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Moro e Lava Jato teriam agido para interferir na Venezuela

7 de julho de 2019

Novas mensagens divulgadas pelo "The Intercept Brasil" sugerem que juiz e força-tarefa teriam se articulado para tornar pública delação da Odebrecht e interferir na crise política venezuelana.

Segundo "The Intercept Brasil", o ex-juiz Sergio Moro teria sugerido duvulgar dados sigilosos de delação referentes à Venezuela
Segundo "The Intercept Brasil", Moro teria sugerido divulgar dados sigilosos de delação referentes à VenezuelaFoto: Silvia Izquierdo/picture- alliance/AP Photo

O ex-juiz Sergio Moro e integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato teriam se mobilizado para divulgar informações sigilosas obtidas numa delação, com o objetivo de favorecer a oposição na Venezuela e "contribuir na luta contra a injustiça", segundo reportagem divulgada neste domingo (07/07) pelo portal The Intercept Brasil em conjunto com o jornal Folha de S. Paulo.

O novo conteúdo das supostas mensagens trocadas entre Moro e a equipe de procuradores, publicadas na série de denúncias do The Intercept em parceria órgãos de imprensa brasileiros, revela que a ideia teria partido do próprio juiz, que ocupa atualmente o cargo de ministro da Justiça.

"Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR [Procuradoria-Geral da República]?”, teria perguntado Moro ao chefe da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, no dia 5 de agosto de 2017.

"Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá para enviar informação espontânea [à Venezuela], e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público”, respondeu Dallagnol.

Segundo The Intercept, o procurador já teria dito ao juiz, em outra conversa, que "haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos".

A Odebrecht admitiu aos procuradores ter pagado propinas para viabilizar diversos negócios em 11 países, incluindo a Venezuela. As informações reveladas pela delação eram mantidas em sigilo por ordem do Supremo Tribunal federal (STF).

O acordo de delação fechado pela empresa junto a autoridades do Brasil, Estados Unidos e Suíça previa que as informações só poderiam ser compartilhadas com investigadores de outros países se houvesse garantias de que estes não tomariam medidas contra a empreiteira e os próprios delatores.

À época das supostas conversas, a Venezuela já estava imersa numa grave crise política e ameaçada de novas sanções por parte dos EUA se seguisse adiante com a fundação da Assembleia Constituinte, criada para se sobrepor à Assembleia Nacional, dominada pela oposição.

As revelações sugerem que os procuradores discutiram intensamente a crise na Venezuela e especulavam sobre o poder de mobilização que o conteúdo da delação poderia ter no país vizinho. "Vejam que uma guerra civil lá é possível e qualquer ação nossa pode levar a mais convulsão social e mais mortes”, teria afirmado o procurador Paulo Galvão.

"Imagina se ajuizamos e o maluco manda prender todos os brasileiros no territorio [sic] venezuelano”, disse, segundo a reportagem, outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, em referência ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Mais tarde, Dallagnol teria minimizado os riscos, afirmando que isso "é algo que cabe aos cidadãos venezuelanos ponderarem: "Eles têm o direito de se insurgir."

Segundo o conteúdo das mensagens, Dallagnol quis ir além do papel de procurador ao afirmar que seu o objetivo seria "contribuir com a luta contra a injustiça" e que não via nenhum "problema de soberania" ao propor uma interferência em questões internas de um país estrangeiro.

Ele assegurou a seus colegas que Moro os apoiava. "Russo [codinome dos procuradores para Moro, utilizado em várias das mensagens vazadas] diz que temos que nós aqui estudar a viabilidade. Ou seja, ele considera", teria dito Dallagnol. Após a troca de mensagens, a dúvida sobre a viabilidade ainda permaneceria por ainda mais algum tempo entre os procuradores.

Cooperação clandestina

Em 28 de agosto, o procurador Orlando Martello relatou a seus colegas uma conversa sua com o então secretário de cooperação judicial internacional do Ministério Público, Vladimir Aras. Em 2016, o secretário expressou ceticismo quanto à PGR da Venezuela, dizendo que os procuradores do órgão não inspiravam confiança.

Mas, em agosto de 2017, Aras já teria mudado de ideia. A ex-procuradora-geral da Venezuela Luísa Ortega Díaz, destituída de seu cargo por ser vista como uma ameaça a Maduro, havia se tornado peça fundamental numa cooperação clandestina do MPF brasileiro com o órgão homólogo venezuelano, indicam as mensagens.

Aras teria inclusive organizado a acolhida a dois procuradores venezuelanos, que vieram ao Brasil em sigilo em meados de setembro para trabalhar nos documentos da delação. Dois procuradores de Curitiba se ofereceram para hospedá-los em suas casas. Dallagnol teria pedido ajuda à ONG Transparência Internacional para ajudar a financiar a estada deles no Brasil.

Ortega Díaz chegou antes deles no Brasil, no dia 22 de agosto, duas semanas depois de a força-tarefa começar a se movimentar, segundo o Intercept. "Vcs que queriam leakar as coisas da Venezuela, tá aí o momento. A mulher está no Brasil”, teria escrito o procurador Paulo Galvão.

Em outubro, Ortega publicou em seu site dois vídeos com trechos de depoimentos do ex-diretor da Odebrecht na Venezuela Euzenando Azevedo, que admite ter repassado 35 milhões de dólares da Odebrecht à campanha eleitoral de Maduro.

Ele também reconheceu ter pagado 15 milhões de dólares para a campanha de, Henrique Capriles, candidato da oposição, o que não foi incluído nos vídeos divulgados por Ortega.

A divulgação dos vídeos ocorreu a apenas cinco dias das eleições estaduais na Venezuela. A Odebrecht, numa notícia-crime, atribuiu o vazamento à PGR. "Os vídeos dos relatos de todos os colaboradores da companhia, especialmente daqueles que abordam fatos ocorridos no exterior, encontram-se custodiados pela PGR, sendo que jamais foram oficialmente entregues aos colaboradores, aos seus causídicos ou a quem quer que seja”, declarou a empreiteira.

A procuradora-geral Raquel Dodge informou há cerca de um mês que um inquérito sigiloso sobre o caso está em andamento na Justiça Federal de Brasília.

Em outra conversa revelada pela reportagem, o diretor-executivo da Transparência Internacional, Bruno Brandão, sugeriu a Dallagnol a possibilidade de se abrirem "processos extraterritoriais contra autoridades venezuelanas", a que o procurador se disse "sem objeções", completando: "É bom pra testar terreno."

Brandão disse que, durante uma conversa em evento na Fundação FHC, recebeu o aval do próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "FHC veio conversar comigo no final, e disse que é uma boa ideia."

"Venezuelan dream"

No entanto, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, decidiria que o caso não deveria ser tocado em Curitiba, por não ter relação com a Petrobras.

"Estou com sérias dúvidas se podemos prosseguir aqui Cwb [Curitiba] com o caso em razão do 'reconhecimento da incompetência' da 13VF [13ª Vara Federal Criminal de Curitiba]", disse o procurador Orlando Martello num chat chamado "Venezuela Dream".

"Fachin reconheceu que nos fatos relatados por Euzenando, embora possa ter fatos relacionados ao setor de operação estruturadas (essa era a tese do MPF para manter os termos em Cwb), ele afastou a conexão porque não tem relação com a Petrobras”, lamentou Martello.

O Intercept destaca que a divulgação não autorizada de informações sigilosas por parte dos procuradores poderia caracterizar, em tese, o crime previsto no artigo 325 do Código Penal, que pune com até dois de prisão o agente público que "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação".

O site afirma que Moro não quis se pronunciar sobre as mensagens e "limitou-se a reafirmar posicionamento adotado nas últimas semanas, pondo em dúvida a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept e sugerindo que elas podem ter sido adulteradas."

Segundo o site, a força-tarefa da Lava Jato respondeu através de sua assessoria, dizendo que "o material apresentado pela reportagem não permite verificar o contexto e a veracidade das mensagens". A PGR e a Odebrecht adiantaram que não vão se manifestar sobre o caso.

As sugestões de Moro sobre a ação da força-tarefa nesse caso se soma a várias outras que ele teria feito aos procuradores durante os processos da Lava Jato.

Nesta sexta-feira, a revista Veja, em parceria com The Intercept, divulgou conteúdos de supostas mensagens em que Moro teria interferido em vários procedimentos, dando palpites na agenda dos procuradores, pedindo que apressassem requerimentos e até reclamando da demora do MPF em fazer declarações públicas que seriam convenientes aos processos sob sua tutela.

RC/ots

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