Moradores desafiam o perigo para ficar em Paracatu
Renata Malkes, de Mariana5 de dezembro de 2015
Laços emocionais e medo de saques mantêm habitantes nas casas que restaram em vilarejo a 60 quilômetros de Mariana, apesar de situação precária e do risco de que uma nova barragem se rompa.
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A 66 quilômetros de Mariana, Paracatu de Baixo tenta resistir. Um mês após o rompimento da barragem de Fundão, a planície por onde se espalhavam pequenas fazendas transformou-se numa gigantesca poça de lama. Embora distante do epicentro da tragédia, a avalanche de rejeitos invadiu o vale e derrubou pelo caminho quase todas as 80 casas da comunidade onde 300 moradores sobreviviam da agricultura familiar.
A ponte que conduz ao acesso principal caiu, e operários da mineradora Samarco ainda trabalham na reconstrução. O fornecimento de energia elétrica se mantém instável, o sinal de telefonia celular é intermitente, e não há nas redondezas sequer um botequim para a compra de água ou qualquer artigo de primeira necessidade. Mas nenhuma adversidade é capaz de tirar dali o lavrador Genivaldo Geraldo Teotônio, de 29 anos.
"Não tenho como sair. A situação é muito difícil, mas, se deixar minha casa, podem vir aqui e roubar tudo. Já roubaram uma máquina de fazer ração de um vizinho, e soube que levaram também o sofá de um outro. Estou tomando conta das coisas. A Samarco veio aqui três vezes trazer uma cesta básica, mas ninguém explicou que providências estão sendo tomadas. Agora estou esperando um cartão para receber a ajuda financeira", conta o lavrador, que tem ordenado as poucas vacas que restaram para produzir queijos e garantir o sustento da família.
"A roça é lazer e liberdade"
A igreja, a escola e poucas casas nas regiões mais altas do povoado suportaram a força do tsunami de lama. Pouco conhecido, Paracatu de Baixo foi o segundo distrito mais afetado pelo colapso da barragem. Depois de devastar Bento Rodrigues, demorou cerca de quatro horas para que os rejeitos chegassem ao povoado – o que permitiu tempo para a fuga dos moradores e evitou mortes. Foi ali, aliás, que oficiais do Corpo de Bombeiros contam ter vivido seus primeiros momentos de angústia.
"É um povoado de gente muito humilde. Quando mandamos um helicóptero para alertá-los do acidente e pedir que saíssem, as pessoas deixavam as casas alegres, acenando e sorrindo, saudando a aeronave, achando que aquilo era uma grande novidade. Eles nunca tinham visto um helicóptero na vida! Foi angustiante ver todo aquele entusiasmo virar uma expressão de horror quando explicamos do que se tratava", recorda o tenente Leonard Farah, do Batalhão de Emergências Ambientais de Mariana.
Outro agricultor, Leônidas Gonçalves, de 48 anos, lembra bem do susto que passou. Ele conseguiu retirar algumas peças de roupa e documentos, mas ao retornar a Paracatu alguns dias depois, descobriu que sua casa não existia mais. Já a casa do irmão, a poucos metros, resistiu, mas foi completamente tomada pela lama. Mesmo hospedado em hotel, ele vai todos os dias ao povoado limpar a casa do irmão e garantir que nada foi roubado. E já faz planos de retornar para lá com a mãe e os outros parentes talvez até antes do Natal. Segundo , Leônidas, a ligação emocional com Paracatu é maior do que qualquer medo.
"Eu venho ver como estão as coisas porque dá medo de deixar abandonado, entrar alguém, mexer nas poucas coisinhas que a gente ainda tem aí debaixo da lama. É claro que tenho medo de passar por tudo aquilo de novo, mas todos nós fomos nascidos e criados aqui. Ficar em Mariana não tem serventia nenhuma. A roça é lazer e liberdade, todo mundo é parente. Na cidade, todo mundo é inimigo. Se acontecer a infelicidade de um novo rompimento de barragem, eu pego minhas coisas e saio correndo para o mato, mas nunca vou deixar a minha terra", diz ele.
Tensão devido a outra barragem
A poucos quilômetros dali, do outro lado de Paracatu, a paixão pelo povoado e o medo de um novo acidente dividem o agricultor Valdir Pollack, de 69 anos. Seu maior pesadelo agora, diz, é a barragem de Germano, três vezes maior do que acidentada no mês passado, também de propriedade da Samarco.
Rumores de fissuras na estrutura, que estaria exaurida, alarmaram os moradores e deflagraram uma série de boatos, levando a própria mineradora a admitir a hipótese de um novo colapso. Ações e reparos emergenciais estariam sendo feitos para neutralizar a ameaça. No entanto, isso não basta para acalmar quem testemunhou a tragédia do mês passado.
"Germano é assustador, e eles só falam em linguagem técnica. Não explicam os riscos reais que corremos aqui. Acho ainda que tudo isso poderia ter sido evitado. Com tanta alta tecnologia, nunca previram um rompimento? Estou assustado, mas sinto que não posso sair da minha casa. Acordo todos os dias às 4h para cuidar da minha horta orgânica, levo minha vida com calma, ajudo a preservar a natureza e colaboro com a comunidade. Não posso deixar tudo isso para trás aos quase 70 anos", diz Valdir.
Mas, mesmo com todo o desejo de permanecer no lar, onde vive sozinho, Valdir admite que pode ceder à pressão, principalmente, à econômica. Ele conta que vendia 1500 reais em produtos orgânicos por semana antes de a lama chegar. Há quatro semanas, o negócio parou: seus cinco funcionários foram embora, e ele não consegue cuidar sozinho de todos os afazeres da horta. Sua esperança é de que a comunidade seja reconstruída rapidamente – e de que os órgãos públicos deem mais atenção ao povoado.
"Paracatu é a minha vida. Pretendo ficar aqui e espero que eu consiga. Na minha idade, não posso mais ficar mudando de lugar para lugar", sentencia.
Cronologia: o maior desastre ambiental do Brasil
O rompimento de uma barragem da Samarco provocou o maior desastre ambiental da história brasileira, gerando uma tsunami de 50 milhões de metros cúbicos de lama que deixou ao menos 13 mortos e centenas de desabrigados.
Foto: DW/N. Pontes
Rompimento da barragem
O rompimento de barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em 5 de novembro, causou uma enxurrada de lama que inundou a região do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana/MG, a cerca de 120 quilômetros de Belo Horizonte. A empresa é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Biliton.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Um distrito soterrado
Após o rompimento da barragem, os rejeitos destruíram casas e arrastaram veículos em Bento Rodrigues, onde residiam cerca de 600 pessoas. O volume, de cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama e resíduos provenientes da extração de minério, poderia encher cerca de 20 mil piscinas olímpicas.
Foto: Xinhua
Mortos, desaparecidos e animais resgatados
Bombeiros da região ainda trabalham para achar desaparecidos. Até o início de dezembro eram 11 mortos confirmados, sendo que há dois outros corpos não identificados e oito pessoas desaparecidas. Segundo a Samarco, 1.265 pessoas foram hospedadas em hotéis, 51 famílias foram alocadas em casas e mais de 600 animais, entre cachorros, gatos, porcos, vacas e cavalos, foram resgatados nas áreas próximas.
Foto: PA / ZUMA Press
A resposta da Samarco
Logo após o desastre, a empresa anunciou ter colocado em ação, juntamente com órgãos competentes, ações previstas em seu plano de emergência para priorizar o atendimento e a integridade das pessoas que estavam próximas às barragens, além de ações para conter danos ambientais. Representantes da Vale e da BHP Biliton prometeram criar um fundo de assistência para as comunidades e meio ambiente.
Foto: Reuters/R. Moraes
A multa do Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou em 12 de novembro que vai aplicar multas de 100 milhões de reais à mineradora. São duas multas: uma de 50 milhões de reais pelo lançamento de rejeitos em rios próximos em decorrência do rompimento da barragem e outra, no mesmo valor, em razão dos prejuízos causados à biodiversidade.
Foto: Reuters/R. Moraes
Doações de todo o Brasil
Após o rompimento da barragem, doações vindas de todo o Brasil começaram a chegar à região de Mariana. Dois centros receberam itens como roupas, alimentos e água potável, que foram distribuídos em hotéis para os desabrigados e levados às comunidades atingidas. Voluntários de todas as partes do país vêm ajudando a separar as doações.
Foto: DW/N. Pontes
Lama no Rio Doce
Dois dias depois do rompimento da barragem, o "tsunami" de lama começou a chegar ao Rio Doce, na região leste de Minas Gerais. De acordo com a polícia militar ambiental, o rio chegou a subir pelo menos um metro e meio. A água do Rio Doce tem, em certos pontos, a presença de chumbo, arsênico e níquel. O impacto ambiental é imensurável.
Foto: Fred Loureiro/Secom-ES
Outras barragens em risco
A mineradora reconheceu em 17 de novembro o risco de rompimento de outras duas barragens, as de Santarém e Germano, localizadas nas proximidades da que se rompeu em 5 de novembro. A empresa ressaltou a realização de obras emergenciais para reforçar as duas barragens. Os trabalhos, informou, durariam cerca de 45 dias em Germano e 90 dias em Santarém.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
Dilma sobrevoa áreas afetadas
Uma semana após a tragédia, Dilma Rousseff sobrevoou as regiões afetadas em MG e ES. Na cidade capixaba de Colatina, Dilma disse que a mineradora terá que arcar com todas as consequências do desastre ambiental: "Esse é um dos desastres mais graves que o país sofreu, principalmente quando se considera a questão do impacto sobre o meio ambiente, a sociedade, a economia local."
O tsunami de rejeitos da Samarco percorreu 650 quilômetros até a foz do Rio Doce, no distrito de Regência, em Linhares/ES. Para tentar salvar a vegetação, a mineradora instalou boias de contenção nas margens do rio. Para evitar a morte de tartarugas, o Projeto Tamar removeu vários ninhos na praia de Comboios.
Foto: Reuters/R.Moraes
Críticas da ONU
A ONU afirmou que as "medidas do governo, Vale e BHP Biliton foram claramente insuficientes". Para a organização, houve demora para as informações sobre riscos tóxicos da catástrofe viessem à tona. "A escala do dano ambiental é o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas de resíduos de lama tóxica contaminando o solo, rios e o sistema de água em uma área de mais de 850 km", disse.
Foto: Reuters/R. Moraes
Brasil pede R$ 20 bi à Samarco
Em 27 de novebro, o governo federal anunciou uma ação civil pública contra a Samarco e suas controladoras. Foi pedido que a Justiça determine a criação de um fundo de R$ 20 bilhões para reparar os danos causados após o rompimento de barragem. O dinheiro, não gerido pelo governo, seria para conter e minimizar os danos, além de revitalizar a bacia do Rio Doce e indenizar as vítimas.
Foto: Reuters/R. Moraes
BHP ajudará na recuperação
A mineradora BHP Biliton reafirmou em 30 de novembro que fará o que puder para ajudar a reconstruir as comunidades afetadas e recuperar o meio ambiente na área atingida pelo rompimento da barragem em Mariana.