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Tensão racial

8 de abril de 2010

Durante a democratização da África do Sul, o líder radical Eugene Terre’Blanche quase levou o país à anarquia. Sua morte agora ameaça causar mais tensão, às vésperas do mundial de futebol.

Morte de Terre'Blanche (c.)desperta fantasma do racismoFoto: AP

Ele estava determinado, junto com seus seguidores fortemente armados, a manter o regime de apartheid na África do Sul e a avançar com uma campanha de protestos e ataques destinados a impedir as primeiras eleições democráticas no país em 1994.

Apesar de ser ridicularizado e desprezado por muitos, ele perseguiu seu objetivo de exigir uma pátria para o povo africâner. Reunindo a adesão de mais de 70 mil pessoas no auge de sua popularidade, Terre'Blanche liderou seu exército próprio, ameaçando a população local e todos aqueles entre seus seguidores que ousassem desafiar sua liderança.

Com seus esforços fortemente focados em seus ideais de supremacia branca, ele liderou no começo dos anos 90 uma invasão armada ao prédio onde ocorriam negociações políticas sobre uma nova Constituição democrática. Mas, apesar de suas tentativas de derrubar os planos de Nelson Mandela e das delegações de negociadores, as eleições foram pacíficas e abriram o caminho para a democracia.

Agora, o assassinato brutal de Terre'Blanche, supostamente pelas mãos de seus trabalhadores rurais, mais uma vez levantou o fantasma do conflito racial.

Fraco e sofrendo de um problema cardíaco, o líder de 69 anos do ultradireitista AWB ("movimento africâner de resistência", na sigla em africâner) foi espancado e morto no fim de semana a golpes de facão em sua fazenda em Ventersdorp, no noroeste da África do Sul.

Dois de seus trabalhadores, um deles com 15 anos, já compareceram ao tribunal, acusados de homicídio. (O caso foi adiado até 14 de abril).

Assassinato tem motivos políticos

A morte parece ter sido provocada por uma briga por salário. Mas logo se atribuiu uma motivação política para o assassinato, devido a uma polêmica envolvendo Julius Malema, líder da juventude do partido que governa o país, o Congresso Nacional Africano (ACN).

Durante seus numerosos discursos, o jovem agitador provocou tensão racial ao entoar frequentemente uma canção contendo a frase "mate os boers" (agricultores brancos descendentes dos primeiros colonos europeus).

A controvérsia sobre a canção foi violenta nas últimas três semanas e levantou, em particular, a ira dos africâneres, que afirmaram que a canção poderia incitar a violência contra eles.

Canção proibida

Semana passada, o Supremo Tribunal do país proibiu a execução da música, classificando-a como uma "incitação ao ódio" nos termos da Constituição sul-africana. O ACN afirmou que apelaria da decisão, dizendo que a canção é histórica e uma importante relíquia da luta antiapartheid.

O jovem líder carismático, que tem atraído um grande número de seguidores na África do Sul, alimentou a ira de muitos ao levar a música para além das fronteiras no último final de semana, entoando a canção também no Zimbábue, onde a situação política já está bastante carregada. Muitos fazendeiros brancos foram expulsos de suas terras e alguns assassinados.

Zuma pediu serenidade e união aos sul-africanosFoto: AP

"Depois dos dois incidentes, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, se apressou em interceder, tentando acalmar os ânimos, apelando aos líderes políticos para que pensem bem antes de fazerem declarações que possam inflamar as tensões raciais. "É importante que todos os líderes - de partidos políticos a organizações não governamentais - se unam para pedir calma no país", disse ele, em entrevista no início desta semana.

Tensão racial crescente

Os líderes políticos da oposição também opinaram sobre o debate. O líder da oposição oficial da Aliança Democrática, Helen Zille, pediu uma reunião urgente com o presidente Zuma, após o assassinato de Terre'Blanche e o surgimento do que ela chama de "incidentes racialmente polarizados".

Zille disse aos jornalistas que os casos recentes de intolerância racial, incluindo o uso da música nesse contexto, quase desfizeram tudo o que o país construiu nos últimos 16 anos. Ela apelou para que tais canções sejam sepultadas em arquivos e museus.

Mas alguns analistas políticos dizem que é irresponsável associar o assassinato de Terre'Blanche à música. Segundo Aubrey Matshiqi, pesquisadora do Centro para Estudos de Políticas Públicas de Johanesburgo, o momento em que a música foi entoada foi uma coincidência infeliz.

"Devemos permitir que o processo judicial tome seu curso", disse ela à Deutsche Welle. "Há uma aparente ânsia por parte de alguns grupos e partidos políticos para estabelecer uma associação entre os dois fatos. As pessoas veem isso como uma oportunidade para confirmar seus preconceitos preexistentes".

"Mas a hora não poderia ter sido pior", disse à Deutsche Welle a professora adjunta de política da Universidade da Cidade do Cabo, Raenette Taljaard. "Ambos os lados podem igualmente aumentar as tensões raciais".

Ela acredita que símbolos como a antiga bandeira sul-africana da era de apartheid, emblemas neonazistas usados por membros da AWB, assim como as canções de luta antiapartheid devem "permanecer no sótão, na caixa etiquetada de 'história'."

País investiu bilhões em estádios e infraestrutura para a CopaFoto: AP

Todos os olhos na África do Sul

A África do Sul está consciente de que precisa agir em conjunto para diminuir as tensões raciais, visando a Copa do Mundo de 2010, que acontece dentro de dois meses.

Sul-africanos de todas as cores vêm apostando há anos no evento, investindo bilhões de euros na construção de estádios modernos, e em infraestrutura de transportes e turismo. Taljaard acredita que esta última controvérsia "não vai contaminar a empolgação com a Copa do Mundo".

Mas ela acredita que as ameaças de racismo têm de ser tratadas com grande sensibilidade, de modo que a percepção sobre a África do Sul não seja ofuscada por incidentes graves, porém isolados.

"Com a contagem regressiva para a Copa do Mundo, temos de ter cuidado para que não acabemos caindo em estereótipos", diz o líder do partido conservador Frente da Liberdade Plus, Pieter Mulder.

Mulder, que representa o interesse de muitos africâneres, diz que tem esperanças de que o presidente Zuma, juntamente com outros líderes políticos, terá mão firme para sufocar a tensão racial. "O acordo de 1994 para a democracia não é automático. Deve ser resguardado por líderes sábios, líderes moderados em todos os lados."

Embora a tensão renovada tenha provocado arrepios coletivos no país, parece haver um número suficiente de líderes sábios e moderados em todos os lados para evitar a repetição das ameaças de anarquia racial que quase devastaram o país na transição para a democracia.

Autor: Kim Cloete (md)

Revisão: Carlos Albuquerque

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