Juiz federal afirma em Londres que segue a aplicação ortodoxa da lei e destacou que julgamentos não podem ser políticos. Afirmação é feita após José Eduardo Cardozo criticar o excesso de prisões preventivas no país.
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Em meio a aplausos e vaias, o juiz federal Sérgio Moro defendeu neste sábado (13/05) as prisões preventivas decretadas no processo que envolve os crimes investigados na Operação Lava Jato e destacou, durante um evento acadêmico em Londres, que segue a aplicação ortodoxa da lei penal.
"É prevista na legislação que o juiz possa determinar a prisão preventiva para interromper uma prática da corrupção e foi isso que se entendeu da necessidade de decretar a prisão preventiva", disse Moro, responsável pelo julgamento em primeira instância da Lava Jato, ao comentar a operação, durante sua palestra na conferência Brazil Forum.
Três dias após o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participando da mesa que contou ainda com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, Moro começou sua palestra em clima de descontração ao afirmar, citando aqueles que esperavam o confronto, que não deu cotoveladas no petista e destacou que é uma tolice pensar que ambos não podem dividir espaço.
Criticado pelas prisões preventivas, as quais, segundo opositores, estariam sendo usadas para coagir investigados a firmar delações premiadas, Moro destacou que apenas sete acusados, que ainda não foram julgados, estão presos preventivamente.
"Não me parece um número exagerado, em qualquer vara criminal, juízes decretam prisões muito mais numerosas a cada dia, a cada semana ou a cada mês", acrescentou. Moro destacou ainda que os presos não são pessoas vulneráveis, "são poderosos”, ressaltou.
As declarações do juiz foram feitas após alguns presos condenados pelo envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato terem sido recentemente soltos depois de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles José Dirceu, julgado por Moro e condenado duas vezes em primeira instância.
Moro argumentou que a prisão preventiva de condenados em primeira instância, em determinados casos, é essencial para não colocar em risco à aplicação da lei, evitando, assim, a fuga para outros países de condenados que possuem contas no exterior.
Numa palestra focada em questões da aplicação da lei, Moro argumentou ainda que segue a aplicação ortodoxa da legislação e destacou que o juiz não pode julgar pensando em consequências políticas.
"Como esse caso envolve pessoas poderosas, crime de elevada dimensão, se faz uma confusão no sentido de que julgamentos são políticos, quando eles não são", ressaltou.
Críticas às prisões preventivas
Moro falou após o ex-ministro da Justiça que fez duras críticas aos excessos de prisões preventivas cometidas pelo Judiciário. Formado em Direito e professor universitário, Cardozo disse que há outras medidas restritivas que podem ser aplicadas em vez da detenção.
"Vejo decisões judiciais que vão além do que a lei permite. O juiz não é neutro e jamais será, mas não pode ser parcial", disse Cardozo, arrancando aplausos da plateia. "Não adianta aplaudir quando o direito suprimido é de um adversário e vaiar quando é de um aliado", destacou a seguir.
Sem citar Moro ou a Lava Jato, o ex-ministro fez ainda críticas em relação à condução coercitiva, a qual, segundo ele, tem sido usada sem um embasamento legal. Cardozo ressaltou que o combate à corrupção deve ser feito respeitando a Constituição e os direitos. O juiz federal foi alvo de críticas ao aplicar essa medida em alguns casos, como com Lula.
No combate à corrupção, o ex-ministro defendeu uma reforma política abrangente e o fim da impunidade.
Ao falar sobre o impeachment, Cardozo alegou que o processo mostrou o desequilíbrio que existe entre os poderes no Brasil e destacou que atualmente os principais líderes da destituição da ex-presidente Dilma Rousseff são acusados dos mesmos crimes que governistas na época.
"Situações desta natureza, portanto, mostram a fragilidade que temos no nosso sistema e explicam de certa forma o fortalecimento do Poder Judiciário", acrescentou, lembrando que há, nesse sentido, um problema mundial em relação a quem cabe limitar os abusos da Justiça.
Após as palestras da mesa, que contou ainda com o ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva e com o advogado José Alexandre Buaiz, sócio do escritório Pinheiro Neto, alguns participantes puderam fazer perguntas ao grupo.
O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad questionou os participantes sobre a rapidez no julgamento de alguns processos de políticos e a lentidão em outros, como exemplo, citou os casos do Mensalão em comparação com o mensalão tucano. "Dá a impressão que existe um tratamento diferenciado, no qual para os amigos tudo e para inimigos a lei", terminou citando o famoso ditado popular, muitas vezes atribuído a Getúlio Vargas. Nenhum dos participantes respondeu ao questionamento.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.