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Wyllys: "Minha saída é mais poderosa que minha permanência"

18 de fevereiro de 2019

Em Berlim, ex-deputado faz críticas ao governo Bolsonaro e diz que sua partida serviu para atrair os "olhos do mundo democrático" para o Brasil. Ele conta que negou asilo político da França e pretende ficar na Alemanha.

Jean Wyllys em Berlim
Jean Wyllys participou de coletiva de imprensa em BerlimFoto: DW/C. Neher

Desde que Jean Wyllys anunciou sua renúncia ao mandato na Câmara, seu paradeiro era uma incógnita. Em Berlim, ele fez sua primeira aparição pública na estreia do filme Marighella e, nesta segunda-feira (18/02), realizou uma coletiva de imprensa. No evento, o ex-deputado do Psol comentou sua decisão de deixar o Brasil e falou sobre o atual cenário político do país.

Aos jornalistas, Wyllys disse que está vivendo em Berlim e que conta com a ajuda de amigos até encontrar um lugar para morar e um trabalho. Com planos de fazer doutorado, ele revelou já estar em contato com diversas instituições que têm interesse em acolhê-lo como pesquisador ou professor visitante.

O ex-deputado afirmou ainda que não pretende pedir asilo político na Alemanha, país onde planeja permanecer por um tempo. "Tive uma oferta de asilo político por parte do governo francês, mas o asilo político demora um tempo para sair, e há outras pessoas que precisam dele. Para mim, permanecer aqui com visto de estudante e pesquisador é muito melhor", disse.

"O recado político já foi dado. Minha decisão foi um ato de preservação da minha vida e proteção da minha família, mas também um recado ao mundo e uma maneira de deixar de naturalizar o que estava sendo naturalizado no Brasil."

Wyllys afirmou que, mesmo fora do país, pretende continuar atuando como ativista pelos direitos LGBT e em defesa da democracia. Ele descartou voltar ao Brasil enquanto o grupo político ligado ao presidente Jair Bolsonaro estiver no poder.

"Alertar o mundo democrático e fazer com que os olhos deste mundo se voltem ao Brasil é uma maneira de colocar o país sob vigilância e proteger as pessoas que estão ameaçadas. Nesse sentido, minha saída é muito mais útil e poderosa do que a minha permanência", argumentou.

Sobre seus planos para o futuro, Wyllys relatou que pretende estudar o fenômeno das notícias falsas, focando como as fake news e discursos de ódio afetam processos eleitorais, o modo de vida de minorias e as democracias de maneira geral.

"As novas tecnologias permitiram a dissolução da fronteira entre a verdade e a mentira", destacou. "Os fatos já não interessam. As pessoas não se interessam mais por fatos. Vemos mentiras produzidas em larga escala por uma massa de mídias e, ao mesmo tempo, uma ameaça violenta contra pessoas que se insurgem contra essas mentiras e querem colocar a verdade."

Em entrevista à DW após a coletiva, Wyllys afirmou que as redes sociais – como importantes meios de comunicação e de expressão e sendo a principal plataforma de propagação de notícias falsas – precisam pensar em como conter as fake news e em como usar esse espaço para instruir a população sobre o que é verdade e o que é mentira.

"Os governos democráticos devem pensar juntos em formas e legislações, porém sem produzir censura, para controlar essas plataformas e evitar que elas afetem os processos eleitorais e sejam utilizadas para destruir a democracia", opinou.

Governo Bolsonaro

Na coletiva, o ex-deputado fez duras críticas ao governo Bolsonaro e, principalmente, às propostas anticrime apresentadas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. "Por trás desse pacote de segurança pública está na verdade uma tentativa de legalizar a repressão contra a oposição política que vai haver ao governo Bolsonaro e às medidas ultraliberais", disse.

Wyllys ainda chamou de lamentável a suposta reação de Bolsonaro ao anúncio de que ele estava deixando o país – em 24 de janeiro, logo após a decisão se tornar pública, o presidente escreveu "Grande dia" no Twitter, embora negue que estivesse se referindo ao deputado do Psol. Para Wyllys, a atitude só reforçou a impressão de que o país realmente não era mais seguro para ele.

"Um presidente deve cuidar de toda a população de seu país. Depois de eleito, ele é responsável pela população. Mas esse sujeito ainda não age como presidente da República. Ele continua agindo como se ainda estivesse em campanha. Tratando as 40 milhões de pessoas que não lhe deram votos, que votaram em outros candidatos, como inimigos", afirmou.

O ex-deputado classificou o atual governo de uma ditadura. A DW questionou o porquê dessa definição, uma vez que Bolsonaro foi eleito nas urnas. Wyllys argumentou que o Brasil enfrenta um estado de pós-democracia, que seria caracterizado, segundo ele, pela permanência de instituições democráticas vazias e pela hegemonia do mercado unido a um Estado repressivo.

"Neste novo estágio, temos um Estado mínimo em respeito a políticas sociais, um mercado livre com todos os seus males, e um Estado máximo em respeito à repressão e penalização. Essa é a nova face deste governo brasileiro, que foi de fato eleito, mas podemos questionar essa eleição, que não foi baseada num debate público, mas somente em fake news", disse.

A esquerda brasileira

Na coletiva, Wyllys fez ainda críticas à esquerda brasileira, que, segundo ele, não enfrentou questões sociais importantes como a igualdade de gênero, o machismo, o racismo, o antissemitismo e a homofobia. Ele destacou, no entanto, que a esquerda não deve ser culpada pela eleição de Bolsonaro.

"As esquerdas trabalham com a ideia de diversidade e acham que minorias étnicas e religiosas não podem ser consideradas responsáveis por crises econômicas, que problemas complexos, como a segurança pública, não podem estar na conta de pretos pobres que moram em favelas. As esquerdas não podem fugir desses debates, se eles incomodam a classe média. E, se a classe média vota num fascista, o problema não é da esquerda."

Para o ex-deputado, a eleição de Bolsonaro foi movida pela falta de memória sobre a escravidão no Brasil, pelo machismo, pela homofobia, pela rede de manipulação de notícias falsas, por empresários que financiaram as campanhas difamatórias e também, segundo ele, pela intervenção direta da política americana na América Latina.

Questionado pela DW sobre a reação da esquerda – que lamentou a decisão de sua renúncia, mas aparentemente não fez qualquer movimento para lutar por sua permanência no país –, Wyllys disse que tanto o presidente do Psol, Juliano Medeiros, quanto o líder da bancada na Câmara, Ivan Valente, tentaram dissuadi-lo da decisão, mas sabiam que não havia como garantir a sua segurança.

"As pessoas compreenderam que eu tinha razão e tinham consciência de que não podiam me dar essa proteção. A rede de solidariedade surgiu imediatamente, mas foi no sentido de 'conte com nosso apoio aí fora'", afirmou. Segundo ele, a repercussão do anúncio, inclusive internacional, foi muito maior do que imaginava. "Num momento que havia uma divergência entre as esquerdas, por conta da eleição do presidente da Câmara, minha decisão serviu para uma união."

Ameaças e difamação

Na coletiva, Wyllys reiterou que a decisão de deixar o mandato e o país foi muito dolorosa e difícil. O ex-deputado contou que aqueles que o ameaçavam tinham fotos da casa da sua mãe, do carro do seu irmão e cópias de e-mails pessoais de seus familiares, para onde eram enviadas ameaças de morte.

"Vocês não têm ideia do que eu vivia na Câmara dos Deputados, sendo um homossexual orgulhoso e assumido, das piadas infames no banheiro aos ataques deliberados na tribuna. Resisti por dois mandatos, praticamente sozinho", afirmou, dizendo ter chegado ao seu limite. "Estava morrendo mesmo. Se não fosse assassinado, morreria de depressão, pois não há ser humano que suporte o volume de agressão simbólica e real que eu estava suportando sem poder viver uma vida livre no meu país."

Wyllys contou que recebe ameaças desde 2011. Segundo ele, inquéritos da Polícia Federal até hoje não conseguiram identificar quem está por trás de todas essas intimidações, bem como das mentiras divulgadas sobre ele na internet. Com a execução da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, o ex-deputado percebeu que as ameaças poderiam se tornar realidade.

"As causas que eu defendo não precisam de um mártir. Já há uma mártir, Marielle Franco. As causas que eu defendo precisam de ativistas", afirmou, acrescentando que, após o anúncio de que estava deixando o Brasil, sua família passou a ser o alvo das ameaças.

Quando renunciou ao mandato, Wyllys disse ter havido omissão das autoridades em relação às ameaças que recebeu. A declaração foi contestada por Moro, que citou a prisão de Marcelo Valle Siqueira Mello, um dos autores dos ataques ao ex-deputado.

Ao ser questionado sobre a posição do ministro, Wyllys disse achar curiosa a contestação, pelo fato de Moro ter acabado de assumir a pasta. "A declaração é no mínimo irresponsável. O Marcelo, que ele cita, não foi preso pelas ameaças contra mim, ele foi preso por outro motivo. As ameaças contra mim foram ignoradas", argumentou.

O ex-deputado afirmou ainda que, se houve um interesse real em solucionar o caso, o Estado poderia ter identificado os autores das ameaças e difamações, descoberto se há políticos envolvidos, quem financia as redes de propagação de notícias falsas e se essa rede é a mesma que contribuiu para a eleição de Bolsonaro, além de oferecer proteção à sua família e abrir inquéritos sobre pessoas que estavam o associando à pedofilia.

Entre os constantes boatos divulgados sobre ele na internet, Wyllys considera as acusações de pedofilia as piores. Principalmente por isso ele virou também alvo de insultos nas ruas. O ex-deputado contou que passou a ter medo das pessoas. "Não sabia se iam me golpear, me elogiar ou insultar. E a grande maioria me insultava", afirmou.

Após anunciar sua saída do país, novamente Wyllys foi alvo de uma enxurrada de notícias falsas sobre os motivos de sua decisão. À DW, o ex-deputado afirmou que já esperava essa reação.

"Esse governo eleito precisa manter essa chama acesa, precisa continuar se sustentando e falando a uma plateia através de fake news para implementar uma agenda ultraliberal econômica que destrói direitos trabalhistas e, ao mesmo tempo, implementar um conjunto de políticas de segurança que criminalizam movimentos sociais."

O ex-deputado contou que outros ativistas estão deixando o Brasil por receber ameaças de mortes, que se intensificaram durante as eleições e depois do resultado. Além da antropóloga Debora Diniz, que defende a descriminalização do aborto, Wyllys disse que a filósofa Marcia Tiburi e o escritor Anderson França também buscaram abrigo em outros países.

"A postura do presidente e a maneira como ele conduziu sua campanha têm autorizado sicários, organizações criminosas, policiais corruptos e fanáticos religiosos a ameaçarem defensores de direitos humanos", acusou.

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