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Morre o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro

Ricardo Domeneck18 de julho de 2014

Coletânea de crônicas "Um brasileiro em Berlim", lançada em 1995, após passagem de dois anos pela Alemanha, contribuiu para o sucesso do escritor no país, onde está entre os autores brasileiros mais lidos.

Foto: Bruno Veiga

O baiano João Ubaldo Ribeiro, que faleceu nesta sexta-feira (18/07) no Rio de Janeiro, vítima de uma embolia pulmonar, está entre os autores brasileiros mais conhecidos e lidos na Alemanha, ao lado de Jorge Amado e Paulo Coelho.

Sua passagem por Berlim entre 1990 e 1991, como bolsista do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), certamente contribuiu para sua recepção no país. Da experiência resultou a coletânea de crônicas Um brasileiro em Berlim (1995), ainda em catálogo na Alemanha, na qual Ubaldo faz uso de sua veia satírica e sardônica para pintar um retrato por vezes impiedoso sobre as diferenças culturais entre os dois países.

A passagem deixou marcas duradouras na vida do escritor. Em outubro de 2014, em entrevista à DW Brasil, Ubaldo disse que não perdia uma oportunidade de passar uns dias em Berlim, uma de suas cidades favoritas. "Tem tantas coisas de que gosto na Alemanha. Meu compositor favorito é de longe Bach, um dos meus autores preferidos é Thomas Mann, enfim, me sinto com uma vinculação cultural com o país, que me é muito simpático e muito próximo sentimentalmente", afirmou.

O livro resultante – um clássico entre os brasileiros que cultivam relações com o país europeu, bem como entre os alemães interessados pelo Brasil – se filia a uma linhagem pouco conhecida da literatura brasileira, sobre a vida de exílio, viagem e choque cultural de autores nacionais, como Gato preto em campo de neve (1941) e Israel em abril (1969), de Erico Verissimo, De cabeça para baixo (1989), de Fernando Sabino, ou, mais recentemente, Mongólia (2003), de Bernardo Carvalho.

Capa da edição alemã de "Um brasileiro em Berlim"

Já o monumental Viva o povo brasileiro (1984) foi traduzido para o alemão como Brasilien, Brasilien (1988), assim como os romances Der Heilige, der nicht an Gott glaubte (O santo que não acreditava em Deus), Sargento Getulio, Das Lächeln der Eidechse (O sorriso do lagarto), Leben und Leidenschaft von Pandonar dem Grausamen (Vida e paixão de Pandomar, o cruel) e Das Wunder Pfaueninsel (O feitiço da Ilha do Pavão).

Além disso, foi o único brasileiro até hoje a receber o Prêmio Anna Seghers, em 1994, galardão alemão dedicado exclusivamente a autores latino-americanos, e feito detentor da cátedra de Poetik Dozentur (Docente em poesia) na Universidade de Tübigen.

No âmbito lusófono, Ubaldo recebeu em 2008 o mais prestigioso dos prêmios literários da língua, o Camões, e coletou Jabutis por seus dois romances mais admirados, Sargento Getúlio (1971) e Viva o povo brasileiro (1984).

Sargento Getúlio é, certamente, um dos textos mais importantes da década de 70. Quando de seu lançamento, valeu a João Ubaldo Ribeiro comparações tanto com Graciliano Ramos como João Guimarães Rosa, estes dois estilistas por vezes tidos como extremos opostos na prosa brasileira, entre a secura e o caudaloso.

Experimental, febril, o sargento Getúlio da obra ficará como uma das personagens mais marcantes da nossa escrita, unindo em si tantas contradições políticas e existenciais da República. De certa forma, ele está ligado às melhores contribuições baianas à cultura brasileira no século 20, num pêndulo entre minimalismo e barroquismo, como também nas obras de Glauber Rocha, Antônio Risério e Caetano Veloso.

O escritor baiano na Feira de Frankfurt, em 2013Foto: DW/L. Frey

O lançamento, na década de 80, do romance Viva o povo brasileiro levaria o crítico José Guilherme Merquior a afirmar: "Finalmente minha geração produziu um romancista." O épico, que se passa no Brasil entre 1647 e 1977, reencena tanto acontecimentos distantes, como a vinda da família real portuguesa ao Brasil, em fuga das tropas napoleônicas, como mais recentes, a exemplo do regime autoritário de Getúlio Vargas durante o Estado Novo e a ditadura militar após o golpe de 1964.

O livro não é uma unanimidade, mas João Ubaldo Ribeiro foi respeitado ao longo de sua carreira muitas vezes por críticos de visões muito distintas, como o já mencionado Merquior ou Haroldo de Campos.

Nascido em Itaparica, na Bahia, em 23 de janeiro de 1941, membro da Academia Brasileira de Letras, presença na televisão e cinema brasileiros, colaborador assíduo da imprensa, João Ubaldo Ribeiro era um intelectual que tinha uma atitude saudável perante a seriedade exagerada daqueles que Marianne Moore descreveu como os que "vestem uma barba e ameaçam com a foice do tempo os casualmente curiosos", usando para isso sua verve satírica.

Numa famosa discussão sobre o problema da identidade nacional para os latino-americanos, interrompeu a conversa dizendo que brasileiros não tinham esse problema. Quando os outros autores e o público, atônitos, perguntaram o que queria dizer, respondeu: "No Brasil, quando nos perguntam por nossa identidade, abrimos a carteira e mostramos isso", tirando do próprio sua cédula de identidade brasileira.

Sua morte é uma perda triste para a cultura e a cédula de identidade brasileiras.