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Belo Monte

3 de junho de 2011

Procurador-chefe Ubiratan Cazetta diz que nova ação civil pública será proposta caso condicionantes não tenham sido cumpridas, mas reconhece que resultado prático das ações judiciais é muito pequeno.

Ministério Público do Pará se preocupa com impacto social da usinaFoto: AP

Além de receber críticas de entidades ambientalistas e de defesa dos direitos de povos indígenas, o Ibama também está sendo alvo de acusações por parte do Ministério Público Federal (MPF) do Pará. A licença para instalar a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, pode ter sido concedida precipitadamente, sem o devido cumprimento das condicionantes ou de exigências prévias, diz o MPF.

A maior preocupação dos procuradores é com os impactos socioambientais que possam surgir. Em entrevista à Deutsche Welle, o procurador-chefe do Pará, Ubiratan Cazetta, falou da preocupação do MPF com o despreparo da região para receber as dezenas de milhares de pessoas que serão atraídas pelas obras. Ele falou, também, das dificuldades enfrentadas pelo MPF na Justiça com a demora na tramitação das ações judiciais e com as respostas da Advocacia Geral da União a elas.

Deutsche Welle: O Ministério Público Federal no Pará está avaliando a documentação da licença. Já existe alguma impressão inicial?

Ubiratan Cazetta: Até agora, nada muda na impressão que já tínhamos de que aquelas condicionantes, que há duas semanas já eram apontadas como não cumpridas, não sofreram alteração. O Ibama, duas semanas atrás, dizia que as condicionantes não estavam cumpridas, a própria Norte Energia reconhecia o não-cumprimento das condicionantes, e nós não vimos, até agora, nenhum elemento que fizesse uma alteração significativa nesse curto espaço de tempo.

Então vamos analisar cada uma das condicionantes, as argumentações do Ibama para tê-las como preenchidas, mas até o momento há ainda a impressão de que condicionantes realmente importantes não foram cumpridas e, em razão disso, não poderia ter sido concedida a licença de instalação. Em se confirmando essa impressão, vamos propor uma nova ação civil pública para discutir essas falhas que estamos identificando.

Há uma expectativa de que a obra vá atrair trabalhadores para a região de Altamira, município mais importante da região. A previsão é que sejam criadas 20 mil vagas diretas e 80 mil indiretas, mas o governo fala em priorização de trabalhadores locais. Qual o prognóstico que o MPF faz sobre a infraestrutura local?


Esses números, que talvez estejam sendo até conservadores em termos de atração de população, são a nossa preocupação inicial. Dos empregos diretos, a maior parte, sem dúvida nenhuma, virá de fora, devido à especificidade das atribuições. Você não forma essa mão de obra, que é uma mão de obra tão qualificada e tão específica, de uma hora para a outra.

Embora haja essa promessa de priorização de mão de obra local, duas constatações já são visíveis. Primeiro isso não impede a migração. A migração ocorre independentemente desse compromisso de aproveitamento de mão de obra local. Segundo, a mão de obra local não está qualificada já, como deveria ter sido, para ser efetivamente aproveitada.

Isso provoca um inchaço especialmente nas zonas urbanas de Altamira e Vitória do Xingu, cidades que hoje não têm estrutura para atender à população atual. Ou seja, têm problemas sérios de saúde, educação, saneamento 100% inexistente e segurança.

Então, aquilo que deveria ter sido objeto das condicionantes, que era a preparação para esse inchaço, não está pronto. O governo fala que um grande ganho para Altamira será que, em 2014 ou 2015, a cidade estará com 100% do seu saneamento básico implantado. O problema é que o pico dessa contratação e mobilização de migrantes ocorre antes do tratamento de água estar pronto.

Todas as medidas adotadas até agora para saúde e educação estão ficando num horizonte muito longo, que não reflete o cronograma da migração. Em três a quatro anos podemos esperar uma piora significativa da qualidade de vida nos núcleos urbanos nessa região.

O governo federal disse que estará pronto para uma possível "batalha judicial" sobre a adequação da licença para a construção de Belo Monte. O Ministério Público Federal também está pronto para essa "batalha"?

Esse é o nosso dia a dia. Nós estamos tentando fazer o nosso papel. Se nós, ao final dessa análise, concluirmos que, de fato, as condicionantes não foram cumpridas, vamos seguir o caminho que nos resta agora, que é o de judicializar essa questão. Para esse tipo de embate nós estamos preparados.

Agora, infelizmente, o resultado disso, do ponto de vista prático, é muito pequeno, porque há uma demora muito grande no julgamento das ações que nós propusemos. Sendo muito honesto com sua pergunta: fazer ação é o nosso dia a dia.

O problema é que o roteiro das últimas ações é conhecido. A gente tem conseguido a liminar, mas a AGU [Advocacia Geral da União] tem caçado com decisões monocráticas do presidente do tribunal. São decisões que não enfrentam a matéria efetivamente, se trata de uma análise muito superficial e os processos não são julgados.

Esse é o grande problema. Essas ações, embora sejam necessárias, não têm sido eficazes exatamente por falta de andamento. Qualquer dessas ações que nós propusemos, sendo julgada daqui a três anos, vai ser de uma inutilidade prática sem fim.

Os danos já vão ter ocorrido, as pessoas já estarão lá, os bilhões de reais já terão sido investidos. Embora estejamos confiantes da necessidade de propor a ação, se confirmadas as irregularidades, hoje, sendo muito honesto com você, mantido o script dos últimos tempos, a AGU tem um mecanismo de adiar essas ações e, com isso, consolidar o fato.

Que mecanismos, então, restariam para a população se o próprio Ministério Público Federal reconhece que as ações judiciais podem resultar nessa "inutilidade"?

Nós acreditamos na ação, acreditamos que os argumentos são válidos, que eles mereceriam a concessão da liminar e parar tudo. Mas eu não posso desconsiderar a realidade concreta que, neste jogo de forças, a AGU é muito eficaz quando se refere a conseguir uma decisão do presidente do tribunal. Todas foram neste mesmo modelo: o presidente do tribunal não aprecia a matéria de fundo, fica nos argumentos superficiais e, com isso, o processo entra num ritmo extremamente lento.

E o resultado, se não houver uma mudança nessa realidade, será muito ruim. Nós vamos propor as ações e faremos tudo para que elas sejam julgadas. Conforme os fatos forem confirmando os nossos temores, nós vamos ter que fazer provocações ao Judiciário e ao governo para dizer: "Olha, estamos falando disso há quatro anos, o que você vai trazer de concreto para que isso se resolva?".

Eu acho que há a esperança de que, no mínimo, toda essa batalha renda, em algum momento, uma reflexão em quem é encarregado destas obras, para que todos esses planos anunciados saiam do papel. E que não saiam do papel num cronograma tão distante da realidade dos problemas.

Autora: Ericka de Sá
Revisão: Roselaine Wandscheer

Ubiratan CazettaFoto: Ascom PRPA
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