Milhares dão o último adeus a Bento 16 no Vaticano
5 de janeiro de 2023
Papa Francisco preside cerimônia em homenagem a seu antecessor, algo inédito na história da Igreja Católica. Ele exaltou a sabedoria e sensibilidade do alemão.
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Dezenas de milhares de pessoas compareceram nesta quinta-feira (05/01) à Praça de São Pedro para o funeral do papa emérito Bento 16, o alemão Joseph Ratzinger, morto no dia 31 de dezembro, aos 95 anos. O papa Francisco presidiu a missa fúnebre de seu antecessor, algo inédito na história recente da Igreja Católica.
Ele prestou homenagem à sabedoria e sensibilidade do papa emérito. Francisco enfatizou a confiança de Bento 16 em Deus, sua devoção à oração e seu amor pelo evangelho. Recordou também as fadigas do papado, as difíceis tarefas que "um pastor" tem que enfrentar - "entre encruzilhadas e contradições".
Devido às restrições de saúde do papa, a missa foi celebrada pelo chefe do Colégio dos Cardeais, Giovanni Battista Re.
Após a cerimônia, o caixão com o corpo do papa emérito Bento 16 foi trasladado às criptas do Vaticano para ser sepultado.
O simples caixão de madeira de Bento 16 foi levado da basílica para a praça pouco antes das 9h (horário local), sob aplausos que se confundiram com o toque dos sinos.
Uma cópia dos evangelhos foi colocada sobre o caixão, no átrio da basílica. Entre os fiéis encontravam-se muitos padres e freiras, que fizeram fila para entrar na imensa esplanada coberta pela névoa desde a madrugada.
A cerimônia começou às 9h30 (horário local) e teve a presença, além de cardeais e religiosos de todo o mundo, de vários chefes de Estado e de governo, entre eles o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier e sua esposa. Havia também uma grande delegação do estado natal de Bento 16, a Baviera, chefiada pelo governador Markus Söder.
Velório atraiu 195 mil
No total, 195 mil pessoas passaram durante três dias, de segunda a quarta-feira, diante dos restos mortais de Ratzinger.
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O primeiro papa alemão da história moderna, que renunciou em 2013 e viveu seus últimos anos de vida recolhido em um mosteiro no Vaticano, foi sepultado em cerimônia privada na cripta da Basílica de São Pedro onde até 2011 esteve sepultado João Paulo 2°, trasladado então para a parte superior do edifício.
Apenas duas delegações, da Alemanha e da Itália, foram oficialmente convidadas pela Santa Sé, mas muitos líderes políticos, dignitários, líderes religiosos e monarcas de todo o mundo confirmaram a presença. Entre eles, o rei Felipe da Bélgica, a rainha emérita da Espanha Sofia, os presidentes da Itália, Polônia e Togo.
Na Praça de São Pedro, alguns fiéis seguravam uma grande faixa onde se lia "santo subito" (santo imediatamente), apelo que ressoou também durante o funeral de João Paulo 2°.
md/lf (EFE, DPA, AFP, KNA, EPD)
O teólogo e intelectual conservador Bento 16
Joseph Ratzinger viveu para a Igreja. Como papa, e usando o nome Bento 16, promoveu o diálogo entre razão e fé. Mas seu pontificado também teve escândalos e crises eclesiásticas.
Foto: Reuters
"Somos papa"
A eleição para Santo Pontífice, em 19 de abril de 2005, foi o ponto alto da carreira eclesiástica do cardeal alemão Joseph Ratzinger. O sucessor de João Paulo 2º adotou o nome Bento 16. O primeiro alemão no trono papal em quase 500 anos admitiu modestamente ser "um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor". Mas o jornal alemão "Bild" titulou sem modéstia: "Somos papa!"
Foto: picture-alliance/dpa/T. Kleinschmidt
Jovens celebram Bento 16
Em agosto de 2005, o papa recém-eleito participou do Dia Mundial da Juventude Católica em Colônia, na Alemanha, onde foi freneticamente aplaudido por um milhão de pessoas de todo o mundo. Os jovens entoavam "Be-Ne-De-To" em cânticos. Mas o papa não gostou da celebração de sua pessoa. Com um gesto, ele silenciou as massas para continuar o serviço religioso.
Foto: AP
Banho na multidão
Embora Bento 16 muitas vezes parecesse tímido, o banho na multidão, surpreendentemente, é um dos destaques de seu pontificado. O culto à sua pessoa, porém, contrastava com a natureza espiritualizada do Santo Padre, considerado um intelectual conservador. Com suas aparições em meio à multidão, como aqui no Dia Mundial da Juventude de 2011, em Madri, Bento 16 mostrou ser parte da cultura dos jovens.
Foto: Getty Images
Os sapatos vermelhos
Os sapatos vermelhos do papa também eram cult. Não só católicos tentavam adivinhar o significado do calçado papal, que ocasionalmente se destacava sob o manto do pontífice. Alguns diziam erroneamente "o papa veste Prada". A resposta pode ser encontrada na Roma Antiga: no início, apenas imperadores podiam usar a cor carmim, e depois isso foi estendido a papas e bispos.
Foto: Photoshot/picture-alliance
Igreja em crise
O pontificado de Bento 16 também está ligado à lenta investigação de casos de abuso sexual por parte do clero. Em suas viagens, o papa com frequência era confrontado com a ira das vítimas. O líder da Igreja Católica reforçou as diretrizes para a formação de sacerdotes, mas críticos o acusam de não ter feito o suficiente para esclarecer os casos, que se tornaram conhecidos a partir de 2010.
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"Flagelo" do abuso sexual
Bento 16 descreveu o abuso de menores pelos clérigos como um "flagelo" e um "grande sofrimento". Ele falou com vítimas, como Bernie McDaid nos EUA, e pediu-lhes perdão. No entanto, ele apresentou o abuso como uma ofensa cometida por sacerdotes individuais, sem ver uma responsabilidade da Igreja. Somente seu sucessor, Francisco, convidou para uma cúpula mundial no Vaticano.
Foto: picture-alliance/dpa
Sem igualdade de direitos para mulheres na Igreja Católica
Mulheres não têm acesso a ministérios ordenados. Bento 16 aderiu a esse princípio tão estritamente quanto ao celibato para sacerdotes. Ele também considerava contraceptivos coisas demoníacas. Sempre houve fortes protestos contra a imagem de de Bento 16 sobre as mulheres, como aqui pelas ativistas ucranianas da FEMEN na Praça de São Pedro, em frente ao Vaticano.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Peri
Confrontação com o Islã
No carnaval em Mainz em 2007, Bento 16 foi retratado dirigindo seu papamóvel com os dizeres "autoescola". O pano de fundo foram suas declarações controversas, em que citou o imperador bizantino Manoel 2º Paleólogo, segundo o qual o profeta Maomé havia trazido "somente coisas ruins e desumanas" ao mundo. A escolha das palavras desencadeou uma onda de indignação no mundo muçulmano.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert
Renúncia histórica
Em fevereiro de 2013, Bento 16 renunciou aos cargos de chefe da Igreja Católica e Bispo de Roma por razões de idade e saúde. Foi provavelmente a decisão mais espetacular de seu mandato. A última renúncia de um papa aconteceu há mais de 700 anos: Celestino 5º abdicou em 1292. Como "papa emérito", Bento 16 se mudou para um mosteiro no Vaticano.
Foto: picture-alliance/dpa
Dois papas?
Após abdicar, em 2013, Bento 16 havia prometido submeter-se a seu sucessor, Francisco. Mas o papa emérito voltou a se pronunciar no início de 2020, em um livro, em que se opôs veementemente ao abrandamento do celibato. Antes disso, Francisco não havia mais excluído categoricamente a ordenação de homens casados em resposta à escassez mundial de sacerdotes.
Foto: Reuters/Vatican Media
Dois papas em filme
"Dois papas se encontram... " assim começa uma célebre piada da Igreja, que naturalmente perdeu seu efeito com a renúncia de Bento 16. Por mais inimaginável que pareça o encontro de dois papas vivos, isso tem um efeito fascinante. Em 2019, a plataforma de streaming Netflix conquistou grande sucesso com seu filme "Os Dois Papas", que chegou a ser nomeado para os Globos de Ouro.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Mountain
Viagem à Alemanha
Em junho de 2020, Bento 16, aos 93 anos de idade, fez uma viagem surpresa à Alemanha, ao leito de morte de seu irmão Georg, três anos mais velho. Os irmãos Georg e Joseph sempre foram muito próximos ao longo de suas vidas. Eles foram ordenados sacerdotes juntos em Freising em 29 de junho de 1951. Em 1º de julho de 2020, Georg Ratzinger morreu em Regensburg, na Baviera.