Merkel e ministro do Interior chegam a acordo sobre migração
2 de julho de 2018
Após reunião em Berlim, chanceler federal e Seehofer anunciam entendimento sobre questão migratória, aliviando a crise que ameaçava derrubar o governo. Ministro, que chegou a oferecer renúncia, diz que ficará no cargo.
Anúncio
O atual ministro alemão do Interior e líder do partido União Social Cristã (CSU), Horst Seehofer, anunciou na noite desta segunda-feira (02/07) que chegou a um acordo com a chanceler federal Angela Merkel sobre a questão migratória e, portanto, se manterá em ambos os cargos.
O anúncio foi feito em coletiva de imprensa após uma reunião em Berlim entre os líderes dos dois partidos irmãos, tida como o último ato de uma queda de braço que vinha se estendendo há duas semanas e ameaçava derrubar o governo. Na véspera, Seehofer chegou a oferecer sua renúncia.
"Após intensas negociações entre a CDU [União Social Cristã, de Merkel] e a CSU, chegamos a um acordo sobre como podemos, no futuro, evitar a imigração ilegal na fronteira entre a Alemanha e a Áustria", disse Seehofer ao deixar a sede da CDU. "Ficou provado, mais uma vez, que vale a pena lutar por uma convicção."
A chefe de governo, por sua vez, também disse estar satisfeita com as negociações. Segundo ela, os dois partidos – que formam há décadas uma única bancada parlamentar – chegaram a um "acordo realmente bom" depois de um "duro impasse".
"Com o acordo, respeitamos o verdadeiro espírito de colaboração que reina na União Europeia e, ao mesmo tempo, damos um passo decisivo para o controle da migração secundária", disse Merkel, referindo-se aos casos em que um requerente vem de um outro país do bloco europeu. "É exatamente isso que me pareceu e me parece mais importante."
Durante as negociações, Merkel e Seehofer concordaram em estabelecer um "novo regime na fronteira" entre Alemanha e Áustria, que inclui a criação de centros de trânsito, onde seriam alocados os requerentes de refúgio que já estão registrados em outros países da UE.
Esses centros seriam edifícios controlados, de onde os migrantes não poderiam sair até que sua situação seja resolvida e seja decidido se eles podem ou não ficar na Alemanha. Em caso de negativa, os refugiados seriam transportados dali mesmo em direção ao país europeu por onde entraram.
O compromisso satisfaz ambas as partes, evitando a renúncia de Seehofer e, ao mesmo tempo, a maior crise dos quase 13 anos da era Merkel, que vinha mantendo a classe política em suspense.
Partidos reagem à crise
Ainda não está claro se o Partido Social-Democrata (SPD), o terceiro da coalizão governista, aceitará o acordo. Após a reunião na sede da CDU em Berlim, os líderes se dirigiram para a chancelaria federal para um encontro com representantes social-democratas.
Mais cedo, a presidente do SPD, Andrea Nahles, havia rejeitado o "plano mestre" sobre imigração de Seehofer, afirmando que sua legenda se manterá firme com o que determina o acordo de coalizão fechado com o bloco conservador.
Nahles, ao comentar sobre a crise em Berlim em coletiva de imprensa, a descreveu como um "drama implacável". "Minha paciência está ficando cada vez menor", afirmou.
A maioria dos partidos da oposição também disse reprovar a crise em torno do governo. A líder da bancada da sigla A Esquerda no Parlamento, Sahra Wagenknecht, afirmou que projetos importantes, como a criação de empregos seguros, estão sendo deixados de lado.
A populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), por outro lado, demonstrou satisfação com o impasse. "Eles [CDU e CSU] estão ocupados com eles mesmo – e isso pode ser atribuído a nós. Agora você vê como vai a caça. Nós estamos caçando", disse Alice Weidel, líder da bancada.
A declaração da parlamentar se referia a um comentário do copresidente da AfD, Alexander Gauland, na noite das eleições alemãs, em setembro de 2017, quando afirmara que seu partido "caçaria" o governo federal.
A guinada mais à direita no discurso de Seehofer e de sua CSU se deve também a uma questão interna: o partido perdeu espaço na Baviera para a AfD, abertamente anti-imigração, e teme encolher ainda mais se não adotar mudanças em sua política.
Impasse sobre migração
Seehofer, um veterano político bávaro, defende uma abordagem mais dura e mais independente de Bruxelas na questão migratória, em confronto direto com Merkel. No domingo, ele ameaçou renunciar, colocando em dúvida a sobrevivência do governo.
"Não me deixarei dispensar por uma chanceler que só é chanceler por minha causa", disse o ministro do Interior nesta segunda-feira, antes da reunião com Merkel, ao jornal Die Süddeutsche Zeitung.
Isso porque, sem a CSU, a líder alemã não teria mais maioria no Parlamento para governar – a CDU depende de sua aliada bávara para manter o poder na coalizão que também inclui o SPD. A possibilidade de novas eleições não estava descartada.
Seehofer criticara os resultados obtidos por Merkel na cúpula da União Europeia, na semana passada, afirmando não terem o mesmo efeito das medidas internas defendidas por ele para impedir a chegada de requerentes de refúgio à Alemanha.
Segundo o ministro, as propostas no nível da UE são menos eficazes do que o controle de fronteiras e a rejeição de requerentes de refúgio já cadastrados em outros países europeus, duas medidas que ele defende e que estão na origem da crise dentro do governo alemão.
As últimas duas semanas confirmaram, assim, o desgaste de Merkel, desde 2015 assombrada pela questão migratória. A crise em Berlim é o mais recente sinal de divisão na União Europeia sobre como lidar com a chegada de refugiados
Ainda que tenha caído drasticamente nos último anos, o fluxo migratório continua a dar combustível a populistas de direita na Europa, que ganham terreno do establishment político.
EK/afp/dpa/efe/dw
_______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram
Eles desafiaram Merkel - ou pelo menos tentaram
Ao longo de sua carreira, chanceler alemã deixou para trás diversos oponentes, inclusive seu mentor político, Helmut Kohl. Mas ele não foi o único homem no caminho de Merkel.
Foto: AP
Helmut Kohl, antigo mentor
O que dizem esses olhos? Gratidão? Afeição? Ou um sentimento de: "Eu nunca vou te perdoar!" Em meio ao caso de caixa 2 da União Democrata Cristã (CDU), em 1999, a então secretária-geral Merkel instou o partido a "entrar na luta mesmo sem seu antigo cavalo de batalha". Isso selou fim político do então presidente honorário da CDU e mentor político de Merkel, Helmut Kohl, aqui em reunião de 2012.
Foto: Reuters
Seu chefe no Leste: Lothar de Maizière
Dizer que Angela Merkel passou para trás o último premiê da antiga Alemanha Oriental seria exagero. Mas Lothar de Maizière teve que assistir ao desmoronamento de seu antigo país enquanto sua jovem vice-porta-voz Angela Merkel acompanhava as conversações para o Tratado de Reunificação, apostando assim na carta certa.
Foto: cc-by-sa/Bundesarchiv
Roland Koch, mais à direita
Alguns nostálgicos sonhadores na coligação CDU/CSU associam o devaneio a um sério senhor de Hessen: o ex-governador Roland Koch era visto como uma figura de orientação conservadora na CDU. Acredita-se que ele tenha pertencido ao círculo chamado "Pacto Andino" (combinado num voo para o Chile), que se tornou uma panelinha dentro da União CDU/CSU. Merkel escapou ilesa.
Foto: picture-alliance/dpa
Friedrich Merz, futuro interrompido
Sim, o Sr. Merz. Ele tinha uma carreira brilhante pela frente: como ministro das Finanças, com certeza, talvez até mesmo como chanceler federal. Um homem de sagacidade afiada, ternos bem ajustados e boas conexões na União CDU/CSU. Merkel, porém, afastou o político da Vestfália, em 2001, da liderança da bancada parlamentar da aliança de partidos conservadores.
Foto: picture-alliance/dpa/B. von Jutrczenka
Norbert Röttgen: demitido
Na foto, o ex-presidente alemão Joachim Gauck (dir.) caminha ao lado de Angela Merkel na residência presidencial em Berlim, Palácio Bellevue. Por trás deles, vê-se o demissionário ministro do Meio Ambiente, Norbert Röttgen. Depois de perder a eleição para governador na Renânia do Norte-Vestfália como candidato da CDU e ter posto a culpa também em sua chefe, Röttgen caiu em desgraça e foi demitido.
Foto: dapd
Gerhard Schröder subestimou Merkel
Quando Schröder perdeu a eleição para Merkel em 2005, ele esperou, inicialmente, que seu Partido Social-Democrata (SPD) recusasse negociações com vista a uma grande coalizão de governo. "Que bom que vocês ainda me chamem de chanceler", bradava Schröder ainda na noite eleitoral, enquanto sua adversária já fazia as contas da aritmética do poder. Dois meses depois, Merkel era eleita chanceler.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Finck
Arranjo de Poder: Wolfgang Schäuble
Wolfgang Schäuble poderia ter sido alguém perigoso para Merkel. Mas Kohl não transferiu o poder para seu "príncipe-herdeiro". Um atentado que o deixou paraplégico e seu envolvimento no escândalo de doações da CDU em 2000 marcaram o fim de sua carreira como líder partidário e de bancada. Merkel o nomeou ministro das Finanças, mas frustrou suas aspirações ao cargo de chanceler federal.
Foto: picture alliance/AP Photo/M. Meissner
Edmund Stoiber, uma conta em aberto
Atualmente, Edmund Stoiber, ex-governador da Baviera pela União Social Cristã (CSU), pode ser visto em "talk shows" falando veementemente contra a política de refugiados de Merkel. A atual chanceler federal desistiu de sua candidatura nas eleições parlamentares de 2002 em prol de Stoiber, que parece ainda não ter se recuperado da derrota para Schröder. Ele nunca quis ser ministro sob Merkel.
Foto: picture-alliance/U. Baumgarten
Horst Seehofer, o rebelde
Na disputa pelo poder na Baviera, Horst Seehofer abriu o caminho para Markus Söder e aceitou o cargo de ministro do Interior em Berlim, ao lado de sua chefe, Angela Merkel, que ele humilhou publicamente num congresso da CSU em 2015. Quem precisa de inimigos quando se tem tal ministro? O que Seehofer quer? Menos refugiados ou menos Merkel?
Foto: Reuters/H. Hanschke
Era uma vez Martin Schulz
Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu (dir.), perdeu as eleições parlamentares de 2017 como candidato do SPD. A princípio, recusou-se a formar um governo com Merkel; depois, negou-se a formar um governo sem Merkel e, no final, saiu de mãos abanando. Como deputado em Berlim, nada mais lhe resta que assistir à chanceler governar – se Seehofer (c.) deixar.
Foto: Getty Images/C. Koall
Donald Tusk, amizade desbotada
Na foto, Merkel conversa com o presidente do Conselho Europeu, o polonês Donald Tusk (dir.). Ele foi durante muito tempo um importante aliado dos alemães, que também o ajudaram na sua ascensão tardia em Bruxelas. Recentemente, Tusk parece ter procurado distância, frustrando até mesmo tentativas de Merkel com vista a uma solução europeia para crise migratória, de acordo com correspondentes.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Macdougal
Jens Spahn veio para ficar
Jens Georg Spahn é: político da CDU, deputado federal, ministro alemão da Saúde, conservador – e, segundo escreveu a agência de notícias DPA em 2016, um "oponente da chanceler". Para surpresa de alguns analistas, Merkel decidiu trazer Spahn para seu gabinete. Se a intenção de Merkel foi "controlá-lo", funcionou melhor do que com o ministro do Interior, Horst Seehofer.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Alexander Gauland, antigo "correligionário"
O líder da bancada parlamentar da legenda populista de direita AfD, Alexander Gauland, foi um influente membro da CDU até 2013. Há poucas fotos comuns de Gauland e Merkel: não é o tipo de entorno que desperta o interesse da chanceler . Mas quando ele fala no Bundestag, ela às vezes escuta. E ela certamente ouve as vozes advertindo que o caos na União CDU/CSU beneficiou acima de tudo a AfD.