Merkel presta homenagem a vítimas de grupo neonazista
4 de novembro de 2019
Chanceler federal dedica árvores plantadas em cidade do Leste alemão a dez pessoas assassinadas pela célula extremista NSU nos anos 2000. Ato ocorre em meio a preocupações com crescimento da violência de extrema direita.
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A chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, prestou homenagem nesta segunda-feira (04/11) às dez pessoas que foram mortas por um grupo neonazista há mais de uma década. O ato ocorreu em meio a preocupações com o crescimento da violência de extrema direita no país.
Durante uma visita à cidade de Zwickau, no Leste alemão, Merkel participou de uma cerimônia que dedicou dez árvores recém-plantadas à memória das pessoas assassinadas entre 2000 e 2007 pela célula terrorista de extrema direita Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU, na sigla em alemão).
"Faremos tudo para que essas coisas não aconteçam novamente", afirmou Merkel em relação aos assassinatos da NSU.
No início de outubro, um carvalho plantado em memória da primeira vítima do grupo, a vendedora de flores Enver Simsek, foi cortado do local, gerando uma onda de indignação em todo o país, mas também de solidariedade. Cerca de 14 mil euros foram doados a Zwickau, e a árvore foi substituída por outra muda. Simsek, como a maioria das vítimas da NSU, era de origem turca.
Durante anos as autoridades alemãs atribuíram a série de assassinatos a brigas entre gangues de migrantes, até que a existência do grupo foi relevada após a descoberta dos cadáveres de dois dos membros principais da NSU, em novembro de 2011.
A única integrante sobrevivente do grupo neonazista, Beate Zschäpe, de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua no ano passado, após cinco anos de julgamento.
A NSU era um trio formado por Zschäpe, Uwe Mundlos, de 38 anos, e Uwe Böhnhardt, de 34. Em 2011, os dois homens foram encontrados mortos a tiros. Os investigadores não conseguiram esclarecer se o que ocorreu foi suicídio coletivo ou se um deles matou o outro antes de se matar.
Zschäpe, Mundlos e Böhnhardt viveram durante quase 14 anos na clandestinidade. Nesse período, cometeram os dez assassinatos e dois atentados com bombas, estes em Colônia.
A NSU assassinou oito pessoas turcas, uma grega e uma agente policial alemã. A maioria dos crimes teve motivação racista.
O julgamento dos crimes da NSU foi considerado o maior processo judicial envolvendo neonazistas da história da Alemanha e também o mais caro, com custo estimado de 56 milhões de euros.
O caso ainda revelou erros graves cometidos pela polícia e pelo serviço secreto interno da Alemanha, que por anos descartaram a possibilidade de que as mortes tivessem uma motivação racista e fossem ligadas à cena de extrema direita do país.
Enquanto Merkel falava ao lado do memorial nesta segunda-feira, um grupo de manifestantes de extrema direita cantava a alguns metros de distância, pedindo para ela ir embora.
Grupos promovendo discursos anti-imigrantes e antissemitas voltaram a preocupar novamente a Alemanha nos últimos anos, juntamente com a ascensão do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), cujos membros minimizam o passado nazista do país.
Em junho, um político regional do partido de Merkel foi morto a tiros na casa dele. Um extremista de direita com uma série de condenações por violentos crimes contra migrantes foi preso em relação com o assassinato.
No mês passado, um alemão de 27 anos tentou atacar uma sinagoga na cidade de Halle, também no Leste. Depois de tentar entrar no templo sem sucesso, ele matou dois passantes, antes de ser preso. Antes do ataque, o suspeito havia postado um texto antissemita na internet.
As autoridades alemãs prometeram reprimir o extremismo de direita, inclusive reforçando as leis sobre armas e intensificando a perseguição contra disseminação de discursos de ódio.
Após mais de cinco anos de processo, saem as sentenças pelas mortes de nove imigrantes e uma policial na Alemanha, num caso envolvendo extremismo de direita e críticas a instâncias estatais.
Foto: dapd
Beate Zschäpe, o rosto da NSU
Entre 2000 e 2006, nove homens de origem estrangeira foram mortos com a mesma pistola na Alemanha. A polícia tateava no escuro, e a mídia falava de "assassinatos do kebab". Em 4 de novembro de 2011, uma casa explodiu em Zwickau, no leste do país. Entre os destroços foram encontrados a arma do crime e outros objetos incriminadores. Quatro dias mais tarde, Beate Zschäpe se entregou à polícia.
Foto: dapd
O (presumível) trio da NSU
Em 1998, Zschäpe se unira aos amigos ultradireitistas Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos na célula terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU). O trio viveu incógnito em diversos locais por quase 14 anos, por último em Zwickau, no estado da Saxônia. Segundo os investigadores, eles teriam cruzado a Alemanha cometendo assassinatos e atentados a bomba, financiando-se através de assaltos a bancos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As vítimas
Ao que se sabe, a NSU matou ao menos nove homens e uma mulher. A primeira vítima, Enver Şimşek, sucumbiu em setembro de 2000 a ferimentos graves. As demais vítimas foram (a partir do alto, esq.) Abdurrahim Özudogru, Süleyman Taşköprü, Habil Kılıç, a policial Michèle Kiesewetter, Mehmet Turgut, Ismail Yasar, Theodorus Boulgarides, Mehmet Kubaşık e Halit Yozgat.
Foto: picture-alliance/dpa
Atentados a bomba em Colônia
Na rua Keupstrasse, em Colônia, habitada majoritariamente por turcos, uma bomba cheia de pregos explodiu em 9 de junho de 2004. Mais de 20 pessoas ficaram feridas, em parte gravemente. Antes, em 19 de janeiro de 2001, uma outra fora detonada na Probsteigasse. Uma jovem de 19 anos de origem iraniana sofreu queimaduras, cortes, fratura do crânio e perfuração do tímpano.
Foto: picture-alliance/dpa
Fim de uma fuga
Em 4 de novembro de 2011, um assalto a banco fracassou em Eisenach, na Turíngia. Os criminosos conseguiram inicialmente escapar, mas foram perseguidos pela polícia. Pouco mais tarde, os cadáveres de dois homens foram encontrados num trailer fumegante. Os indícios eram de suicídio. Ambos foram identificados como Uwe Böhnhardt e Uwe Mundlos, supostos integrantes da célula terrorista NSU.
Foto: picture-alliance/dpa
Último esconderijo
Poucas horas após a morte dos supostos assassinos da NSU, uma casa residencial foi pelos ares em Zwickau. Com a explosão, Beate Zschäpe aparentemente tentou eliminar as pistas na moradia que dividia com seus amigos Böhnhardt e Mundlos. Entre as ruínas, os policiais encontraram, entre outros, a arma do tipo Ceska utilizada na série de assassinatos da NSU e um vídeo de reivindicação.
Foto: picture-alliance/dpa
Reivindicação cruel
Num macabro vídeo, utilizando a apreciada figura de desenhos animados Pantera Cor-de-Rosa, a NSU reivindicou os assassinatos de nove turcos e uma policial. No entanto, uma das vítimas, Theodorus Boularides, tinha origem grega.
Foto: picture-alliance/dpa/Der Spiegel
O início do processo
Em 6 de maio de 2013, começou o processo da NSU no Tribunal Superior Regional de Munique. A única sobrevivente do trio terrorista, Beate Zschäpe, apresentou-se de terno escuro, aparentando autoconfiança. O procurador-geral da República a acusou, entre outros crimes, de "ter matado, em dez casos, um ser humano de forma traiçoeira e por motivação torpe".
Foto: Reuters/Michael Dalder
Cúmplices da NSU?
Além de Zschäpe, quatro homens foram acusados no processo da NSU como presumíveis acessórios dos crimes. Apenas Ralf Wohlleben (abaixo, dir.), ex-membro do partido de extrema direita NPD, pode ter seu nome completo citado na imprensa. Os demais, André E., Carsten S. e Holger G. estão protegidos pelo direito de personalidade.
Zschäpe quebra o silêncio
Em 9 de dezembro de 2015, após dois anos e meio de silêncio, Beate Zschäpe se pronunciou, fazendo ler uma declaração em que inculpa Böhnhardt e Mundlos pela série de assassinatos. Em meados do ano, ela se desentendera com seus três advogados indicados, passando a ser representada adicionalmente por Hermann Borchert e Mathias Grasel.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Escândalo do informante
Desde o início do processo, era ambíguo o papel do Departamento de Defesa da Constituição, responsável pela segurança interna da Alemanha, nas atividades da NSU. O extremista de direita Tino Brandt (foto), informante do órgão, relatou em juízo como, nos anos 90, criara o grupo Defesa da Pátria da Turíngia (THS). A partir dele, o trio liderado por Zschäpe se radicalizou, criando a NSU.
Foto: picture-alliance/dpa/Martin Schutt
Relações mal explicadas
Quando Halit Yozgat foi baleado num internet-café de Kassel, em 6 de abril de 2006, o informante Andreas T. estava no local. Apesar disso, o funcionário da Defesa da Constituição afirmou nada saber sobre o atentado. No processo da NSU, o pai da vítima, Ismael Yozgat, relatou de forma comovedora como segurara nos braços o filho agonizante. No tribunal, levou consigo uma foto de infância de Halit.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Gebert
Protestos contra falta de clareza
Já houve uma série de manifestações contra o envolvimento de órgãos estatais alemães no caso da NSU. A organização Keupstrasse Está Por Toda Parte é uma das participantes dos protestos. Ela leva o nome da cidade de Colônia, onde a célula terrorista explodiu uma bomba cheia de pregos.
Foto: DW/M. Fürstenau
Parlamento interfere
O Parlamento federal alemão tentou trazer luz às intrigas no caso da NSU. Em agosto de 2013, o presidente da primeira comissão de inquérito, Sebastian Edathy (dir.), entregou ao líder parlamentar Norbert Lammert seu relatório final de mais de mil páginas. A conclusão foi avassaladora: "fracasso estatal". Mais tarde haveria outras CPIs em nível federal e estadual.
Foto: picture-alliance/dpa
Promessas quebradas
Em 23 de novembro de 2012, foi realizado na Konzerthaus de Berlim um evento em memória das vítimas da NSU. A chefe de governo Angela Merkel (esq.) prometeu a Semiya Şimşek e outros familiares o esclarecimento total. Mas eles estavam decepcionados diante de dossiês da Defesa da Constituição eliminados ou mantidos em caráter confidencial. Sua suspeita era de que o Estado sabia mais do que admitia.
Foto: Bundesregierung/Kugler
Procuradoria Geral exige pena máxima
Em meados de 2017, o procurador-geral Herbert Diemer e colegas apresentaram suas considerações finais. Eles exigiram para Beate Zschäpe a pena máxima, de prisão perpétua, devido à gravidade extrema de seus crimes. Para Ralf Wohlleben e André E., a acusação pediu 12 anos de cárcere, assim como cinco para Holger G. e três para Carsten S..
Foto: picture-alliance/dpa/P. Kneffel
Exigência surpreendente
Em abril de 2018, os defensores se pronunciaram. Hermann Borchert e Mathias Grasel, representando Zschäpe apenas desde 2015, reivindicaram para ela um máximo de dez anos de prisão. Entretanto, seus antigos advogados, Wolfgang Stahl, Wolfgang Heer e Anja Sturm (da dir. para a esq.) surpreenderam ao pedir a libertação imediata de Zschäpe da prisão preventiva.
Foto: Reuters/M. Rehle
Juiz respeitado
Manfred Götzl, de 64 anos, é o juiz-presidente no processo da NSU, no Tribunal Superior Regional de Munique, encarregado de pronunciar as sentenças contra Beate Zschäpe e os demais réus. Os advogados de alguns coautores do processo criticaram Götzl, desejando que ele conduzisse a ação com maior rigor. No geral, contudo, ele goza de grande respeito.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Hase
Prisão perpétua para a ré principal
Em 11 de junho de 2018, Beate Zschäpe (esq.), de 43 anos, foi condenada à prisão perpétua pelo Tribunal Superior Regional de Munique. Como os crimes são de extrema gravidade, ela não poderá deixar a prisão depois de cumprir 15 anos de pena. A defesa anunciou que vai recorrer da decisão à instância superior, a Corte Federal de Justiça. Os demais réus receberam penas entre dez e dois anos e meio.