Milhares protestam em Barcelona contra independência catalã
4 de março de 2018
Em tom satírico, grupo pede que território fictício de Tabarnia (Tarragona e Barcelona) peça separação da região catalã e permaneça na Espanha. Protesto pró-unidade é criticado por banalizar movimento separatista.
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Milhares de pessoas saíram às ruas de Barcelona neste domingo (04/03) em protesto contra a independência da Catalunha e a favor da unidade da Espanha. A manifestação reuniu 15 mil pessoas, segundo a polícia da capital catalã, enquanto os organizadores falam em 75 mil a 200 mil.
Esse foi o primeiro grande ato convocado pelo movimento Plataforma por Tabarnia, que ganhou força nos últimos meses com seu tom satírico. Tabarnia é um território imaginário composto pelas províncias catalãs de Barcelona e Tarragona, onde o apoio à independência é menor do que em outras partes da região.
O grupo – conhecido por atacar com ironia e bom humor o processo independentista catalão, evidenciando suas contradições – exige que a fictícia Tabarnia peça independência da Catalunha e permaneça na Espanha caso a região consiga, de fato, se separar de Madri.
As ruas do centro de Barcelona neste domingo estavam cheias de bandeiras espanholas, bem como as da região imaginária. Também tocou-se uma música que seria o hino nacional da Tabarnia. Manifestantes "tabarneses", segundo eles mesmos se declaravam, carregavam cartazes com frases como "A piada acabou" e "Tabarnia livre do populismo".
"Estamos aqui porque estamos fartos. Fartos do processo de independência e de uma minoria que está nos levando à beira do abismo", afirmou a manifestante Mari Carmen Guerrero, de 33 anos, que trazia uma bandeira da Tabarnia em volta do pescoço.
O protesto também contou com uma oferenda de flores ao monumento do líder catalão Rafael Casanova (1660-1743) – outro ato satírico do grupo Plataforma por Tabarnia, que acusa os independentistas de manipularem a figura histórica de Casanova para convertê-lo em ícone do soberanismo.
"Queremos ser o espelho do que representa o movimento de independência", disse Miguel Martinez, um dos organizadores do protesto, ao jornal espanhol El Periodico. "Você vê quão absurdos são seus argumentos. Este não é o momento de delimitar fronteiras, mas sim de ficarmos unidos, tanto na Espanha como na União Europeia."
A manifestação recebeu o apoio inclusive do empresário espanhol Álvaro de Marichalar. "Esses protestos são necessários para que as pessoas percebam que há manipulação política em todos os níveis. É daí que vem o separatismo", afirmou ele ao diário espanhol ABC. Marichalar ainda culpou a corrupção pela onda de nacionalismo na Catalunha e em outras regiões autônomas da Espanha.
O movimento por Tabarnia
A campanha satírica em torno dessa região fictícia começou na âmbito do referendo de independência da Catalunha, em outubro do ano passado, mas ganhou força após as eleições regionais em dezembro, quando três partidos separatistas conquistaram a maioria absoluta (70 dos 135 assentos) no Parlamento catalão.
Com a ascensão do movimento, uma petição foi aberta no site Change.org a favor de que a Tabarnia force sua própria separação da Catalunha se o processo independentista catalão tiver sucesso. Até este domingo, mais de 280 mil pessoas já haviam assinado a petição online.
A região fictícia tem, inclusive, seu próprio presidente exilado. O papel é desempenhado pelo ator e diretor Albert Boadella, um crítico declarado do processo de independência da Catalunha. Como um "exilado", ele não compareceu à manifestação deste domingo.
A brincadeira é uma referência ao líder catalão Carles Puigdemont, que fugiu para Bruxelas depois que a Justiça espanhola passou a agir contra ex-membros do Executivo autônomo da Catalunha, destituído por Madri em outubro de 2017 por impulsionar um processo independentista.
Enquanto muitos catalães entram na brincadeira, alguns acusam a chamada Plataforma por Tabarnia de banalizar o verdadeiro movimento de independência da Catalunha, que os separatistas dizem ser baseado na cultura e identidade distintas da região, bem como numa longa história de tensões entre os governos em Barcelona e Madri.
O protesto deste domingo ocorreu três dias depois de Puigdemont, que tem um mandado de prisão em seu nome, ter retirado sua candidatura à presidência da Catalunha, sob a justificativa de querer facilitar a formação de "um governo o mais rápido possível".
EK/dpa/afp/efe/ots
Breve história da Catalunha
Desejo de independência da Espanha é acalentado pelos catalães há muito tempo. Ao longo dos séculos, região experimentou vários graus de autonomia e repressão.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/F. Seco
Antiguidade rica
A Catalunha foi habitada por fenícios, etruscos e gregos, que estiveram nas áreas costeiras de Rosas e Ampúrias (acima). Depois vieram os romanos, que construíram mais assentamentos e infraestrutura. A Catalunha foi uma parte do Império Romano até ser conquistada pelos visigodos, no século 5.
Foto: Caos30
Condados e independência
A Catalunha foi conquistada pelos árabes no ano 711. O rei franco Carlos Magno interrompeu o avanço deles em Tours, no rio Loire, e em 759 o norte da Catalunha se tornou novamente cristão. Em 1137, os condados que compunham a Catalunha iniciaram uma aliança com a Coroa de Aragão.
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Guerra e perda de território
No século 13, as instituições de autoadministração catalã foram criadas sob o nome Generalitat de Catalunya. Depois da unificação da Coroa de Aragão com a de Castela, em 1476, Aragão pôde manter suas instituições autônomas. No entanto, a revolta catalã – de 1640 a 1659 – fez com que partes da Catalunha fossem cedidas à atual França.
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Lembrando a derrota
No final da Guerra da Sucessão, Barcelona foi tomada, em 11 de setembro de 1714, pelo rei espanhol Felipe 5°, as instâncias catalãs foram dissolvidas e a autoadministração chegou ao fim. Todos os anos, em 11 de setembro, os catalães fazem uma grande comemoração para lembrar o fim do seu direito à autonomia.
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República passageira
Após a abdicação do rei Amadeo 1°, da Espanha, a primeira república espanhola foi declarada em fevereiro de 1873. Ela durou apenas um ano. Os partidários da república estavam divididos, com um grupo apoiando uma república centralizada e outros, um sistema federal. A foto mostra Francisco Pi y Maragall, um partidário do federalismo e um dos cinco presidentes da república de curta duração.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Tentativa fracassada
A Catalunha tentou estabelecer um novo Estado dentro da república espanhola, mas isso apenas exacerbou as diferenças entre os republicanos e os enfraqueceu. Em 1874, a monarquia e a Casa de Bourbon, liderada pelo rei Afonso 12 (foto), retomaram o poder.
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Direitos de autonomia
Entre 1923 e 1930, o general Primo de Rivera liderou uma ditadura – com o apoio da monarquia, do Exército e da Igreja. A Catalunha se tornou um centro de oposição e resistência. Após o fim do regime, o político Francesc Macia (foto) conseguiu impor direitos importantes de autonomia para a Catalunha.
Fim da liberdade
Na Segunda República Espanhola, os legisladores catalães trabalharam no Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado pelo Parlamento espanhol em 1932. Francesc Macia foi eleito presidente da Generalitat de Catalunha pelo Parlamento catalão. No entanto, a vitória de Franco no fim da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) acabou com tudo isso.
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Opressão
O ditador Francisco Franco governou com mão de ferro. Partidos políticos foram proibidos, e a língua e a cultura catalãs, reprimidas.
Foto: picture alliance/AP Photo
Novo estatuto de autonomia
Após as primeiras eleições parlamentares que se seguiram ao fim da ditadura de Franco, a Generalitat da Catalunha foi provisoriamente restaurada. Sob a Constituição democrática espanhola de 1978, a Catalunha recebeu um novo estatuto de autonomia, apenas um ano depois.
O novo estatuto de autonomia reconheceu a autonomia da Catalunha e a importância da língua catalã. Em comparação com o estatuto de 1932, ele apresentou avanços nos campos da cultura e educação, mas restrições no âmbito da Justiça. A foto é de Jordi Pujol, que foi por longo tempo chefe de governo da Catalunha depois da ditadura.
Foto: Jose Gayarre
Anseio por independência
O desejo por independência da Espanha se tornou mais forte nos últimos anos. Em 2006, a Catalunha recebeu um novo estatuto, que ampliou ainda mais os poderes do governo catalão. No entanto, eles são perdidos após uma queixa levada pelo conservador Partido Popular ao Tribunal Constitucional espanhol.
Foto: Reuters/A.Gea
Primeiro referendo
Um referendo sobre a independência estava previsto para 9 de novembro de 2014. A primeira questão era "você quer que a Catalunha se torne um Estado?" No caso de uma resposta afirmativa, a segunda pergunta era "você quer que esse Estado seja independente?" No entanto, o Tribunal Constitucional suspendeu a votação.
Foto: Reuters/G. Nacarino
Luta de titãs
Desde janeiro de 2016, Carles Puigdemont é o presidente do governo catalão. Ele deu continuidade ao curso separatista de seu antecessor, Artur Mas, e convocou um novo referendo para 1° de outubro de 2017. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse que a consulta é inconstitucional.