Assim como na Baviera, ascensão do Partido Verde e da AfD em Hessen coloca pressão sobre a já enfraquecida coalizão de governo em Berlim. Novo fracasso dos partidos tradicionais pode ser o último prego no caixão.
Anúncio
"O que será, será; whatever will be, will be." O sucesso dos anos 50 ressoava na sala de concertos na cidade de Fulda, no centro da Alemanha, nesta quinta-feira (25/10). Considerando a atual situação do governo federal alemão, a escolha da trilha sonora no evento da campanha dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU) parecia bem apropriada – e não só por causa da presença da chanceler federal Angela Merkel, cujo destino pode estar nas mãos dos eleitores no estado de Hessen.
Pela segunda vez em duas semanas, o governo federal está se preparando para um revés numa eleição regional, desta vez em Hessen, estado onde fica o centro financeiro do país, Frankfurt, e onde a CDU governa há 20 anos. E isso apesar de a taxa de desemprego estar num mínimo recorde e a economia, em expansão. Mas, como a eleição na Baviera já demonstrou, há apenas duas semanas, o problema não é a economia.
Em Hessen, a CDU despencou para apenas 28% nas últimas pesquisas de opinião – queda de 10 pontos percentuais em relação à eleição estadual anterior, em 2013.
Caso a votação confirme as pesquisas, não só a credibilidade da chanceler como presidente do partido conservador será posta novamente em questão, mas também um aliado dela, o governador Volker Bouffier, poderá perder o cargo.
Se as enormes perdas que os conservadores bávaros amargaram duas semanas atrás puderam ser atribuídas, ao menos por Merkel, aos meses em que ela foi alvo de críticas desses mesmos aliados, desta vez a chefe de governo alemã não terá onde se esconder quando a busca por culpados começar.
Considerada a insatisfação popular com a coalizão de governo da Alemanha, depois de meses de brigas políticas internas, a perda de eleitores e do governo de Hessen podem ser o último prego no caixão do já enfraquecido governo Merkel.
Mas o governador do estado ainda não se dá por vencido, apesar das pesquisas. "Estou otimista quanto ao resultado deste domingo", declarou Bouffier à DW após seu último evento de campanha com Merkel, em Fulda. "Mas a política federal certamente ofuscou a política estadual local nesta eleição."
Isso era algo que Merkel queria a todo custo evitar. "Nem todas as eleições regionais podem ser transformadas numa mini-eleição federal", afirmou a chanceler à emissora Hessischer Rundfunk. "Isso está errado. Há muito em jogo para a população de Hessen." Nesta quinta-feira, ele reiterou o apelo para que os eleitores votem com base na política local e não apenas com base nas questões federais.
Mas, apelos à parte, a política federal terá um enorme impacto sobre o resultado eleitoral de domingo em Hessen e provavelmente refletirá uma tendência nacional: milhares de eleitores estão deixando os partidos tradicionais da Alemanha em troca de agremiações mais novas – principalmente o Partido Verde e o populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
"Estamos cansados", afirmou um morador de Fulda. "Eu votei na CDU por muito tempo. Mas o debate sem fim sobre migração e depois o escândalo do diesel e a falta de união na coalizão – isso tudo está me fazendo repensar meu voto neste domingo", disse, acrescentando que deve escolher os verdes.
Tanto em Hessen quanto em nível nacional, o Partido Verde experimentou um grande aumento na preferência dos eleitores nos últimos meses. "Os verdes certamente estão lucrando com o fato de CDU, CSU e SPD não estarem passando uma boa imagem de si mesmos. Eles estão muito preocupados com debates pessoais", ressalta o principal candidato do Partido Verde de Hessen, Tarek Al-Wazir.
Se os verdes, que atualmente formam uma coalizão de governo com a CDU em Hessen, tiverem de fato uma elevada votação no domingo, a CDU corre o risco de ficar de fora do governo, pois o Partido Verde possivelmente optaria por uma coalizão de esquerda com o Partido Social-Democrata (SPD) e os socialistas de A Esquerda. E isso apesar de a atual coalizão entre CDU e verdes estar se saindo bem em Hessen.
O Partido Verde não é o único destino de eleitores desencantados. A AfD – coincidentemente fundada em Hessen, como um partido eurocético, em 2013 – está prestes a entrar pela primeira vez na assembleia legislativa de Hessen, completando, assim, sua presença nos parlamentos de todos os 16 estados alemães.
Stefan Vogel, morador de Fulda, foi eleitor de longa data da CDU e membro do partido até 2003. No início deste ano, ele encontrou sua "alternativa", filiando-se à AfD. "Estou decepcionado com Merkel. Ela é obcecada pelo poder", reclama. "Eu não apoio o euro ou a leis que foram aprovadas, como a do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ela praticamente iniciou a crise migratória. No lugar dela, encontrei uma alternativa democrática: a AfD."
A AfD está atualmente na quarta posição nas pesquisas em Hessen, com 12%. Como todos os demais partidos descartam uma coalizão com os populistas de direita, uma votação elevada para eles complicaria ainda mais a formação de uma nova coalizão de governo, pouco importando quem obtenha o mandato para fazê-lo.
Mas mesmo que os conservadores de Merkel consigam evitar que as sondagens se tornem realidade no domingo, a coalizão governista em Berlim ainda não estará fora da área de risco. Pois, além dos conservadores, também os social-democratas deverão sofrer grandes perdas em Hessen, onde as pesquisas lhes dão 20% dos votos, ou 10 pontos percentuais abaixo do resultado de 2013.
Mais um revés eleitoral para o partido político mais antigo da Alemanha tornaria ainda mais fortes os apelos para que o SPD deixe o governo Merkel, apenas meio ano após a formação da coalizão. Na prática, isso seria o fim do quarto mandato de Merkel.
Como diz a música, o que será, será.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
Foto: picture-alliance/dpa
1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
Foto: picture-alliance/akg-images
1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
Foto: AP
1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: picture alliance/Konrad Giehr
1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
Foto: picture-alliance/Wilhelm Bertram
1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
Foto: picture-alliance/dpa
1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Fischer
1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
Foto: dpa
1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
Foto: imago/Sven Simon
1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
Foto: AP
1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
Foto: picture-alliance/dpa
1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
Foto: imago/teutopress
1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
Foto: Getty Images
2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
Foto: Getty Images/A. Rentz
2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
Foto: Reuters
2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.