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Minas de guerra russas ameaçam segurança alimentar mundial

Anna Chaika
22 de outubro de 2024

Subprodutos da guerra na Ucrânia, explosivos terrestres deixados pelas tropas russas em solo ucraniano prejudicam o "cesto de pão do mundo" e agravam escassez de grãos e óleos comestíveis no mercado internacional.

Soldado ao fundo de campo florido
Autoridades calculam em até 30 anos tempo necessário para desminar campos ucranianosFoto: Jose Colon/Anadolu/picture alliance

O fato de a Ucrânia ter se transformado no país mais contaminado por minas terrestres desde a Segunda Guerra Mundial lança uma sombra sobre a segurança alimentar global. A conclusão consta de um estudo realizado pelo Tony Blair Institute for Global Change de Londres, em conjunto com o Ministério ucraniano da Economia.

Numa entrevista recente à Donbas Realii – emissora regional de notícias do Serviço Ucraniano da Rádio Europa Livre (RFE) –, um agricultor do país contou como teve que "arrancar as minas com as mãos nuas", e que havia "arriscado a vida" para eliminar os artefatos deixados pelos russos que ocuparam a área.

Mesmo após a retirada das tropas da Rússia de partes da Ucrânia, fazendeiros ainda enfrentam dificuldades, sendo obrigados a semear seus cereais e sementes oleaginosas em campos infestados de minas.

Em 17 e 18 de outubro, a Suíça e a Ucrânia realizaram em conjunto a Ukraine Mine Action Conference (UMAC2024), visando ajudar o país ainda sob ofensiva russa a desminar cerca de 5 milhões de hectares, ou 10% de sua terra arável. Além disso, em 139,3 mil quilômetros quadrados (quase 25% de todo o território do país) é preciso conferir o grau de contaminação com minas, artilharia não deflagrada e outros explosivos.

Antes da invasão pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, a agricultura era um pilar da economia ucraniana, responsável por quase 11% do PIB nacional. No fim de 2023, essa cifra caíra para 7,4%.

Segundo dados do relatório do Instituto Tony Blair, as minas terrestres estão comprometendo anualmente o equivalente a 5,6% do PIB país agredido, ou 11,2 bilhões de dólares (R$ 63,2 bilhões). A maior parte da queda foi causada pela redução das exportações agrárias, e foi uma das principais razões para o crescente déficit econômico ucraniano.

Grandes extensões de terra fértil da Ucrânia estão contaminadas por artefatos explosivos russosFoto: Jose Colon/Anadolu/picture alliance

"Cesto de pão do mundo" sob ameaça ambiental

A presença das minas torna improvável que as exportações de alimentos da Ucrânia retornem a seus níveis pré-guerra num futuro próximo, mesmo em regiões onde as tropas russas foram forçadas a bater em retirada.

A organização canadense Mriya Aid está auxiliando na remoção das minas. Embora não trabalhe diretamente com os agricultores, ela apoia o treinamento dos sapadores (soldados responsáveis pela remoção de minas terrestres), fornecendo financiamento e equipamento para remover os artefatos em várias partes do país.

Segundo sua presidente, Lesya Granger, a desminagem da Ucrânia é também crucial para prevenir futuros danos ambientais, tais como "vazamento de substâncias tóxicas para o solo e a água, ou liberação de partículas danosas para a atmosfera, devido a explosões".

As enormes extensões de solo negro fértil da Ucrânia lhe valeram o apelido de "cesto de pão do mundo". Liberar a terra de minas e outras contaminações causadas pela terra, portanto, é vital para restaurar seu papel como líder de exportações de grãos.

Países da Ásia e África, por exemplo, compraram mais de 90% do trigo ucraniano exportado entre 2016 e 2021. Após a invasão de 2022, contudo, mais de um quarto de seu solo foi inutilizada pela guerra – uma área equivalente à da Bélgica.

Os efeitos da guerra no Leste Europeu sobre o mercado de alimentos se fizeram sentir também no Brasil, pelo menos temporariamente. Em julho de 2023, o ministro da Agricultura e Pecuária Carlos Fávaro comentava à CNN: "Não somos autossuficientes. Exportamos um pouco, compramos um pouco mais. Então, o balanço é que o Brasil ainda depende de 5,5 milhões de toneladas de trigo [da Ucrânia]."

África é região mais afetada por queda de exportações

Apesar de tudo, a Ucrânia continua sendo um importante produtor global de alimentos. No ano fiscal de 2023-24 – o período de 12 meses em que a safra é cultivada, colhida e vendida –, a Ucrânia exportou 57,5 milhões de toneladas métricas de cereais e sementes oleaginosas, tendo a Espanha, Egito e Indonésia como maiores importadores, segundo a associação nacional de grãos.

A situação é especialmente delicada na África, onde nações como o Egito e a República Democrática do Congo dependem da Ucrânia e a Rússia para mais de 75% de suas importações de cereais. Logo após o início da invasão russa, entre fevereiro e março de 2022, o World Food Price Index da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) teve um acréscimo de 12,6% – o maior desde que foi criado, na década de 1990.

Em 2023 a Ucrânia fez progressos significativos em reativar suas exportações, graças ao acordo com a Rússia que estabeleceu a Iniciativa de Grãos do Mar Negro, permitindo remessas a partir do porto de águas profundas de Odessa. Quando em agosto esse acordo teve fim, por determinação de Moscou, a Ucrânia formou um novo corredor de exportações.

Mas o enfraquecimento das exportações ucranianas segue sendo uma ameaça para as nações da África, segundo um relatório do Banco Africano de Desenvolvimento. Os preços médios ao consumidor cresceram 17% no continente em 2023. Enquanto a África Oriental registrou um pico de inflação de 26,5%, países como o Sudão alcançaram extremos superiores a 200%.

Walter Leal, diretor do Centro de Pesquisa e Transferência da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, explica que a Argélia e a Líbia, entre outros, conseguiram conter o impacto da alta de preços com o faturamento de suas exportações de petróleo e gás. Porém para o Iêmen, Líbano ou Sudão, "a ajuda alimentar internacional permanece crítica".

Soldado examina campo de girassóis à procura de minas russasFoto: Andriy Andriyenko/SOPA Images/Sipa USA/picture alliance

Impossível prever quando a situação se normalizará

O economista ucraniano Oleg Pendzin lembra que as minas terrestres são apenas um dos muitos problemas afligindo a agricultura, no momento: "Você pode remover as minas e obter financiamento internacional, mas drones ainda podem atacar, colocando os trabalhadores em perigo."

Ele considera também crucial restaurar o abastecimento d'água e reconstruir a barragem de Kakhovka, que fornecia água para a Crimeia, a usina nuclear de Zaporíjia e toda a região, e foi destruída em junho de 2023. Além do mais, a guerra causou escassez de mão de obra agrária.

"Se as pessoas fugiram ou foram recrutadas, a terra permanece ociosa. Desminada ou não, não há ninguém para cuidar dela. Lugarejos do leste da Ucrânia estão desertos, só sobraram os moradores mais velhos."

No momento não há como prever quando a Ucrânia estará livre das minas terrestres e explosivos deixados pela guerra. Até mesmo as autoridades nacionais diferem em suas estimativas: enquanto o ministro do Interior, Ihor Klymenko, afirma que a desminagem pode levar 10 anos, o ex-ministro da Defesa Oleksii Reznikov fala em 30 anos.

É por isso que a guerra na Ucrânia continuará "piorando a segurança alimentar", prevê Walter Leal. "Especialmente em países com populações vulneráveis, os custos crescentes de grãos, óleos vegetais e fertilizantes resultarão em preços mais altos de alimentos, inflação crescente e potencial de instabilidade política."