'Mestres' irreverentes
27 de julho de 2007A maioria dos críticos dos grandes jornais alemães reagiu positivamente, nesta sexta-feira (27/07), à tão esperada montagem de Os mestres cantores de Nurembergue, em Bayreuth.
A razão da expectativa: tratava-se do primeiro trabalho de direção da bisneta de Richard Wagner, Katharina, no misto de teatro de ópera e local de peregrinação fundado pelo compositor em 1876.
Coisas interessantes ou "pizza Wagner"
O Süddeutsche Zeitung definiu o trabalho da artista de 29 anos como "uma reinterpretação revigorante, com algumas bobagens". O Frankfurter Allgemeine Zeitung celebrou: "Katharina Wagner tem um futuro em Bayreuth".
Die Welt reconheceu valores predominantemente positivos nesta versão, embora, analisando-a em detalhe, chegasse à conclusão: "No próximo ano, muito trabalho de acabamento e a arte de 'deixar de fora' esperam pela diretora e seu hiperativo dramaturgista, Robert Sollich".
Já o Frankfurter Rundschau fala de "uma encenação desigual, porém ambiciosa", sentenciando: "A apresentação deu pouco motivo para impressões unívocas – quer triunfos, quer irritações –, significando, outrossim, uma multiplicidade de coisas interessantes e de material instigante".
Já o Spiegel online comentou com sarcasmo a estréia da bisneta de Wagner "em casa": "Uma 'pizza Wagner' cerebral e, no entanto, impressionantemente óbvia: um monte de recheio sobre uma base fininha".
No palco como na platéia
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, encabeçaram uma legião de convidados ilustres, na última quarta-feira. Como não podia deixar de ser, o pai de Katharina, Wolfgang Wagner (87), também encenador, encontrava-se na platéia.
Ao fim da maratona de sete horas – que incluiu duas pausas de uma hora – a diretora subiu ao palco, trajando um vestido de frente única e visivelmente nervosa, para ser recebida tanto com vaias, assovios e interjeições de escárnio quanto com "bravos" e outros gritos de aprovação.
Assim, o público de Bayreuth fazia mais uma vez jus ao epíteto "operístico": dramático, apaixonado e egocêntrico até o absurdo.
Wagner de cuecas
Mais tarde, Katharina Wagner revelaria aos repórteres que ensaios de última hora haviam sido necessários, devido a "problemas técnicos".
O aplauso ao fim do primeiro e do segundo atos fora amigável. Porém o terceiro e último ato da única ópera cômica de Richard Wagner deixou o público menos bem-humorado.
Além de vários minutos de nudez frontal, ele foi confrontado com uma bizarra visão do compositor dançando de roupa de baixo, ao lado de outros mitos como Goethe e Schiller, assim como um monte de mestres cantores cavalgando pelo palco, munidos de pênis gigantescos.
Vitória do mainstream
Katharina Wagner é a favorita a suceder seu pai na direção do Festival de Bayreuth, cargo que Wolfgang ocupa desde 1951. Quer tenha êxito, quer não, com este début ela – a mais jovem profissional e primeira mulher a dirigir em Bayreuth – já deixa no templo wagneriano sua marca de modernizadora por excelência.
O primeiro choque, fatal para os mais conservadores, já foi o fato de a ópera não ser situada na praça da Nurembergue medieval: nada de casas de enxaimel nem de prado festivo. Em vez disso, figurinos da moda e sapatos tênis chovendo do céu (talvez pelo fato de um dos protagonistas, Hans Sachs, ser um sapateiro?).
O Mestres cantores da bisneta de Wagner é um discurso sobre tradição e progresso na arte que prescinde de qualquer respeito pela trama original. Seu Walther von Stolzing, o herói moral e romântico, não passa de um "vendido": um rebelde que, para ganhar um concurso, se torna um conformista e imitador de seus mestres. "No fim, o mainstream acaba vencendo", parece querer dizer a encenadora.
Aceitação inesperada
Por contraste, antes da estréia ela comentara ao jornal Süddeutsche Zeitung que o festival precisava reocupar seu papel na vanguarda da interpretação wagneriana. "Minha preocupação não é apenas preservar, como também desenvolver algo novo."
"Bayreuth pode arriscar o experimento", afirmou, citando como exemplo duas outras montagens contemporâneas com potencial provocador: o Tristão e Isolda de 1993, do dramaturgo Heiner Müller, e o Parsifal do enfant térrible Christoph Schlingensief, em 2004.
No fim, a própria Katharina Wagner se surpreendeu com a positividade da recepção em sua estréia. "Calculo que a proporção entre aceitação e repúdio foi, mais ou menos, fifty-fifty. Eu tinha contado mais com dois terços de rejeição." (av)