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#MeTooBrasil: Um canal de visibilidade a vozes silenciadas

Karina Gomes
4 de setembro de 2020

Inspirados em movimento dos EUA, grupos de combate à violência contra a mulher no Brasil criam plataforma de denúncias e de apoio às vítimas. Acusações contra curador de cinema brasileiro foram estopim para iniciativa.

Mulher protesta com cartaz escrito "Me Too" nos EUA em 2017
Campanha Me Too surgiu nos EUA em 2017Foto: Getty Images/S. Keith

Um post no Facebook gerou ao menos 18 denúncias contra um dos curadores internacionais de cinema mais influentes da América Latina. Pelas redes sociais, mulheres em seis países acusaram o brasileiro Gustavo B. de estupro, assédio sexual, agressão física e violência psicológica. 

Após as denúncias no final de agosto, movimentos de combate à violência contra a mulher reagiram rápido. No dia 25 de setembro, será lançada oficialmente a campanha independente #MeTooBrasil, inspirada na iniciativa criada em 2017 nos Estados Unidos para dar voz às vítimas de assédio e abuso sexual. As acusações contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein, na época, o levaram a ser condenado a 23 anos prisão, em março deste ano. 

"A motivação é enfrentar a violência sexual de uma forma mais estruturada e dar visibilidade às vozes silenciadas. Quando há uma denúncia, sempre se encontra outras vítimas", disse à DW Brasil a advogada Marina Ganzarolli, uma das idealizadoras do #MeTooBrasil. 

O produtor, que atua, entre outros, no Festival Internacional de Cinema de Roterdã (Holanda), na Viennale (Áustria) e no Buenos Aires Lab (Argentina), nega "incondicionalmente" as acusações. Referentes a situações ocorridas desde pelo menos 2005, as denúncias são de mulheres que trabalharam ou tiveram relacionamentos com o cineasta brasileiro.

"Posso dizer que me assusta e me entristece como as pessoas podem reavaliar livremente as suas subjetividades, empregando estas acusações criminais anos mais tarde", respondeu B. numa nota enviada ao site The Intercept. 

Em comunicado, a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API) afirmou que o Brasil precisa refletir sobre "como as estruturas de poder estabelecidas na cadeia cinematográfica permitem que um indivíduo aja continuamente de maneira violenta e predatória, por mais de uma década, sem maiores consequências". 

"O comportamento de predador sexual se repete, é uma característica dessa conduta criminosa. São majoritariamente homens que usam o poder econômico e social, as hierarquias e a sua influência para fazer mais vítimas e perpetrar a violência repetidamente", explica Ganzarolli, que integra o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. 

Iniciativas como o Me Too têm o potencial de criar um efeito cascata. Quando uma vítima que está mais protegida ou mais avançada no processo de cura e cicatrização do abuso, consegue fazer a denúncia num ambiente público e virtual, como as redes sociais, e assim motiva outras vítimas a sair do silêncio.  

Canal de denúncias e de apoio

Pelo site da campanha, mulheres que sofreram abusos podem fazer uma denúncia formal, que será encaminhada às autoridades. Mas a preocupação central é também oferecer apoio jurídico, psicológico, médico, assistencial e de acolhimento às vítimas.

"Não adianta a vítima só denunciar. É preciso ter apoio, fortalecimento e acolhimento emocional, porque a vítima precisa entender que não tem culpa. Muitas vezes, elas temem fazer a denúncia devido à influência ou ao poder que o abusador sexual tem", afirma Luciana Terra, diretora do Instituto Justiça de Saia e advogada do programa Justiceiras.  

As mulheres que apresentam denúncias pelo site são acolhidas pelo atendimento online multidisciplinar do programa Justiceiras, uma rede de apoio e acolhimento criada em meio ao aumento de casos de violência contra a mulher durante a pandemia. 

Mais de 3.600 voluntárias, entre advogadas, psicólogas e assistentes sociais, estão prontas para dar uma resposta emergencial aos casos. Desde o final de março, mais de 1.810 vítimas foram atendidas. "Não somos um órgão público. Somos como se fosse um pronto-socorro para as mulheres que precisam desse acolhimento", diz Terra.  

"Após o atendimento, as denúncias serão encaminhadas para a Ouvidoria das Mulheres, um canal de denúncias da Ouvidoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público. A intenção é otimizar a agilidade na resolução dos casos concretos, garantindo proteção e apoio à mulher vítima de violência", detalha Gabriela Manssur, coordenadora da comissão de mulheres da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

"Recebemos, sobretudo, denúncias de violência doméstica. Nós resolvemos abrir essa frente para abranger também os casos de abusos de autoridade e de abuso sexual no trabalho", complementa Terra.  

As denúncias chegam ao sistema Justiceiras pelo site do Me Too, pelo Instagram (@brasilmetoo) ou pelo WhatsApp (+55 11 99639-1212). Pelo site, mulheres também podem compartilhar relatos anônimos na seção "Conte sua história". 

Ao possibilitar um espaço para denúncias, a campanha pretende lançar uma luz sobre a grande maioria de casos de violência que permanecem no escuro. Em 2018, o Brasil registrou mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos. Ainda de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas 7,5% das vítimas de violência sexual no Brasil notificam a polícia. 

"A subnotificação existe por causa do medo das vítimas e do estigma desse tipo de violência, que é rodeado de mitos e estereótipos que buscam no comportamento da vítima uma justificativa para o comportamento do agressor", diz Ganzarolli. 

"Por isso, a dificuldade de denunciar. A campanha vem para empoderar e amplificar as vozes dessas mulheres para que consigamos não só a punição dos agressores, mas a reparação das vítimas. É dar um passo que o poder público não consegue dar, que é ser a porta de entrada para essa denúncia e para a proteção dessas vítimas", acrescentou. 

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