Gaúcha de origem alemã traduziu obras de grandes nomes, como Günter Grass e Rainer Maria Rilke. Nos anos 2000, tornou-se autora do best-seller "Perdas e Ganhos". Ela tinha 83 anos e enfrentava um câncer de pele.
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A escritora Lya Luft morreu na madrugada desta quinta-feira (30/12) em Porto Alegre. A informação foi confirmada pela sua família e pela editora Record, que publicava os livros de Luft. Ela tinha 83 anos
Segundo sua família, Luft enfrentava um melanoma, um câncer de pele, que foi descoberto quando já estava em metástase. Ela chegou a ficar internada nas últimas semanas, mas pediu para ficar em casa pouco antes do Natal. Segundo sua filha, Luft morreu enquanto dormia.
De acordo com o jornal O Globo, a cerimônia de despedida deve ser restrita à família.
Origem alemã
Natural de Santa Cruz do Sul (RS), Lya nasceu em 1938, em uma família de descendentes de alemães luteranos, os Fett, que chegaram ao Brasil em 1825. Ela contava que seus familiares faziam questão de exibir a origem germânica, muitas vezes de forma arrogante, e que ela tentou romper com isso na juventude.
"Na minha família se falava 'nós, os alemães, e eles, os brasileiros'. Isso era uma loucura, porque nós estávamos há gerações no Brasil. E como eu era uma menininha muito contestadora, um dia, com 7 ou 8 anos, numa Semana da Pátria, me dei conta: ‘Por que falam 'die Brasilianer und wir'?'. Eu quero ser brasileira. Eu não quero ser europeia", contou a escritora em entrevista para a DW Brasil em 2004.
Lya Luft ainda afirmou que finalmente aprendeu português quando o uso do idioma alemão foi proibido no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. "Em casa falávamos alemão, mas em seguida tive que falar português porque o alemão foi proibido", afirmou.
Mas ela continuou a ser apaixonada pela literatura alemã e contou que aos 11 anos passava seu tempo decorando longos poemas de Goethe e Schiller.
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Início da carreira literária
No final dos anos 1950, Luft se mudou para Porto Alegre, onde se diplomou em Pedagogia e em Letras Anglo-Germânicas na PUC-RS.
Aos 25 anos, ela se casou com Celso Pedro Luft (1921-1995), de quem adotou o sobrenome. Celso era um ex-irmão marista que havia sido professor de Lya na PUC. Um gramático e filólogo renomado, ele abandonou a vida religiosa para se casar com Lya. Eles tiveram três filhos. O escritor Erico Verissimo e sua mulher, Mafalda, foram padrinhos de um dos filhos do casal Luft, André (1956-2017).
Na sequência, Lya Luft passou a trabalhar como tradutora, especialmente de obras alemãs. Ela traduziu mais de cem obras para o português, entre elas publicações de Hermann Hesse, Thomas Mann, Günter Grass e Rainer Maria Rilke - os dois últimos, ela afirmou à DW Brasil, eram seus escritores favoritos.
Ela ainda traduziu autores anglo-saxônicos, como Virginia Woolf e Doris Lessing.
Seu primeiro livro foi Canções de Limiar, uma coletânea de poemas publicada em 1964. No início dos anos 1970, foi a vez de Flauta Doce, mais um livro de poemas.
Sucesso
O primeiro sucesso literário ocorreu em 1980, com As Parceiras, um romance que descreve uma família marcada por relações neuróticas e pela loucura, abordando temas matrimônio, sexualidade, solidão e isolamento de um ponto de vista feminino. A obra foi traduzida para o alemão com o título Die Frau auf der Klippe.
O segundo romance foi A Asa Esquerda do Anjo, de 1981, que dialogava com o próprio passado da escritora ao contar a história de uma menina criada por uma rígida e exigente família de origem alemã.
Nas duas décadas seguintes, publicaria O Quarto Fechado (1984), Mulher no Palco (1984), Exílio (1987), O Rio do Meio (1996) e O Ponto Cego (1999).
Em 2003, publicou Perdas e Ganhos, o seu maior sucesso, que vendeu quase um milhão de cópias e permaneceu mais de dois anos nas listas de obras mais vendidas no Brasil. O sucesso levou a um convite para se tornar colunista da revista Veja, na qual ela publicaria textos semanalmente por mais de uma década.
Últimos anos
Nos anos seguintes, publicou Histórias de Bruxa Boa (2004), Pensar é Transgredir (2004), O Silêncio dos Amantes (2008) e A Riqueza do Mundo (2011). Em 2013, foi laureada com o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pela obra O Tigre na Sombra. Sua última obra foi As coisas Humanas, de 2020.
Ela continuou a atuar como tradutora, tendo adaptado do alemão a obra Maria Stuart: biografia, de Stefan Zweig, em 2018.
Em uma de suas últimas entrevistas, para o jornal Folha de S.Paulo, em 2020, por ocasião do lançamento de As coisas Humanas, em que aborda o luto pela morte do filho André, morto em 2017 de parada cardiorrespiratória, Luft disse que havia escrito o livro para mostrar "que o amor é mais importante do que a morte".
Na mesma entrevista, ela contou que se arrependeu de ter votado em Jair Bolsonaro para a Presidência nas eleições de 2018.
"Te confesso que votei e me arrependi. Votei na falta de coisa melhor e me arrependi muito. Não conhecia direito. Queria uma trégua do PT, era muita esculhambação, corrupção, não foi uma fase boa. Votei nele e me arrependi em seguida", disse Luft.
Além de dois filhos, Lya deixa o último marido, o engenheiro Vicente de Britto Pereira, e sete netos.
Na crônica O grande silêncio, que encerra seu último livro, Lya escreveu:
"No fim tudo estará apaziguado;
haverá um fechar de pálpebras
e um esquecimento;
não haverá mais começo nem fim,
nem pensamentos
porque serão supérfluos: tudo será intuição.
Não haverá mais palavras."
Grandes nomes da literatura brasileira
Com influência multicultural, autores abordam de temas político-sociais a intimistas e autobiográficos. Nomes como Clarice Lispector, comparada a Kafka, e Paulo Coelho com sua busca espiritual, exemplificam diversidade.
Foto: Getty Images
Mestre do realismo
Vindo de família simples, Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 1839. Começou a carreira literária colaborando com jornais e revistas. Sua obra inclui os clássicos "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro", romances marcados pelo realismo. Machado de Assis foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e é considerado o maior escritor brasileiro.
Foto: Marc Ferrez/Instituto Moreira Salles
Representante do Nordeste
Nascido na Bahia em 1912, Jorge Amado foi traduzido para 49 idiomas e publicado em mais de 50 países. Entre seus romances mais conhecidos, estão "Capitães de Areia" e "Gabriela, Cravo e Canela", que retratam a realidade social baiana, marca da obra do autor. Foi membro da ABL, recebeu o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra e o título de doutor honoris causa pela Universidade de Sorbonne.
Foto: Getty Images
Kafka brasileira
A ucraniana Clarice Lispector chegou ao Brasil com um ano de idade, em 1926. Após o primeiro romance, "Perto do Coração Selvagem", vieram clássicos como "A Hora da Estrela e "A Paixão Segundo G.H.", marcados pela temática existencial e psicológica. Traduzida para diversos idiomas, foi descrita como o Kafka da ficção latino-americana no "New York Times" e biografada pelo americano Benjamin Moser.
Foto: Divulgação
Uma pedra no meio do caminho
Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902, foi cronista, contista e tradutor, mas foi como poeta que ganhou fama. Sua poesia divide-se em fases: irônica ou gauche; social; filosófica; nominal; e das memórias. Um de seus versos mais célebres é "Tinha uma pedra no meio do caminho", do polêmico poema "No meio do caminho". O influente poeta brasileiro foi traduzido para mais de dez idiomas.
Foto: Editora Record
Repórter de guerra
O escritor, professor, sociólogo, engenheiro e repórter Euclides da Cunha nasceu em 1866. Como correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", cobriu a Guerra de Canudos, travada entre o Exército e sertanejos no interior da Bahia. A partir daí nasceu sua obra-prima: "Os Sertões". O livro de cunho sociológico foi traduzido para vários idiomas, entre eles alemão e inglês.
Foto: gemeinfrei
Conhecedor do sertão
Guimarães Rosa, nascido em 1908, ingressou na faculdade de Medicina com apenas 16 anos. Foi como médico que conheceu a realidade dos sertanejos, retratada em seus contos, novelas e no romance “Grande Sertão: Veredas”. Sua coletânea de contos “Sagarana” é considerada um dos volumes mais importantes da ficção brasileira do século 20. Pelo conjunto de sua obra, Rosa recebeu o Prêmio Machado de Assis.
Foto: Ed. Nova Fronteira
Ventos do sul
Nascido em 1905, Erico Verissimo desenvolveu já na infância o interesse pelos clássicos da literatura. Nos anos 1940, lecionou literatura brasileira nos EUA e começou a escrever a obra-prima "O Tempo e o Vento". A trilogia, que tem como pano de fundo a história de seu estado natal, Rio Grande do Sul, levou 15 anos para ficar pronta, virou série de televisão e foi traduzida para vários idiomas.
Foto: Companhia das Letras/Leonid Streliaev
Um brasileiro em Berlim
João Ubaldo Ribeiro nasceu na Bahia em 1941. Do nordeste brasileiro, o escritor preocupado com a identidade nacional partiria para o mundo. A carreira literária o levou aos EUA, a Portugal, à Alemanha. Dos 15 meses como bolsista do DAAD, saíram as crônicas reunidas no bem-humorado livro “Um brasileiro em Berlim“. Vários de seus livros foram publicados em alemão, incluindo “Viva o povo brasileiro“.
Foto: Bruno Veiga
Primeira presidente dos imortais
A carioca Nélida Piñon, nascida em 1937, foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Formada em jornalismo, teve seu contos, ensaios e romances traduzidos em vários países, inclusive Alemanha, e ocupou cátedras em diversas universidades estrangeiras. Entre os prêmios recebidos, está o Jabuti, pelo livro "Vozes do Deserto", que tematiza a mulher no mundo árabe.
Foto: Divulgação/Editora Record
Versos sujos e melódicos
Ferreira Gullar nasceu no Maranhão em 1930 e vive no Rio de Janeiro. Publicou o primeiro livro de poesia aos 19 anos. Membro do Partido Comunista, foi preso na ditadura e, durante o exílio, escreveu seu livro mais conhecido: “Poema Sujo“. Marcado pelas lembranças da infância, o cotidiano da cidade e a riqueza rítmica e melódica, o livro é considerado um dos mais importantes da poesia brasileira.
Foto: José Olympio Editora/Cristina Lacerda
Entre o mundo árabe e o amazônico
Filho de libaneses, Milton Hatoum nasceu em Manaus em 1952. Formado em Arquitetura, morou em Madri, Barcelona e Paris. De volta à Amazônia, publicou o primeiro romance: "Relato de um Certo Oriente". Já doutor em teoria literária, escreveu "Dois irmãos", trama sobre uma família libanesa que vive em Manaus. Estes e os livros seguintes receberam diversos prêmios e foram publicados em 14 países.
Foto: DW
Sucesso com a busca espiritual
Paulo Coelho, nascido em 1947, iniciou a carreira literária nos anos 1980. Da peregrinação pelo Caminho de Santiago, resultou o primeiro romance de destaque: "O Diário de um Mago". A busca espiritual continuou em "O Alquimista", livro brasileiro mais vendido de todos os tempos e mais traduzido no mundo (69 idiomas). Sua literatura, alvo de polêmica, lhe rendeu dezenas de prêmios e condecorações.