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Morre o engajado, rebelde e polêmico Günter Grass

Cornelia Rabitz (ca)13 de abril de 2015

Até a morte, o Nobel de Literatura nutriu a atitude rebelde e o gosto pela polêmica. Ele foi um cidadão engajado, a instância moral de seu país até revelar sua ligação com a Waffen-SS. E sobretudo um grande autor.

Foto: AFP/Getty Images

O escritor alemão Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura de 1999, morreu nesta segunda-feira (13/04), aos 87 anos, em Lübeck. O anúncio foi feito pela editora Steidl, em Göttingen.

Repleta de altos e baixos, cheia de grandes momentos e vigorosas polêmicas, a vida de Günter Grass teve início no dia 16 de outubro de 1927. Ele veio ao mundo em condições humildes. Os pais eram donos de uma mercearia na cidade de Gdansk, na época Cidade Livre de Danzig. A clientela era pobre e algumas vezes "pendurava" a conta. O apartamento era pequeno. O entorno, católico.

"Uma infância entre o Espírito Santo e Hitler", escreveu o biógrafo Michael Jürgs. Aos 17 anos, Grass vivenciou os horrores da Segunda Guerra Mundial: em 1944, como ajudante na defesa antiaérea, depois na Waffen-SS, o braço militar da SS, que, por sua vez, era a organização paramilitar do partido nazista. Mas a participação na Waffen-SS ele só veio a revelar décadas mais tarde, desencadeando um escândalo.

Início de um autor de sucesso

Em 1952, a República Federal da Alemanha ainda era jovem, assim como Grass. Ele se ocupou de arte, estudou escultura e gravura, tocou numa banda de jazz e, em 1956, foi passar um tempo em Paris. Lá levou uma vida modesta e pouco glamourosa ao lado da primeira esposa, mas esse foi o começo de uma grande carreira de escritor.

Em Paris, Grass concebeu seu romance de estreia, O tambor. Publicado em 1959, a obra provocou alvoroço na conservadora sociedade alemã e tornou-se um sucesso mundial, tendo sido traduzida em diversas línguas, como também adaptada para o cinema pelo diretor Völker Schlöndorff.

Filmado por Völker Schlöndorff, em 1980, "O tambor" foi a primeira produção alemã a ganhar um OscarFoto: ullstein - Tele-Winkler

Exatamente 40 anos depois, Grass receberia por esse livro – como também pelo conjunto da obra – o Prêmio Nobel de Literatura.

Criativo e produtivo

Grass escreveu dramas, poesias e especialmente ficção – a lista de suas obras é extensa. Entre seus livros estão romances famosos, como Anos de cão, Anestesia local, O linguado, A ratazana, Maus presságios, Passo de caranguejo e muitos outros. Todos giram em torno de situações políticas e revoltas sociais: o papel dos intelectuais na Revolta de 1953 na Alemanha Oriental, as revoltas estudantis de 1968, campanhas eleitorais alemãs, as relações entre os lados ocidental e oriental, o naufrágio de um navio de refugiados no Mar Báltico, em 1945.

A reconciliação com a Polônia sempre foi um tema importante para o escritor nascido em Gdansk. Nenhum dos livros posteriores alcançou o entusiasmo despertado pela história do tocador de tambor Oskar Matzerath, mas todos eles foram um grande sucesso – e motivo de debates num país interessado em literatura. A reclamação mais constante: muita política, pouca arte.

Moral e política

Como artista, Günter Grass mostrou ser talentoso em diversas áreas: foi romancista, poeta, gravurista, escultor e, ocasionalmente, também ilustrador de seus próprios livros. As suas intervenções políticas provocavam sensação – por muito tempo, ele foi considerado uma "instância moral" na Alemanha.

Desde 1961, ele se engajava abertamente pelo Partido Social-Democrata (SPD), mas sem ser membro do partido. Ele apoiou a campanha eleitoral do antigo chanceler federal Willy Brandt e, somente nos anos 1980, filiou-se ao partido. Mais tarde, deixou o SPD devido a uma controvérsia em torno da reformulação da legislação de asilo.

Mas continuou sendo o que sempre foi: às vezes um pouco fanfarrão, um observador crítico de seu tempo, um esquerdista independente, um escritor de renome que usava sua reputação para protestar contra a deportação de curdos, em prol de ex-trabalhadores forçados do nazismo, pelos direitos humanos, por autores perseguidos, contra guerras, em favor de guerras. Até que, em 2006, ele mesmo teve que admitir ter sucumbido à guerra.

A menção em sua autobiografia à sua adesão, aos 17 anos, ao esquadrão militar nazista Waffen-SS provocou um debate acalorado dentro e fora da Alemanha. Sobre a reputação de integridade moral espalhou-se a sombra da cumplicidade escondida. De repente, Grass, que sempre defendeu que a Alemanha abordasse de forma aberta o seu passado nazista, passou a ser visto como um hipócrita.

Günter Grass entre Heinrich Böll e Willy Brandt, em 1970Foto: picture alliance/AP

Um poema como provocação

Nos últimos anos, o escritor, já em idade avançada, e a opinião pública alemã distanciaram-se um pouco. Aparentemente, uma instância moral que forçasse os alemães a se verem no espelho não era mais necessária. Então, em abril de 2012, Grass publicou um texto sob o título O que deve ser dito, provocando mais uma vez um escândalo para além das fronteiras da Alemanha. O texto, que ele chamou de poema, era uma crítica aberta à política externa de Israel. Grass alertava para os riscos de um ataque nuclear israelense ao Irã e afirmava que Israel, sua capacidade nuclear e sua política de ocupação eram um perigo para a paz mundial.

O panfleto provocou indignação e o autor passou a ser persona non grata em Israel. Levantaram-se acusações de antissemitismo. Mas nada disso manchou a imagem de Grass, que continuou sendo um modelo, também para os escritores mais jovens. Uwe Tellkamp o considerava uma "das mais fortes potências narrativas da literatura alemã". Moritz Rinke o chamou simplesmente de "talvez o mais versátil e interessante dos dinossauros."

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