Moraes pede vista e suspende julgamento do marco temporal
15 de setembro de 2021
Análise de tese com grande repercussão para os povos indígenas está empatada em um voto contra e um a favor. Não há prazo para o tema voltar à pauta da Corte.
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu nesta quarta-feira (15/09) vista do processo sobre o marco temporal para demarcações de terras indígenas.
O marco, defendido por ruralistas e pelo governo federal, estabelece que os povos indígenas só teriam direito a reivindicar as terras já ocupadas por eles em outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito comprovado pela área naquela data.
O julgamento havia sido retomado nesta quarta e está empatado em um voto a favor e um contra o marco temporal. O primeiro ministro a votar, na quinta-feira passada, foi o relator do caso, Edson Fachin, que se declarou contra o dispositivo. Fachin afirmou que a Constituição garante aos indígenas o direito originário sobre as suas terras, e que o marco temporal poderia trazer ainda mais obstáculos para que esses povos preservassem sua cultura e modo de vida.
Nesta quarta, o ministro Nunes Marques votou a favor do marco. Ele argumentou que a posse de povos indígenas sobre terras deveria existir até 1988, pois a falta de um limite temporal levaria à "expansão ilimitada" para áreas "já incorporadas ao mercado imobiliário".
Moraes seria o terceiro ministro a votar, mas pediu vista alegando que Nunes Marques havia apresentado novos temas que precisavam ser analisados por ele. O julgamento será retomado quando Moraes devolver o processo e o presidente do Supremo incluir o tema na pauta no plenário, e não há prazo para que isso ocorra.
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Argumentos em disputa
O processo em julgamento envolve a posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina, habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani. Mas o caso tem repercussão geral, e a decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes, segundo o Supremo.
Na sessão em que foram ouvidos representantes das partes, Rafael Modesto dos Santos, advogado da comunidade Xokleng, disse que o marco não teria cabimento jurídico e ignora o passado de violência contra os povos indígenas, como casos de expulsões, mesmo após a titulação de terras tradicionais. "Não cabe nenhum marco temporal porque ele legalizaria todos ilícitos, de crimes ocorridos até 1988", afirmou.
Na avaliação de Paloma Gomes, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a defesa da tese do marco seria uma forma de tentar burlar a Constituição. "Os direitos indígenas continuam como cláusulas pétreas, sendo imprescritíveis, inalienáveis e imutáveis. Em 88, foi fixado como dever do Estado a demarcação e a proteção dos territórios indígenas, entretanto, o que vemos hoje é uma resistência na implementação desses direitos", disse.
Já o advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu a preservação da segurança jurídica nos processos demarcatórios e a manutenção de balizas que foram estabelecidas pela Corte no julgamento de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009.
"No julgamento do caso Raposa Serra do Sol, este STF estabeleceu balizas e salvaguardas na promoção de todos os direitos indígenas, e, para garantir a regularidade da demarcação de suas terras, como regra geral, foram observados o marco temporal e o marco da tradicionalidade", afirmou.
Acampamento indígena
As sessões iniciais do julgamento do marco temporal foram acompanhadas por cerca de 6 mil indígenas de 170 povos, que acamparam em uma área da Esplanada dos Ministérios.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera o julgamento do STF "o mais importante do século" para os povos indígenas e afirma que o acampamento, batizado de Luta pela Vida, foi a maior mobilização indígena desde a redemocratização.
A diversidade dos povos indígenas na América Latina
Unicef registra 522 grupos étnicos nativos na região. Vítimas frequentes da pobreza, eles sofrem perigos que vão de aculturação e exclusão social à violência. Ao mesmo tempo, são peças-chave na proteção do clima.
Foto: Christopher Pillitz
Amazônia, fonte de diversidade
Segundo o "Atlas Sociolinguístico de Povos Indígenas na América Latina", do Unicef, a Amazônia é a região de maior diversidade de povos nativos, com 316 grupos, dos quais 241 só no Brasil, seguido pela Colômbia (83), México (67) e Peru (43). Outras regiões ricas em diversidade indígena são a Mesoamérica, a Bacia do Orinoco, os Andes e o Chaco. A América Latina como um todo abarca 522 povos.
Foto: DW/T. Fischermann
Pluralidade de povos e línguas
Cinco povos agrupam vários milhões de representantes – Quechua (foto), Nahua, Aymara, Maya yucateco e Ki'che –, outros seis têm entre meio milhão e 1 milhão de membros – Mapuche, Maya q'eqchí, Kaqchikel, Mam, Mixteco e Otomí. Cerca de um quinto dos indígenas perdeu seu idioma nativo nas últimas décadas: de 313 línguas, 76% são faladas por menos de 10 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/Robert Hardin
Cada vez mais urbanos
Embora mais de 60% da população indígena do Brasil, Colômbia, Equador, Honduras e Panamá ainda viva em zonas rurais, mais de 40% da de El Salvador, México e Peru reside em áreas urbanas. No Chile (foto) e Venezuela, uma parcela superior a 60% dos nativos vive em cidades, dispondo de 1,5 vez mais acesso a eletricidade e 1,7 vez mais a água corrente do que a das zonas rurais.
Foto: Rosario Carmona
Convivendo com a pobreza
Segundo um informe do Banco Mundial, a pobreza afeta 43% dos lares indígenas – mais do que o dobro dos demais – e 24% vivem em condições de pobreza extrema – 2,7 vezes mais do que os não indígenas. Na Guatemala, em 2011 três de cada quatro habitantes de zonas de pobreza crônica pertenciam a um lar indígena.
Foto: picture-alliance/Demotix
Brecha digital, exclusão social
Apesar da aparente familiaridade deste membro da tribo brasileira dos Kayapó com a tecnologia, ela não tem beneficiado os povos indígenas em geral. Na Bolívia, eles têm quatro vezes menos acesso à internet do que os demais; e no Equador, seis vezes menos. Além disso, o acesso dos nativos a computadores na Bolívia equivale à metade da dos não indígenas.
Foto: AP
Envolvidos na política
Muitos indígenas participam ativamente da vida política de suas comunidades, através de parlamentos locais ou nacionais, estaduais e municipais. Seus líderes ou estão integrados a partidos nacionais ou criaram suas próprias legendas políticas. Assim, existem partidos indígenas muito influentes sobretudo na Bolívia e no Equador, mas também na Venezuela, Colômbia e Nicarágua.
Foto: Reuters/J. L. Plata
Na mira da violência
Por outro lado, representantes de povos indígenas são vítimas de criminalização e hostilidades, sofrendo ameaças, violência e até homicídios por se posicionar contra a instalação de grandes infraestruturas em seu território. Na foto, membro dos Munduruku, no Pará, cujo território é ameaçado pelo extrativismo e por projetos hidrelétricos.
Foto: DW/N. Pontes
Figuras-chave na proteção do clima
O reconhecimento e proteção dos territórios indígenas é uma estratégia eficaz para evitar o desmatamento e combater a mudança climática global. Entre 2000 e 2012, o desflorestamento da Amazônia brasileira nas áreas sob proteção legal foi de 0,6%, contra 7% fora delas.
Foto: Ádon Bicalho/IPAM
Os grandes desconhecidos
Algumas comunidades indígenas seguem se negando a ter contato com o mundo exterior, vivem em áreas isoladas e usam lanças e dardos envenenados para caçar macacos e pássaros. Esse é o caso dos Huaorani, habitantes da selva amazônica do Equador. Nas últimas décadas, muitos deixaram de viver como caçadores para se assentar no Parque Nacional Yasuní.
Foto: AP
Civilização fatal
Infelizmente, alguns dos que foram contatados sofreram consequências drásticas. Os Matsés ou Mayorunas, conhecidos como "povo do jaguar", que vivem à margem do Rio Yaquerana, na fronteira entre o Brasil e o Peru, foram contatados pela primeira vez em 1969. A partir desse encontro, muitos morreram de enfermidades, como tuberculose e hepatite.