abalaram as relações da Alemanha com a Casa Branca. Até o celular de Merkel foi alvo de espionagem. Uma frase da chanceler ficou famosa: "Não é aceitável que países amigos espiem uns aos outros".
Foto: Reuters/F. Bensch
O paciente grego
O clube de fãs de Merkel é extenso, mas na Grécia é provavelmente menor. A hostilidade contra a chanceler alemã nunca foi tão grande como em 2014, no auge da crise da dívida grega. A imagem de velha inimiga ressurgiu, mas Merkel se manteve firme em relação à política de austeridade que previu cortes e reformas a serem cumpridos por Atenas.
Foto: picture-alliance/epa/S. Pantzartzi
Emotiva, às vezes
Tipicamente reservada, Merkel quebrou os protocolos durante a final da Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro. A chanceler federal alemã celebrou a vitória da Alemanha sobre a Argentina ao lado do presidente alemão, Joachim Gauck. Ela estava no auge de sua popularidade, assim como a seleção vitoriosa.
Foto: imago/Action Pictures
"Nós podemos fazer isso!"
Para Merkel, o direito de asilo a refugiados não pode ser limitado. "Nós podemos fazer isso" se tornou o credo da chanceler sobre a política alemã de acolhida aos migrantes que fogem de guerras e perseguições. Se o país dará conta da enorme demanda, isso já é uma pergunta ainda em aberto.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
"E agora, Merkel?"
Sexta-feira 13 – um massacre em novembro. A França está em situação de emergência e Merkel ofereceu "toda a assistência" ao país vizinho. O medo do terrorismo se espalha. Não há dúvidas de que esse é o maior desafio de Merkel em dez anos no poder.
Foto: picture-alliance/dpa/B. von Jutrczenka
Barulho na coalizão
Foi o castigo máximo para a chanceler federal. No congresso da CSU, em novembro de 2015, Horst Seehofer a repreendeu. O líder da legenda-irmã do partido de Merkel na Baviera criticou que a política migratória da chefe alemã de governo fez com que o país perdesse o controle de suas próprias fronteiras. Uma humilhação que Merkel teve que suportar de pé e sem oportunidade de resposta.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Hoppe
Será que ele não poderia ficar?
Seria um alívio para Merkel continuar a lidar com Obama. Mas, no início, ela era bastante cética quanto a ele. O monitoramento do celular da chanceler federal, no contexto do escândalo de espionagem da NSA, parecia abonar a sua postura reservada. Mas, agora, um parceiro previsível sai de cena e dá lugar a Donald Trump. O jornal "New York Times" já a chama de "defensora do Ocidente liberal".
Foto: Reuters/F. Bensch
Merkel mais uma vez
Finalmente, após meses de intensas especulações em torno de sua candidatura à reeleição, Merkel confirma a sua intenção de concorrer a um quarto mandato. Durante entrevista coletiva em 20/11, ela diz à liderança de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), estar preparada para chefiar a legenda na eleição parlamentar alemã, prevista para setembro ou outubro de 2017.