Sob pressão três meses após eleição, chanceler alemã joga última cartada para evitar nova votação e continuar no poder. Desafio agora é convencer seus atuais parceiros de coalizão, os social-democratas.
Anúncio
Angela Merkel iniciou nesta quarta-feira (13/12) mais uma tentativa de salvar seu próximo mandato como chanceler federal. Desta vez, ela busca convencer seus atuais parceiros de coalizão, os social-democratas, a abrirem negociações formais para seguirem governando com ela. Quase três meses após a eleição, a Alemanha ainda não tem um novo governo.
No poder há 12 anos, Merkel e seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), estão enfraquecidos, após perderem terreno para os populistas de direita na eleição de setembro e depois do fracasso na negociação de uma tríplice aliança, com verdes e liberais, em novembro. Por isso, a chanceler deposita toda a sua esperança no SPD para evitar novas eleições.
O SPD, do ex-presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz, prometeu ir para a oposição depois do revés na eleição – o partido obteve apenas 20% dos votos – e só abrandou sua postura, concordando em se reunir com Merkel, devido à pressão do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, um correligionário, que quer evitar que a Alemanha, pela primeira vez na história, tenha que voltar às urnas novamente.
"Certamente não foi uma boa ideia descartar tão cedo a entrada em outra grande coalizão", opina o cientista político Lothar Probst, da Universidade de Bremen. "Mas, naturalmente, o SPD ainda sente as dores de ter fechado duas grandes coalizões em nove anos, e muitos membros da base – e não só dela – sentem que outra representaria um prejuízo."
O especialista em negociações Wolfgang Bosch faz propaganda dele mesmo como alguém que auxilia pessoas a superar "sentimentos de desamparo diante de parceiros dominadores" – uma frase que poderia descrever com precisão os social-democratas neste momento. Ele dá alguns conselhos para Schulz e seus colegas de partido.
"Eu os encorajaria a começar as conversações sem muitas noções pré-concebidas e a se libertar de suas dúvidas após quatro anos de uma grande coalizão", comenta Bosch. "Eles deveriam começar a negociar com confiança e força interior, e dizer: 'Nós somos o SPD – e existimos há 150 anos'."
Segundo Bosch é preciso dissipar as dúvidas antes que as negociações comecem. Em particular, diz, parece que Schulz levou para o lado pessoal sua derrota para Merkel nas eleições de setembro. Se os dois não trabalharem em conjunto, não há chance de se alcançar uma grande coalizão. E, mesmo que o façam, qualquer acordo demandará muito tempo para ser fechado.
Uma distinção muito alemã
Uma faceta incomum das negociações de coalizão na Alemanha é a distinção clara que os políticos costumam fazer entre "sondagens" e "negociações formais". Em suma, é a maneira de partidos rivais facilitarem o caminho para negociações realmente árduas.
"Sempre que é difícil formar um governo, eles tentam antecipadamente sondar se têm o suficiente em comum antes mesmo de começar a negociar", explica Probst.
Espera-se que as sondagens durem, ao menos, até a primeira metade de janeiro. Se as partes chegarem a um acordo geral, haverá uma pequena pausa, na qual a base do SPD deverá autorizar o início das negociações formais. Se isso acontecer, espera-se que o compromisso seja alcançado, apesar de o acordo final de coalizão demorar até maio para ser formalizado.
Schulz tem se esforçado para sugerir que, nesta fase, os resultados das negociações estão "abertos" – o que significa que elas podem falhar. Esse foi o caso da primeira tentativa de Merkel de formar a chamada "coalizão Jamaica" – em alusão à semelhança entre as cores das legendas CDU, FDP e Verde, e a bandeira do país caribenho – em outubro e novembro.
Erros de negociação
Um dos objetivos das conversações atuais é evitar a repetição dos erros das anteriores. Merkel negociou três governos no passado, incluindo duas grandes coalizões com o SPD. Mas isso não impediu que as coisas não dessem certo para formar um novo governo desta vez. Bosch acredita que as negociações para formar uma "coalizão Jamaica" sofreram "erros básicos de negociação".
"Eles começaram com um grupo grande demais – 50 pessoas de quatro partidos, o que foi insensato", opina Bosch. "Isso não poderia funcionar. Se os grupos negociadores são muito grandes, especialmente quando pessoas ambiciosas, como políticos, estão envolvidas, alguém sempre se sente desfavorecido e tuíta algo que magoa as outras legendas."
Isso é o que essencialmente aconteceu em novembro, quando o líder do FDP, Christian Lindner, decidiu que não estava recebendo concessões suficientes e tirou rapidamente seu partido das negociações. Não havia nada que Merkel, apesar de sua conhecida flexibilidade na política, poderia fazer.
"Ou sou um mediador aberto aos interesses de todos os envolvidos, ou lidero uma equipe de negociação, mas não os dois", explica Bosch. "Talvez teria sido uma boa ideia chamar um especialista em negociações externas para mediador em algum momento das sondagens."
Juntos ou separados?
O objetivo atual de Merkel é alcançar compromissos com o SPD. Analistas identificaram três áreas principais de discórdia: o desejo do SPD de um seguro-saúde estatal obrigatório para todos, a visão de Schulz da União Europeia como "Estados Unidos da Europa" e a insistência de seu partido para que familiares de refugiados possam se juntar aos parentes na Alemanha.
Quando indagado sobre os potenciais pontos polêmicos, Probst destaca as questões de equidade social como o seguro-saúde. Na véspera das conversações de Schulz com Merkel, alguns partidários do SPD sugeriram a ideia de uma "coalizão de cooperação" limitada que abrange apenas certos objetivos comuns básicos, ao mesmo tempo em que permite espaço para desacordos em outros temas. Probst, porém, acredita que isso seria difícil de implementar.
"Merkel não quer isso", ressalta Probst. "Especialmente na situação atual com tantas crises na Europa, ela deseja um governo estável. A menos que haja grandes mudanças, ela não concordará com essa ideia – ou, pelo menos, vai combatê-la durante o maior tempo possível."
A boa notícia para os defensores de uma grande coalizão é que, embora existam diferenças, as legendas CDU/CSU e SPD mostraram que conseguiram trabalhar juntas no passado. Na verdade, eles continuam cooperando neste momento – são parceiros de coalizão e seguirão assim, interinamente, até que o novo governo seja formado.
----------------
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
Foto: picture-alliance/dpa
1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
Foto: picture-alliance/akg-images
1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
Foto: AP
1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: picture alliance/Konrad Giehr
1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
Foto: picture-alliance/Wilhelm Bertram
1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
Foto: picture-alliance/dpa
1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Fischer
1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
Foto: dpa
1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
Foto: imago/Sven Simon
1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
Foto: AP
1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
Foto: picture-alliance/dpa
1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
Foto: imago/teutopress
1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
Foto: Getty Images
2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
Foto: Getty Images/A. Rentz
2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
Foto: Reuters
2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.