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Mesut Özil e um debate que divide a Alemanha

23 de julho de 2018

Antes símbolo de integração social, jogador deixa seleção sob críticas e fazendo acusações de racismo. Merkel, ministros e outros políticos de alto escalão entram na discussão, que ganha proporções para além do esporte.

Mesut Özil
Foto: picture-alliance/Photoshot

A decisão do meia Mesut Özil de deixar a seleção alemã, em meio a acusações de racismo e críticas à Federação Alemã de Futebol (DFB), ultrapassou as fronteiras esportivas e provocou um debate acalorado sobre a integração de imigrantes e seus descendentes na Alemanha, em especial os teuto-turcos, que formam o maior grupo.

Vários políticos reagiram à decisão do meia do Arsenal, incluindo a chanceler federal Angela Merkel, que em 2010, depois de uma vitória da Alemanha sobre a Turquia em Berlim, pelas eliminatórias da Eurocopa, desceu até o vestiário para cumprimentar os jogadores, inclusive Özil, autor do segundo gol.

Desde que optou pela seleção alemã, o meia – que nasceu e seu criou em Gelsenkirchen, uma cidade da região carbonífera alemã, e é filho e neto de imigrantes turcos – era apontado como um exemplo de integração bem-sucedida de jovens de origem turca na sociedade alemã. Ele abdicara do seu passaporte turco já em 2007, argumentando que sentia pouca afinidade com a Turquia.

Merkel cumprimenta Özil no vestiário, em 2010, depois de vitória sobre a TurquiaFoto: picture-alliance/dpa/Bundesregierung/G. Bergmann

Com a eliminação da Alemanha já na fase de grupos da Copa da Rússia, Özil passou a ser um dos jogadores mais criticados do grupo. Seu encontro com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, poucas semanas antes da Copa, foi lembrado com frequência. Jogadores disseram que o caso, que causou enorme polêmica, teve efeitos negativos sobre a equipe. Mesmo o presidente da DFB, o ex-político conservador Reinhard Grindel, e o gerente esportivo, Oliver Bierhoff, se mostraram críticos quanto à performance de Özil na Copa e ao seu silêncio sobre o encontro com Erdogan.

Neste domingo (22/07), Özil abordou tanto o encontro com Erdogan como o tema integração ao comunicar seu afastamento da seleção alemã. O meia afirmou que a origem de outros craques, como Lukas Podolski e Miroslav Klose, não é lembrada quando se fala deles. "[Eles] nunca são apontados como teuto-poloneses, então por que eu sou turco-alemão?", questionou.

O jogador de 29 anos criticou também, e de forma extremamente dura, o presidente da DFB, afirmando que ele foi desrespeitoso com sua origem, e disse ainda ter sido transformado em bode expiatório após o fraco desempenho da seleção na Copa da Rússia. "Aos olhos de Grindel e seus apoiadores, eu sou um alemão quando ganhamos, mas um imigrante quando perdemos".

Reações na política

Por meio de uma porta-voz, Merkel afirmou que respeita a decisão de Özil de não jogar mais pela seleção. "A chanceler tem um grande apreço por Özil. Ele é um jogador que contribuiu muito para a seleção alemã."

A ministra da Justiça, Katarina Barley, do Partido Social-Democrata (SPD), disse que o episódio serve de advertência para o país. "É um sinal de alarme quando um grande jogador alemão, como Mesut Özil, não se sente mais desejado no seu país por causa de racismo nem representado pela DFB", escreveu em sua conta no Twitter.

O Ministro do Exterior, Heiko Maas, disse que ambos os lados se comportaram de forma equivocada. "Eu não acredito que o caso de um multimilionário que reside e trabalha na Inglaterra diga algo sobre a integração na Alemanha", acrescentou.

Já o deputado verde Cem Özdemir, que também tem origens turcas e é um dos parlamentares mais atuantes na questão migratória, criticou Özil e lembrou o polêmico episódio em que o jogador posou ao lado do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. "É profundamente lamentável a forma como Özil resolveu se manifestar. Com isso, ele joga para aqueles que rejeitam nossa democracia, tanto aqui como lá. A foto de Özil continua sendo um erro, e sua explicação não convence."

"Decisão errada": torcedor protesta contra Özil por foto com ErdoganFoto: Imago/Horstmüller

Mas Özdemir criticou também a liderança da DFB, cujo comportamento chamou de desastroso. "Grindel está despedaçando nossa história de integração. É isso que queremos, que jovens teuto-turcos joguem para Erdogan? A DFB precisa de um recomeço."

Ele afirmou que a situação de Grindel ficará muito difícil depois da desistência de Özil. "Ele não reflete a diversidade do futebol na Alemanha, e será difícil para alemães de origem turca ou alemães de origem croata sentirem que a DFB é deles", declarou à emissora Deutschlandfunk.

O partido populista de direita AfD considerou a saída de Özil uma prova das dificuldades de integração dos turcos na sociedade alemã. "Com sua declaração de despedida, Mesut Özil infelizmente mostrou ser um exemplo típico da integração fracassada de muitos imigrantes do círculo cultural turco-muçulmano", afirmou a líder da bancada no Bundestag, Alice Weidel.

Reações no meio esportivo

O meio esportivo também reagiu com às declarações do meia do Arsenal. A DFB rejeitou categoricamente a acusação de racismo e disse que vai levar adiante seu trabalho de integração. A federação também lamentou a saída do jogador da seleção alemã.

O presidente da liga de clubes e do Borussia Dortmund, Reinhard Rauball, disse ser inaceitável que a DFB e sua liderança sejam associadas de forma generalizada ao racismo. "Essa acusação deve ser rejeitada. O acerto de contas de Mesut Özil ultrapassa todos os limites toleráveis e não deixa entrever qualquer autocrítica."

O presidente do Bayern de Munique, Uli Hoeness, criticou duramente as palavras de Özil. "Fico feliz por esse pesadelo ter chegado ao fim. Há anos que o jogo dele era um lixo. A última dividida que ele ganhou foi antes da Copa de 2014. E agora ele esconde a si mesmo e a sua performance de merda atrás dessa foto. Do ponto de vista esportivo, há anos que Özil não tinha mais que estar na seleção."

Já o ex-presidente da DFB Theo Zwanziger disse que se trata de um duro golpe para a integração social. Ele era um grande exemplo para jovens futebolistas de origem turca. O resultado é ruim também para o nosso país. Tudo isso é um retrocesso. Isso vai além do futebol", afirmou o ex-presidente, que comandou a DFB de 2006 a 2012.

PJ/AS/rtr/ap/afp/dpa/sid

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