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FilmeMalásia

Michelle Yeoh e as barreiras de diversidade, gênero e idade

Brenda Haas
Publicado 10 de março de 2023Última atualização 13 de março de 2023

Atriz de 60 anos nascida na Malásia venceu o Oscar por "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo". Um caminho árduo, passando por concurso de miss e filmes de artes marciais. Mas para Yeoh essa luta é maior do que ela mesma.

Cena do filme "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo"
Michelle Yeoh em "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo", entre Stephanie Hsu e Ke Huy QuanFoto: Allyson Riggs/A24/AP/picture alliance

Na falta de uma descrição melhor, a atriz malaia Michelle Yeoh é, de fato, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Oriental, mulher, sexagenária, ela tem estampado manchetes por sua atuação no filme que leva esse título, escrito e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert (conhecidos como "os Daniels") e vencedor de vários Oscars, entre eles o de melhor filme e melhor direção – e também o de melhor atriz para Yeoh, em sua primeira indicação ao prêmio.

O papel de Evelyn Wang já a consagrou como primeira atriz de origem asiática a obter um prêmio do Screen Actors Guild (SAG Awards), e segunda a vencer o Globo de Ouro. O fato de ela ter sido preterida nos British Academy Film Awards (Bafta), em fevereiro, gerou descontentamento generalizado, com diversos fãs afirmando que o troféu lhe fora "roubado".

Agora ela é a primeira profissional autoidentificada como oriental a ser nomeada para e premiada com o Oscar de Melhor Atriz.

Essa cadeia de sucessos transformou Yeoh, cumulativamente, num modelo a ser seguido para pessoas de cor, asiáticas e mulheres, sobretudo "de uma certa idade". Em Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, ela representa uma esposa e mãe imigrante estressada, enfrentando a auditoria da lavanderia da família pelo órgão da receita federal dos Estados Unidos, o IRS.

A história toma um rumo surreal quando Wang descobre que há versões múltiplas do universo – e dela mesma –, todas enfrentando uma ameaça que só seu presente avatar pode deter. Assim, passa a surfar em realidades paralelas, absorvendo as aptidões que suas diferentes versões possuem.

Além de exibir as credenciais adquiridas por Yeoh em quase 40 anos de carreira, o sucesso do filme reflete sua própria tenacidade num setor que confina os atores não brancos a estereótipos cansados.

Na indústria de filmes de artes marciais, Yeoh ficou famosa por representar suas próprias cenas de lutaFoto: United Archives/picture alliance

De bailarina e miss a Hong Kong e Hollywood

Michelle Yeoh nunca almejou ser atriz. Nascida na Malásia em 1962, preparou-se para uma carreira de bailarina, chegando a matricular-se na Royal Academy of Dance de Londres. Até que uma lesão na espinha dorsal deu fim a suas ambições.

Em 1983, sem lhe comunicar, a mãe, Janet, inscreveu-a no concurso de Miss Malásia-Miss Mundo. Ela acabou vencendo, o que logo lhe rendeu diversos contratos para comerciais em Hong Kong. O primeiro foi para os relógios Guy Laroche, ao lado de ninguém menos do que o astro das artes marciais Jackie Chan.

Seguiram-se ofertas para o cinema, e nos anos 80 Yeoh participou de diversas produções de ação e artes marciais de Hong Kong, nas quais atuou sem dublês. Em 1987, casou-se com o empresário Dickson Poon, cofundador da D&B Films, e suspendeu a carreira de atriz. No entanto, a retomou em 1992, após a separação. Seu atual marido é o ex-diretor executivo da Ferrari Jean Todt.

Numa época anterior à promoção da "diversidade e representação", o estúdio D&B Films a convenceu a adotar "Michelle Khan" como nome artístico, por achar que repercutiria melhor com o público internacional e ocidental. Só mais tarde a atriz assumiria seu sobrenome real.

Yeoh pôs o pé em Hollywood em 1997, ao ser escolhida para o filme de James Bond O amanhã nunca morre, ao lado de Pierce Brosnan, como primeira "Bond girl" etnicamente chinesa. Em 2010 a revista Entertainment Weekly a classificou como a sétima melhor na categoria, pontificando que essa "agente chinesa tecnologicamente esperta" seria uma das poucas "mulheres de cor capazes de competir em inteligência com 007", e "a primeira que dá para levar a sério".

Papel em "O Tigre e o Dragão" consolidou o lugar de Yeoh no cinema internacionalFoto: Sony Pictures Classics/AP/picture alliance

Não aos estereótipos raciais

Ainda assim, passaram-se dois anos até ela voltar a trabalhar em Hollywood, que continuava só lhe oferecendo papéis de "mulheres orientais frágeis". Numa entrevista em 2018 para a revista masculina GQ, recordaria: "Quando vim pela primeira vez para fazer filmes aqui, lembro bem especificamente alguém dizendo: 'Se selecionarmos uma protagonista afro-americana, não vai ter como contratar você, pois a gente não pode ter duas minorias."

Numa entrevista à Time, que a escolheu como Ícone do Ano 2022, ela constata que há muito os atores orientais ficam relegados a papéis estereotipados e irrelevantes, raramente principais: "A questão não deveria ser a minha raça, mas tem sido uma batalha. Pelo menos, me deixem tentar."

Em 2000, então, veio O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, colocando em evidência o treinamento dela nas artes marciais. Yeoh representou ainda a majestosa Mameha em Memórias de uma gueixa (2005), e encarnou com perfeição a prêmio Nobel da Paz birmanesa Aung San Suu Kyi em Além da liberdade (2011). Seus sucessos mais recentes incluem Podres de ricos (2018), além de participações nas séries Marvel, Star Trek, Transformers e The Witcher.

No entanto, os papéis de protagonista continuavam lhe sendo negados – até 2022, com Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Numa entrevista à CNN, em 6 de fevereiro, ela contou que originalmente a personagem era destinada a Jackie Chan, cuja esposa ela representaria.

Depois que o astro de Hong Kong declinou, porém, os Daniels inverteram a história, transformando-a na protagonista. "Foi tão emocionante, àquela altura, receber um roteiro que dizia: 'É uma mulher bem comum, uma imigrante oriental lidando com os problemas com que todos nós podemos nos identificar", comentou a artista malaia.

Em "Além da liberdade", Yeoh encarnou a Nobel da Paz de Mianmar Aung San Suu KyiFoto: Vincent Perez/Universum/dpa/picture alliance

Discursos de premiação icônicos

De lá para cá, Yeoh ficou também famosa por seus espirituosos discursos de premiação, cheios de pontadas argutas, prontas para serem citadas, com frequência referentes às barreiras que ela tem derrubado. Ao vencer o Globo de Ouro em janeiro, por exemplo, recordou como o pessoal de Hollywood se maravilhava com seu domínio do idioma.

"Alguém me disse: 'Você fala inglês?' Pois é, deixa para lá que eles não conhecem Coreia, Japão, Malásia, Ásia, Índia. Aí eu disse: 'Sim, o voo até aqui durou umas 13 horas'", contou com humor seco, provocando gargalhadas da plateia.

Ao receber o prêmio SAG de Melhor Atriz em fevereiro, frisou: "Isso não é só para mim, é para toda garotinha que se parece comigo." Antes de vencer o Oscar, para o qual era favorita, Michelle Yeoh comentou em diversas entrevistas como outros asiáticos expressaram o desejo de que ela ganhasse a estatueta.

"Acho que a coisa vai além de mim, representa tanta gente que desejou ser vista dessa maneira, ter um lugar à mesa, dizer: 'Eu também tenho valor, também tenho necessidade de ser vista.'"

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