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"Monitoramento da Amazônia corre risco real sob Bolsonaro"

18 de setembro de 2020

Em entrevista, Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe, diz que governo brasileiro inventa inimigos ao atacar instituto e tenta desviar foco, enquanto floresta queima por inação das autoridades.

Floresta destruída nos arredores de Apuí, no Amazonas
Floresta destruída nos arredores de Apuí, no AmazonasFoto: Ueslei Marcelino/Reuters

Responsável há 30 anos pelo sistema de monitoramento via satélite da Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) voltou a ser atacado pelo governo Jair de Bolsonaro.

Após a alta recorde na primeira quinzena de setembro das queimadas na maior floresta tropical e na maior área inundável do mundo, o Pantanal, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que os dados não seriam reais e que "alguém no Inpe é contra o governo".

Para Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e candidato ao cargo novamente, os ataques demonstram o desespero do governo frente à repercussão internacional e sua incapacidade de resolver o problema.

Em entrevista à DW Brasil, Câmara diz enxergar um risco real de interrupção da divulgação pública dos índices de desmatamento e queimada.

Deutsche Welle: Diante da alta das queimadas na Amazônia e em outros biomas, o vice-presidente Hamilton Mourão voltou a atacar os dados produzidos via observação de satélites pelo Inpe e afirmou que "alguém no Inpe é contra o governo". Como você, ex-diretor da instituição e candidato que concorre ao posto neste momento, olha para essas críticas? Elas têm algum fundamento?

Gilberto Câmara: É uma continuação do que já vem acontecendo desde que Jair Bolsonaro atacou Ricardo Galvão (ex-diretor do Inpe, exonerado em agosto de 2019 por rebater os ataques de Bolsonaro sobre taxas de desmatamento na Amazônia).

O Inpe está reproduzindo uma realidade, o Inpe não está fazendo política. E o Inpe mostrou que as queimadas aumentaram muito na Amazônia, apesar da promessa de que o governo agiria. Mas o governo não está agindo, de jeito nenhum. Está acontecendo uma situação em que o governo, na falta de qualquer alternativa, vai atrás de inimigos.

A lógica é: se você não está fazendo nada, tem que arrumar alguma coisa para fazer para justificar a sua falta de ação. Foi exatamente o que aconteceu no ano passado, a repetição dessa ideia de que tem um monte de inimigos no Inpe e que estão trabalhando contra o governo e que, portanto, os dados são ruins porque é o Inpe que produz. Eles não aceitam a realidade de que tudo esteja queimando.

É uma mentira total e deslavada. É uma tentativa meio desesperada, uma tentativa de desviar o foco sobre a própria incompetência do governo de agir. De certa forma é simples de entender, embora seja duro de aguentar.

Você vê riscos reais ao trabalho feito pelo Inpe e ao futuro das pesquisas desenvolvidas no instituto e a divulgação ampla e pública dos dados?

Vejo, claro. Se você admite que o Inpe é uma instituição científica séria, você não pode questionar os dados. O desespero é tal que seria preciso fechar o Inpe, fechar os dados, censurá-los, parar de produzi-los para que não tivéssemos mais os dados da Amazônia. Assim, eles (o governo Bolsonaro) poderiam produzir os próprios dados dizendo mentiras.

É um cenário real. Ele depende, evidentemente, da reação da população. Pelo Mourão, ele já teria feito isso. Mas não fez ainda porque as pessoas, a imprensa, estão preocupadas. Mas, se deixarem, Mourão faz isso.

Eu vejo riscos concretos. Porque ele está desesperado. Quem está desesperado toma decisões desesperadas.

Recentemente, o Ministério da Defesa manifestou o interesse na compra de um novo satélite para produzir dados sobre desmatamento da Amazônia, o que o Inpe faz há 30 anos. Essa decisão teria a ver com esse cenário que citou?

São coisas diferentes. Isso seria um gasto de dinheiro que não vai para lugar algum. É preciso distinguir entre o satélite e a interpretação do satélite. O ministério queria contratar um satélite que não vai servir para nada, porque não tem condição de medir o desmatamento da Amazônia. É um satélite feito para monitorar gelo, no Ártico. Um satélite finlandês, muito bom para gelo, muito ruim para floresta.

Mas isso, de novo, é aquela manobra de fake news. Eu forço uma mentira, ou uma não verdade, para desviar a atenção da realidade. Eles dizem que o que falta é satélite, o que falta é dado, mas o que falta é a fiscalização. Os dados estão aí. O Brasil já reduziu desmatamento em 80% com os mesmos dados do Inpe.

Quais seriam as consequências para o Brasil se, de fato, o governo deixasse de publicar os dados sobre desmatamento e queimada de forma aberta?

Seriam terríveis. Acaba de sair uma carta assinada por embaixadores criticando o Brasil pelo desmatamento.

Acho que o objetivo do governo é criar condições para fechar o Inpe, no sentido de que o instituto deixe de produzir dados, tirar essa função dele. O desespero está muito grande. Nós iremos viver momentos difíceis. Dependemos muito da reação da sociedade. Ano passado foi o Galvão, agora vemos isso de novo.

Consequências óbvias são que o Brasil vai aumentar sua posição de pária. E isso não vai facilitar em nada qualquer acordo comercial. Vários setores exportadores da economia dependem do fato de o governo conseguir baixar o desmatamento. Ações no sentido de prejudicar o Inpe atingem, de fato, muito o instituto, mas prejudicam muito mais o Brasil. Só que esse governo está achando que consegue que a sociedade engula isso. Então haverá muita briga na sociedade.

Como está o processo para a escolha do novo diretor do Inpe, cargo que você já ocupou e ao qual concorre novamente?

Eu não sei o que vai acontecer. Vamos ter que esperar.

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