Montagem de Heiner Müller questiona papel da mulher
Gabriela Soutello22 de julho de 2015
Espetáculo no Instituto Goethe de Porto Alegre retoma a personagem da mitologia grega Medeia para "denunciar os abusos de uma imposição histórica e hierárquica masculina", explica o diretor.
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Após um intenso processo gestatório, envolvendo oficinas de montagem e arrecadação de recursos pela rede de crowdfunding Catarse, nasceu a peça Medeamaterial, uma adaptação da peça Margem abandonada/Medeamaterial/Paisagem com Argonautas, do dramaturgo e escritor alemão Heiner Müller.
De caráter experimental, a montagem é o resultado final do Laboratório de Criação #HeinerMüller, uma investigação cênica no universo do dramaturgo. Composto por várias atividades teatrais, como oficinas, debates e performances, o laboratório foi realizado pelo GRUPOJOGO e pela vai!ciadeteatro no Centro Municipal de Cultura de Porto Alegre, em abril, quando se completaram 20 anos da morte de Müller.
Um clássico contemporâneo
O clássico mito grego de Jasão, apaixonado pelo poder, e Medeia, apaixonada por Jasão, é agora narrado do ponto de vista de uma mulher que busca justiça.
Representada por uma figura bárbara e ambígua, Medeia vai às últimas consequências: ela mata os próprios filhos "para se vingar e denunciar os abusos de uma imposição histórica e hierárquica masculina", como explica o diretor do espetáculo, Alexandre Dill.
Problemáticas como submissão, resignação, abuso e estupro são apresentadas na montagem, que traz de volta não só a milenar mitologia grega, reescrita nas palavras de um dos maiores dramaturgos alemães contemporâneos, mas faz irromper um debate atemporal: o do papel da mulher na sociedade.
"Medeamaterial é uma denúncia pública, dedicada a todas as mulheres que sofrem abusos diariamente e são instrumentos de um poder masculino de uma sociedade em derrocada", explica Dill.
Sucessor crítico de Brecht
Heiner Müller, nascido em 1929 em Berlim, começou sua carreira dramatúrgica na época em que a antiga Alemanha Oriental se consolidava. Considerado um dos maiores autores teatrais alemães desde Bertolt Brecht, ele chegou a ter obras censuradas pelo governo comunista e até a ser expulso da associação nacional de escritores, antes de se tornar internacionalmente conhecido.
Para Dill, Heiner Müller "bebe da fonte, mas vai além: transcende, critica e reconstrói Brecht".
Crítico, o dramaturgo é conhecido por romper com estruturas tradicionais e refletir em sua literatura questionamentos sobre a transição da modernidade à pós-modernidade. Além disso, ele exprime em suas obras reflexões sobre o caráter cíclico que estrutura os conflitos da humanidade: "A juventude hoje, fantasmas dos mortos/ Da guerra que deve acontecer amanhã", como expressa em Medeamaterial.
"A dramaturgia alemã consegue transpor o próprio teatro, trabalhando com uma mistura de sensação e imagem", afirma Dill. Para ele, o intercâmbio das culturas brasileira e alemã permite, por meio do teatro, "explorar outras facetas e ousar na misturas de linguagem", contribuindo para "uma nova perspectiva da arte teatral brasileira".
O espetáculo será exibido de 23 a 26 de julho, às 21h no auditório do Instituto Goethe de Porto Alegre.
Templo da noite berlinense
Marlene Dietrich, Louis Armstrong e Charles Aznavour são alguns dos nomes que já se apresentaram no Friedrichstadt-Palast. Em cartaz, a superprodução "The Wyld" teve estreia mundial no tradicional palco berlinense.
Foto: Friedrichstadt-Palast
Palco de superlativos
O palco do Friedrichstadt-Palast é um toque de Las Vegas em Berlim. Portais móveis garantem a flexibilidade do maior palco de teatro do mundo. Batizada de "Magic Stairs", a escada utilizada nos shows tem 50 degraus com altura ajustável. Dependendo do espetáculo, o palco pode comportar até 100 dançarinos.
Foto: Soenne
Circo, cabaré e teatro
Durante décadas, o lugar onde antes funcionava um mercado foi usado para apresentações de circo e cabaré. Em 1919, o famoso produtor de teatro alemão Max Reinhardt reinaugurou o espaço com o nome de "Grosses Schauspielhaus" (Grande Teatro). Sobre o palco gigantesco ele montou produções clássicas com estética monumental. Para a inauguração, Reinhardt encenou "A Oresteia" de Ésquilo.
Foto: picture-alliance/akg-images
Inovadora desde sempre
Já em 1919, o palco principal utilizava alta tecnologia: uma superfície giratória de 18 metros de diâmetro com elementos procênicos ajustáveis, além de contar com o que havia de mais moderno em luz e efeitos especiais. O musical "Im weissen Rössl", de Erik Charell, e a peça "Trotz alledem", de Erwin Piscator, foram enormes sucessos. Quando os nazistas assumiram o poder, o teatro foi fechado.
Foto: Friedrichstadt-Palast
Ditadura e libertação
Sob o comando de Max Reinhardt, a casa apresentou grandes espetáculos na década de 1920, a era de ouro do teatro de revista. A partir de 1943, os nazistas se apropriaram do espaço, que passou a se chamar "Theater des Volkes" (Teatro do Povo). No programa estavam operetas de propaganda. Após a guerra, espetáculos de dança voltaram ao palco da construção danificada por bombas.
Foto: Friedrichstadt-Palast
Novos governantes, novas funções
Em 1947, o comando soviético tomou posse do espaço. As autoridades da cidade de Berlim também assumiram o controle do teatro, que batizaram de Friedrichstadt-Palast (Palácio de Friedrichstadt). A casa de espetáculos começou a ser usada para grandes eventos políticos, como a fundação da organização juvenil comunista FDJ. Mais tarde, programas de TV também foram produzidos lá.
Foto: Friedrichstadt-Palast
Pernas fabulosas
Na época da antiga Alemanha Oriental, o Friedrichstadt-Palast era famoso por seu corpo de baile. Formado por 32 dançarinas profissionais, ele ostentava a formação com as mais longas pernas do mundo. Na foto é possível ver uma versão reduzida do corpo de baile no início dos anos 1980.
Foto: Friedrichstadt-Palast
Reforma e reinauguração
Em 1980, do alto de seus de 120 anos de história, o teatro no centro de Berlim foi fechado por questões de segurança. Em 1984, líderes da antiga Alemanha Oriental construíram um novo e gigantesco palácio a apenas 200 metros do original. Na foto, o então diretor artístico do Friedrichstadt-Palast, Wolfgang E. Struck, recebe a chave do novo palácio.
Foto: Friedrichstadt-Palast/Settnik
Glamour e megashows
O novo Friedrichstadt-Palast não brilha apenas do lado de dentro. O prédio principal é um gigante de concreto que ocupa um quarteirão inteiro. Sua nova fachada Art nouveau faz referência à gloriosa história do teatro. Aqui são realizados grandes shows, como a nova produção "The Wyld", que estreou em outubro e fica em cartaz pelo menos até setembro.
Foto: Götz Schleser
Internacional e engajado
O corpo de baile do Friedrichstadt-Palast é composto por 60 dançarinos e dançarinas de 28 países. Além de sua internacionalidade, o teatro é conhecido pelo apoio à diversidade e pela luta contra a homofobia. Em 2012, os promotores da parada LGBT de Berlim concederam um prêmio especial à direção do teatro por sua coragem civil.
Foto: picture-alliance/POP-EYE
Nefertiti na selva de pedra
"The Wyld", a atual superprodução do Friedrichstadt-Palast, conta a história das criaturas da noite na metropolitana Berlim e do amor entre o céu e a terra. A personalidade mais célebre da cidade entra em cena: Nefertiti, soberana do Antigo Egito, cujo busto faz parte da coleção permanente do Neues Museum.
Foto: Bernhard Musil
Jornada mística
O produtor alemão Roland Welke e o estilista francês Manfred Thierry Mugler são os responsáveis pelo roteiro e pela direção do novo espetáculo. Eles descrevem o show como "moderno e arcaico, bizarro e futurista". "The Wyld" é a mais cara e ambiciosa produção na história do Friedrichstadt-Palast.