Milhares fogem da Rússia: "Somos apenas bucha de canhão"
Juri Rescheto
25 de setembro de 2022
Após Putin anunciar a chamada "mobilização parcial", russos tentam deixar o país, temendo serem enviados para a guerra. Mas nem todas as nações lhes abrem as portas.
Anúncio
Milhares de russos estão tentando deixar seu país por medo de serem enviados para o front. Segundo o Ministério da Defesa russo, seriam convocados 300 mil homens, com não mais de 55 anos e que já serviram. No entanto, a mídia russa informa que homens mais velhos, sem experiência no Exército, também receberam o chamado para fazer parte da "mobilização parcial". O portal de notícias crítico ao Kremlin Nowaja Gaseta Europa afirma que o número previsto é de até um milhão de convocações. O Kremlin nega, mas entre a população reina a insegurança.
"Na verdade, eu não tenho medo. Se eles quiserem, eles vão conseguir levar todos nós da mesma forma", diz, resignado, Mikhail Bayankin, um trabalhador de armazém de 28 anos da cidade de Tcherepovets. No entanto, ele afirma que nunca pegará uma arma, porque não consegue enxergar claramente os objetivos da chamada "operação especial" militar. "Falam sobre algum tipo de obrigação. Que obrigação? Se nosso país foi atacado, sim, mas aqui somos nós que atacamos um país vizinho."
Quilômetros de filas nas fronteiras
Muitos homens na Rússia pensam como Mikhail. Eles entram no carro ou no avião e vão embora. Aqueles sem visto viajam para Geórgia, Cazaquistão ou Mongólia. Há pessoas que relatam nas redes sociais quilômetros de filas nas fronteiras desses países. Quem tem dinheiro, voa para os Emirados Árabes Unidos, para a Turquia, ou para a Sérvia e a Finlândia, destinos também populares.
Um engenheiro de 34 anos de Krasnodar, que prefere permanecer anônimo, acaba de chegar à capital georgiana de Tbilisi. Em seu país, ele era soldado contratado e, portanto, preenchia os critérios para fazer parte da "mobilização parcial". Em entrevista à Deutsche Welle, ele admite que queria deixar a Rússia há muito tempo. a mobilização não fez mais do que reforçar seu desejo: "Não deixei meu país para sempre. Eu amo a Rússia e definitivamente voltarei algum dia."
O vendedor online Dennis, de 28 anos, de Rostov-on-Don, também nunca quis deixar a Rússia. Mas em 24 de fevereiro, quando a guerra estourou, ele sabia que nada mais estava certo, ele disse à DW: "Todos nós entendemos que a coisa não ia acabar bem, apesar da nossa crença que tudo iria bem até o fim".
Até dois dias atrás, Valeri Klepkin, de 43 anos, morava no norte da Rússia. O engenheiro serviu nas tropas do Ministério do Interior. Quando a guerra começou, Valeri conta à DW, ele recebeu várias convocações dos militares, mas nunca foi. "Sou oficial da reserva de primeiro grau. Não queria esperar muito para me ver diante da opção: prisão ou assassino." Quando veio a notícia da mobilização, Valeri fez as malas e foi imediatamente para a Finlândia, onde tem muitos amigos. O jovem aprendeu a falar finlandês há algum tempo. O avô dele morou lá. Ele está feliz que a sua saída para a Finlândia tenha corrido bem.
Anúncio
Rota fechada para os países bálticos
No entanto, a rota de fuga para os países bálticos está fechada. O ministro do Exterior da Letônia, Edgars Rinkevics, negou a entrada aos russos, argumentando que eles seriam uma ameaça à segurança nacional. Sua contraparte estoniana, Kaja Kallas, também não quer abrir suas portas para homens russos. Em várias ocasiões, ele pediu à oposição russa que garantisse a mudança de regime em seu próprio país. A Lituânia também não quer saber de dar refúgio para russos que não querem ir para o front, nem o governo da República Tcheca. O governo finlandês está considerando interromper completamente o trânsito de cidadãos russos.
O político da oposição russa Lev Schlossberg critica as medidas dos países vizinhos. Em entrevista à Deutsche Welle, ele acusa os governos dos países do Leste Europeu de construírem uma nova Cortina de Ferro. "Mais cedo ou mais tarde, porém, todos nós voltaremos a viver em paz. Será difícil para todos voltarem a ficar juntos."
No entanto, Mikhail Bayankin, 28, não sabe se algum dia verá o dia em que haverá paz. O trabalhador do armazém de Tcherepovets reclama que a vida humana não tem valor para seu governo. "Eles nos dizem, vá para o front. Eles não se importam se algum dia voltaremos. Somos apenas bucha de canhão para eles."
Ataques da Rússia a alvos civis na Ucrânia
Vladimir Putin nega que o exército russo esteja atacando alvos civis na guerra na Ucrânia. Mas os fatos o contradizem, como mostra esta galeria de fotos, que nem de longe abrange todos os ataques russos.
Foto: Maksim Levin/REUTERS
Mais de 5.500 civis mortos
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou no fim de junho: "O exército russo não está atacando alvos civis". Observadores independentes discordam: de acordo com dados da ONU, mais de 5.500 civis morreram na Ucrânia desde o início da guerra e mais de 7.800 ficaram feridos como resultado de ataques russos. Na foto, um centro comercial destruído em Kremenchuk, 27/06/2022.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
Chaplyne: 25 mortos em bombardeio
Uma enorme cratera em Chaplyne. A pequena cidade no leste da Ucrânia, com cerca de 3.800 habitantes, foi alvo de um ataque russo em 24 de agosto, como admitiu mais tarde o Ministério da Defesa em Moscou. O alvo foi um trem de transporte de armas, mas o ataque também atingiu civis. Segundo a companhia ferroviária ucraniana, 25 foram mortos, incluindo duas crianças.
Foto: Dmytro Smolienko/Ukrinform/IMAGO
Vinnytsia: 28 vítimas em ataque com foguete
Em 14 de julho, o exército russo atingiu com um míssil a Casa dos Oficiais de Vinnytsia, onde teria ocorrido "uma reunião da liderança militar das Forças Armadas ucranianas e fornecedores estrangeiros de armas". Entre os 28 mortos, estavam três crianças e três oficiais, além de mais de 100 feridos. Vinnytsia se localiza a sudoeste de Kiev.
Foto: State Emergency Service of Ukraine/REUTERS
Chasiv Yar: 48 mortos em bombardeio
Na noite de 9 de julho, a pequena cidade de Chasiv Yar, no leste da Ucrânia, foi bombardeada. Segundo a mídia, os lançadores de foguetes múltiplos Uragan foram disparados em áreas residenciais. Um edifício residencial de cinco andares foi duramente atingido, e 48 corpos foram resgatados de seus escombros.
Foto: Nariman El-Mofty/AP/dpa/picture alliance
Serhiyivka: 21 mortos em ataque com mísseis de cruzeiro
Um ataque a Serhiyivka em 1º de julho custou pelo menos 21 vidas. O porto perto de Odessa aparentemente foi atingido por mísseis de cruzeiro durante a noite, como a Anistia Internacional informou após investigações no local. Pelo menos 35 ficaram feridos nos ataques. Por ser um resort de saúde, Serhiyivka é particularmente popular entre os turistas russos.
Foto: Maxim Penko/AP/picture alliance
Kramatorsk: 61 mortos na estação de trem
Imagens terríveis de Kramatorsk deram a volta ao mundo em 8 de abril: vários mísseis submarinos russos 9K79-1 Tochka atingiram a estação ferroviária da cidade no leste da Ucrânia, enquanto passageiros esperavam pelo trem. 61 foram mortos, incluindo sete crianças. Cientistas de balística determinaram que os mísseis haviam sido disparados da área da Ucrânia controlada pelos russos.
Foto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel/dpa/picture alliance
Bucha: encontrados 1.316 corpos
Bucha tornou-se sinônimo das ações brutais do Exército russo: depois que as tropas inimigas partiram, em 30 de março, vários corpos jaziam na rua Jablunska. No total, foram encontrados 1.316 corpos em Bucha e arredores. Embora a Rússia tenha negado quaisquer massacres, verificadores de fatos internacionais e equipes de investigação confirmaram execuções de civis por soldados russos.
Foto: Zohra Bensemra/Reuters
Mykolaiv: 36 mortos em ataque à administração regional
Em 29 de março, um ataque aéreo atingiu o prédio da administração regional de Mykolaiv. A parte central do edifício foi completamente destruída, do primeiro ao nono andar, restando apenas um esqueleto do prédio. A explosão também danificou vários edifícios residenciais e administrativos próximos, causando a morte de 36 cidadãos.
Em 16 de março, uma bomba destruiu o teatro no centro de Mariupol. De acordo com a Human Rights Watch, mais de 500 civis estavam se abrigando dos ataques no prédio na época. A palavra "Crianças" escrita em enormes letras brancas na frente e atrás do prédio não serviu como escudo. Segundo a prefeitura, 300 morreram.
Foto: Pavel Klimov/REUTERS
Mariupol: quatro mortos em ataque a clínica
Um ataque aéreo russo em 9 de março destruiu o hospital infantil e a maternidade de Mariupol. Houve menos quatro mortes, incluindo uma grávida e seu bebê, 17 ficaram feridos. Enquanto o Ministério da Defesa russo falou de uma "provocação encenada", o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, chamou o atentado de "crime de guerra".
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance
Charkiv: foguete mata 24 pessoas
Um vídeo de vigilância divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia mostrou um foguete atingindo o prédio da Administração Estatal Regional de Kharkiv em 1º de março, causando 24 mortes, inclusive de transeuntes.
Foto: Pavel Dorogoy/AP/picture alliance
Inquérito do Tribunal Penal Internacional
As autoridades ucranianas relatam mais de 29 mil crimes de guerra, do início do conflito, em 24 de fevereiro de 2022, até 26 de agosto. Investigações independentes prosseguem. O Tribunal Penal Internacional enviou equipes para coletar informações. De acordo com as Convenções de Genebra, ataques deliberados a civis são crimes de guerra. No entanto, a Rússia não reconhece a corte sediada em Haia.