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EsporteBrasil

Minhas Copas favoritas: o privilégio de ter duas pátrias

Gerd Wenzel
Gerd Wenzel
13 de dezembro de 2022

Ter duas pátrias tem lá os seus privilégios. Um deles é que quando chega a Copa do Mundo você pode torcer por dois países sem o menor peso na consciência.

Capitão alemão Fritz Walter com a Taça de 1954, "meu" primeiro títuloFoto: AP

Ter duas pátrias tem lá os seus privilégios. Um deles é que quando chega a Copa do Mundo você pode torcer por dois países sem o menor peso na consciência. É o meu caso. Sou alemão de origem e brasileiro por adoção. Desde que me conheço por gente, na hora de torcer, lá estava eu com duas bandeirinhas nas mãos – uma da Alemanha e outra do Brasil. Não tinha erro, especialmente naqueles tempos de ouro do futebol praticado pelas duas seleções, quando ao menos uma das duas costumava ir longe no torneio.

1954 - O milagre de Berna

Tudo começou em 1954. Na época, eu ainda morava em Berlim Oriental, mas já sabia que mais cedo ou mais tarde iríamos migrar rumo ao Brasil. Foi a partir daí que meu coração de adolescente começou a bater mais forte duplamente – ora pela Alemanha, ora pelo Brasil.

Naqueles tempos, os jogos eram transmitidos pelo rádio, mas infelizmente não houve transmissão dos jogos do Brasil na Alemanha. Ficava sabendo dos resultados da seleção brasileira apenas pelo noticiário radiofônico ou pelos jornais do dia seguinte. Para minha tristeza, naquela Copa o Brasil foi eliminado pela Hungria nas quartas de final (2x4) enquanto a Alemanha Ocidental avançava após vencer a Iugoslávia (2x0).

Com o Brasil fora, ainda me restava torcer pela seleção alemã do outro lado da cortina de ferro. Só que havia um pequeno problema. À medida que Alemanha Ocidental e Hungria passavam pelos seus adversários, por motivos ideológicos, aumentava a pressão na escola para que torcêssemos pela seleção húngara e contra a seleção alemã capitalista.

Na véspera da grande final, fomos proibidos de ouvir a transmissão do jogo Alemanha Ocidental x Hungria pela emissora de Berlim Ocidental. Se manifestar aos gritos por eventuais gols e pelo triunfo da seleção "capitalista", nem pensar.

Junto com dois amigos, acabei dando um jeito de ouvir a transmissão da emissora do lado de lá. Às escondidas, debaixo de uma mesa que cobrimos com cobertores para abafar o som do rádio, acompanhamos a partida. Assim não havia o perigo de algum vizinho nos denunciar por ouvirmos uma emissora de rádio do inimigo.

Foi minha primeira Copa do Mundo e logo de cara, aos 11 anos de idade, comemorei "meu" primeiro título e participei como torcedor silencioso dessa conquista, ainda que escondido com meus amigos debaixo de uma mesa de cozinha.

Em tempo: a Alemanha Ocidental, de virada, derrotou a Hungria por 3x2.

1958 – O surgimento do Rei

Cheguei ao Brasil em agosto de 1955, um ano e pouco depois do "Milagre de Berna" e com um título de campeão mundial no bolso. Mal sabia eu que, poucos anos mais tarde, seria testemunha do primeiro grande triunfo do futebol brasileiro numa Copa e do surgimento do maior jogador de futebol de todos os tempos.

Mas vamos por partes.

Naqueles meus primeiros anos em São Paulo, morei com minha família numa casa próxima do Estádio do Pacaembu. Em dia de jogo, dava para ouvir de casa o som vibrante das torcidas. Alguns vizinhos se incomodavam com a barulhada. Eu queria mesmo participar daquilo. Logo fiz amizade com dois meninos da vizinhança e combinamos de assistir a um jogo todos juntos. Um torcia pelo São Paulo. O outro era corintiano. Até então, eu não sabia para quem torcer.

Procurei saber sobre outros times da capital paulista, mas não deu liga. Assim que recebemos nossas mesadas, fomos ao Pacaembu para ver Palmeiras x Santos pelo campeonato paulista. Lembro como se fosse hoje. Os dois times entrando no gramado, um foguetório danado, estádio lotado e nós três pendurados nas grades que separavam o campo do público. Fique impressionadíssimo. Um time de verde e outro todo de branco. Cravei na hora: é por esse de branco que vou torcer.

Sorte minha. Mal sabia eu que, um ano mais tarde, Pelé faria sua estreia no time profissional do Santos FC num amistoso contra o Corinthians de Santo André e marcaria seu primeiro gol pelo "peixe".

Pelé (à esq.) marca o terceiro gol do Brasil contra a Suécia na Copa de 1958Foto: AP

Era apenas o começo de uma era de ouro do futebol brasileiro. Na seleção brasileira, Pelé estreou aos 16 anos em pleno Maracanã contra a Argentina e marcou seu primeiro gol. A Argentina ganhou (2x1), mas levou o troco no jogo de volta (2x0) com gols de Pelé e Mazzola. Brasil campeão da Copa Roca.

Daí para a frente, era impensável desassociar Pelé da seleção brasileira. Na Copa da Suécia, começou jogando contra a União Soviética e não saiu mais do time. Nas quartas de final, fez o gol da vitória sobre o País de Gales. Na semifinal contra a França (5x2), anotou três gols, e na final contra a Suécia (também 5x2) fez mais dois, fora o baile. Foi o vice-artilheiro da Copa com seis gols em quatro jogos. Tinha apenas 17 anos.

E tudo isso acompanhei pela Rádio Bandeirantes de São Paulo com a magistral narração de Pedro Luís (1º tempo) e Edson Leite (2º tempo). Nunca vou esquecer. Tamanha emoção! À medida que o jogo se aproximava do fim, eu no meu quarto, pulava e gritava sem parar: "Brasilien Meister! Brasilien Meister". De tanto gritar, eu nem ouvi a narração do quinto gol. Só mais tarde soube do placar final de 5x2.

Brasil Campeão do Mundo!

Tudo tem sua primeira vez. Mas esse "foi bom demais da conta, sô" como diria o mineiro. E, de quebra, nesta altura, eu já estava com dois títulos mundiais no bolso – um pela Alemanha e outro pelo Brasil.

Como escrevi no começo da coluna: ter duas pátrias tem lá seus privilégios.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Atuou nos canais ESPN como especialista em futebol alemão de 2002 a 2020, quando passou a comentar os jogos da Bundesliga para a OneFootball de Berlim. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit é publicada às terças-feiras. 

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

 

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Halbzeit

Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Na coluna Halbzeit, ele comenta os desafios, conquistas e novidades do futebol alemão.

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