"Minha luta é pela proteção do Brasil", diz cacique Raoni
Karina Gomes
20 de outubro de 2019
Em entrevista à DW, líder caiapó rebate Bolsonaro, afirma que nunca vai aceitar a destruição de suas terras e pede que governo deixe os indígenas em paz: "Somos os verdadeiros brasileiros".
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Com fala incisiva e gestos imperativos, o cacique Raoni Metuktire, do povo caiapó, liderança indígena de destaque internacional, repete a mensagem que tem espalhado pelo mundo há mais de cinco décadas: "Minha luta é a proteção da floresta para que, assim, todos vocês possam viver em paz. Minha luta é pela proteção da Amazônia, pela proteção do Brasil."
Desde os anos 1960, Raoni se encontra com líderes globais em defesa da Amazônia e dos povos indígenas. Durante a Constituinte, pressionou os congressistas a aprovarem uma Constituição favorável às demandas dos povos indígenas. Neste ano, o cacique indicado ao prêmio Nobel da Paz esteve em vários países europeus para alertar sobre retrocessos nas políticas ambientais e indigenistas no Brasil.
Raoni, de 87 anos, falou à DW a partir de Peixoto de Azevedo, em Mato Grosso, a cidade mais próxima de sua aldeia dias antes de participar, na quinta-feira (17/10), de um ato nacional em defesa do meio ambiente e dos povos da Amazônia, em Marabá, no Pará.
O cacique rebateu as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que é uma "peça de manobra" de governos estrangeiros. "Quem quer o controle de tudo é você [Bolsonaro] , o que eu quero é proteger os territórios indígenas", afirmou. "Nós somos os verdadeiros brasileiros. Você quer nos desunir."
"Não destruam o futuro de nossas crianças", diz Raoni
02:07
DW: No Fórum de Investimentos Brasil 2019, o presidente Jair Bolsonaro disse que acabou o que chama de "monopólio do Raoni na Amazônia". Segundo o presidente, a visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros. Como o senhor avalia essas afirmações?
Raoni Metyktire: Nós somos os verdadeiros brasileiros. Você [Bolsonaro] quer nos desunir, quer enfraquecer a Funai para não demarcar mais nossos territórios. Vocês [governo] têm que proteger nossos territórios para que nós possamos viver em paz com a nossa cultura e tradição. É para isso que eu estou lutando. Enquanto eu estiver aqui eu vou continuar lutando em defesa do meu povo. O que você chama de monopólio, eu chamo de luta pela defesa dos povos indígenas. Quem quer o controle de tudo é você, o que eu quero é proteger os territórios indígenas.
No discurso na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o senhor é usado como peça de manobra por governos estrangeiros que têm interesse na Amazônia. Qual é a importância da sua atuação internacional para a proteção da floresta amazônica?
Já faz um bom tempo que eu venho falando para os líderes brasileiros: Vamos nos respeitar, nos amar para que todos vivam em paz. Quando viajo para outros países, eu levo a minha mensagem que é para todos os povos se respeitarem. Eu não sou peça de manobra, como alguns dizem. Minha luta sempre foi e sempre será em defesa do meu povo, em defesa da floresta. Eu tenho uma grande preocupação com as gerações futuras, como será o futuro de nossas crianças se não protegermos as florestas, os rios e os animais.
O que senhor tem a dizer sobre as intenções do governo de regulamentar garimpos em áreas de reserva e de não avançar com a demarcação de terras indígenas?
O que esse atual governo vem falando sobre a mineração em terras indígenas me preocupa muito.Eu não aceito a destruição das terras indígenas. Eu não aceito garimpeiro, madeireiro no meu território. Nos deixem em paz, nos deixem viver em paz em nossos territórios.Não destruam o futuro de nossas crianças com suas ganâncias. Se o invasor entrar em nossas terras, destruirá tudo. E o que será do nosso futuro? Essa é a minha preocupação.
Como o senhor vê o futuro da Amazônia e das populações indígenas no Brasil?
Eu gostaria de falar algo para todos vocês: Minha luta é pelo futuro e pelo presente de todos vocês. Minha luta é a proteção da floresta para que, assim, todos vocês possam viver em paz. Minha luta é pela proteção da Amazônia, pela proteção do Brasil. Se as florestas forem destruídas, o que será de todos nós? Se tudo for desmatado, não existirá mais nada. Esse é meu recado para vocês.
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.