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Milton Hatoum: "A literatura exige uma entrega passional"

13 de outubro de 2012

Um dos 11 escritores brasileiros na Feira de Frankfurt, autor fala sobre a carreira e literatura em entrevista à DW Brasil. Homenagem ao Brasil em 2013 é uma oportunidade para traduzir clássicos e contemporâneos, diz.

Foto: DW

O amazonense Milton Hatoum publicou seu primeiro romance, Relato de um certo Oriente, em 1989. Desde então, escreveu outros quatro, além de um livro de contos. Publicado em 2000, Dois irmãos é um de seus livros mais conhecidos, tendo vencido o Prêmio Jabuti e sido eleito o melhor romance brasileiro no período entre 1990 e 2005 em uma pesquisa feita pelos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas.

Hatoum foi professor de literatura francesa na Universidade Federal do Amazonas e atuou como professor visitante e escritor residente nas universidades da Califórnia, Yale e Stanford, nos EUA. Sua obra foi traduzida para 12 idiomas e publicada em 14 países. Desde 1998, vive em São Paulo e é colunista do Caderno 2 do Estado de S. Paulo.

Em entrevista à DW Brasil, Hatoum falou sobre sua carreira, sobre literatura brasileira e sobre seu novo romance, com o título provisório O lugar mais sombrio. Neste domingo (14/10), Hatoum será o escritor que representará o Brasil na cerimônia de encerramento da Feira do Livro de Frankfurt, quando o país assume o título de homenageado em 2013.

DW Brasil: Como começou sua carreira literária?

Milton Hatoum: Escrevi meu primeiro poema em 1969. Eu tinha 16 anos e ganhei um concurso do Correio Braziliense. Saí de Manaus em 1967 e morei dois anos em Brasília, onde eu lia muito, frequentava livrarias. Depois, vivi em São Paulo durante a década de 1970. Escrevi vários contos não publicados, mas publiquei um livrinho de poesias: Amazonas, um rio entre ruínas. Esse livro surgiu junto com uma revista de literatura que fundei com amigos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Também trabalhei como jornalista freelancer na Istoé. Mas eu queria escrever. Queria ser poeta, na verdade. Junto com a arquitetura, frequentei cursos de teoria literária na USP, li os clássicos. Um dia decidi sair do Brasil e fui morar em Madri e Barcelona. Depois, fui para Paris e comecei a escrever meu primeiro romance, Relato de um certo Oriente, publicado sete anos depois, em 1989. Mais tarde, larguei meu emprego estável na Universidade Federal do Amazonas para poder escrever mais.

'Dois irmãos' foi traduzido para vários idiomas, inclusive alemão, e será adaptado para a TV

O que é a literatura para você?

A literatura é um dos modos de se ver o mundo, que se expressa pela linguagem. A literatura exige uma espécie de entrega passional, que não deve ser confundida com um sentimentalismo rasteiro. Eu não conseguiria escrever um romance se não fosse movido por uma paixão, um desejo de escrever. Não teria por que me forçar a fazer algo que não me move nem me comove. Da mesma forma, sou um leitor apaixonado. Depois de terminar um romance, posso passar semanas sem escrever, mas não passo um único dia sem ler.

Você viveu em Brasília, São Paulo, Madri, Barcelona e Paris, mas foi o período em Manaus, até os 15 anos de idade, que claramente mais te marcou e está muito presente em seus livros. Quanto de autobiográfico há em suas obras?

Eu me identifico com romances em que o leitor nota alguns traços autobiográficos. Essa literatura é mais viva do que uma muito artificial, cerebral. Nos meus livros, tem alguma coisa da minha vida, mas ninguém reconhece, nem a minha família. Alguma coisa de mim existe nos personagens, em alguns episódios da trama, mas tudo é muito bem trabalhado. Porque escrevo sobre o passado. A literatura é nossa memória transfigurada pelo tempo.

O fato de a Amazônia, presente em seus livros, provocar fascínio e curiosidade nas outras regiões brasileiras e no exterior contribui para a boa recepção de sua obra?

Acho que não. Até pode despertar curiosidade, pela via exótica. Mas não são livros exóticos, são dramas humanos. E acho que a Amazônia está presente de uma forma muito lateral. Sou um amazonense urbano, de Manaus, não tenho experiência com as comunidades ribeirinhas, a vida na floresta, os índios. Mas os índios caboclos, “aculturados” e explorados estão presentes na minha vida. Todas as empregadas da minha casa eram índias. Então, a questão da Amazônia está presente em vários momentos.

Em que passo está seu novo romance? De que se trata?

Ainda não sei quando vai sair. Se eu terminar até julho do ano que vem, sai ainda em 2013. Tem um título provisório, O lugar mais sombrio. Traduz uma experiência que, em parte, já está no Cinzas do Norte. É como se fosse o livro reescrito sob uma outra perspectiva – de Brasília, São Paulo e Paris –, falando de uma juventude desiludida.

Dois de seus livros serão adaptados para o cinema. Como anda a produção dos filmes? Acha que vão ampliar o interesse por seus livros?

De repente me vi cercado de bons cineastas que querem adaptar meus livros – Relato de um certo Oriente, por Marcelo Gomes, Órfãos do Eldorado, por Guilherme Coelho, e Dois irmãos para uma minissérie da Globo, o que ainda está em aberto. E agora Sérgio Machado – diretor de Cidade Baixa e Quincas Berro D'Água – quer adaptar um de meus contos, O Adeus do comandante, do livro A cidade ilhada. As filmagens de Órfãos do Eldorado começam no ano que vem, acho que as de Relato de um certo Oriente em 2014, e o conto, ainda não sei.Acho que muita gente que vai querer ver os filmes sem ter lido os romances, e alguém – cinco, dez, quantos forem – vai querer ler os romances.

Homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt de 2013 é justa, considera HatoumFoto: dapd

Você já teve livros publicados em 14 países, inclusive aqui na Alemanha. Como você vê a projeção da sua e da literatura brasileira fora do Brasil e especificamente na Alemanha?

Eu não esperava isso. A língua portuguesa, a nossa literatura, ainda não tem uma presença na Europa. Muito menos nos Estados Unidos, onde o mercado editorial é muito fechado. Menos de 5% dos livros publicados nos EUA são traduções, e aqui na Europa isso chega a 20%, 30%. Eu tive sorte. A recepção crítica na Alemanha foi muito boa, saí nos jornais Frankfurter Allgemeiner, Süddeutsche Zeitung. E quando saiu a edição inglesa do Órfãos do Eldorado, em 2010, foi considerada um dos dez melhores livros estrangeiros pelo Financial Times. Não vou ser hipócrita e dizer que tudo isso tanto faz. Se não tivesse saído em lugar nenhum, é como se o livro não existisse.

Como você vê a importância de o Brasil ser o convidado de honra da Feira de Frankfurt de 2013?

Acho uma homenagem justa. Foi preciso um Nobel português [José Saramago] para aumentar o interesse pela literatura brasileira, mas o Brasil ficou à margem. Assim como ficou à margem do boom latino-americano dos anos 1960, 1970, que na verdade foi hispano-americano – com García Márquez, [Julio] Cortázar, [Carlos] Fuentes e não Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa. Acho que a homenagem ao Brasil em 2013 na Feira de Frankfurt pode corrigir essa injustiça literária. Para o Brasil, será uma oportunidade de traduzir os nossos clássicos do século 19 e 20 ainda não traduzidos e também os autores contemporâneos. E acho que a Alemanha estará na vanguarda.

Autora: Luisa Frey
Revisão: Mariana Santos

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