Morte de líderes do Hamas e Hezbollah gera temor de escalada
Jennifer Holleis
1 de agosto de 2024
Operações contra Fouad Shukur, do Hezbollah, e Ismail Haniyeh, do Hamas, devem reforçar influência de alas ainda mais extremistas nos dois grupos e enfraquecer negociações de cessar-fogo em Gaza, avaliam analistas.
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Os recentes assassinatos de dois dos principais líderes do Hezbollah e do Hamas, grupos radicais islâmicos que recebem apoio do Irã, elevaram as tensões no Oriente Médio a um novo patamar.
Na terça-feira (30/07), as forças israelenses afirmaram que haviam assassinado Fouad Shukur, em Beirute, capital do Líbano. O corpo de Shukur, um dos principais comandantes do Hezbollah, foi encontrado na noite de quarta-feira. Israel culpou Shukur por orquestrar o ataque nas Colinas de Golã matou 12 crianças isralenses no fim de semana. Shukur também era um veterano do Hezbollah que teve envolvimento nos ataques terroristas que provocaram a morte de quase 300 soldados americanos e franceses no Líbano em 1983.
Na quarta-feira, foi a vez de Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, ser morto em Teerã, no Irã. Israel havia repetidamente apontado Haniyeh como um alvo após a ofensiva terrorista lançada pelo Hamas em 7 de outubro, que resultou na morte 1.200 pessoas em Israel, e que acabou por desencadear a atual guerra na Faixa de Gaza, enclave palestino que era controlado pelo grupo.
Até o momento, Israel ainda não reivindicou o ataque que resultou na morte de Haniyeh, mas o Irã foi rápido em culpar os israelenses, que no passado evitaram confirmar inicialmente protagonismo no assassinato de outros alvos, só admitindo mais tarde as ações, como no caso do bombardeio ao complexo diplomático iraniano em Damasco, em abril.
O braço armado do Hamas, por sua vez, prometeu que a morte de Haniyeh terá "grandes repercussões".
Após as mortes, o primeiro-ministro isralense, Benjamin Netanyahu, afirmou que Israel desferiu "golpes severos" nos seus inimigos nos últimos dias, mencionando explicitamente a eliminação de Shukur.
"Eliminamos o braço direito de Hassan Nasrallah [líder do Hezbollah], que foi diretamente responsável pelo massacre de crianças", realçou, durante um discurso televisivo.
"Continuamos unidos e determinados a enfrentar qualquer ameaça. Israel cobrará um preço muito alto por qualquer agressão de qualquer horizonte", destacou o premiê.
"As consequências serão as piores possíveis"
Kelly Petillo, pesquisadora do Oriente Médio no Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), disse que os dois assassinatos podem ter um impacto severo em toda a região.
"É muito cedo para dizer quais resultados isso trará, mas as consequências serão barulhentas, para pior", disse à DW.
Ela explicou que os assassinatos na região devem aumentar a popularidade tanto do Hamas quanto do Hezbollah, cuja ala militar é classificada como uma organização terrorista pelos EUA e outros países.
"Ao matar Haniyeh, Israel eliminou a liderança política do Hamas, que era a força mais moderada dentro do movimento", acrescentou Petillo, ressaltando que Haniyeh era parte crucial das negociações de cessar-fogo intermediadas por Catar, Egito e EUA.
"O braço militar ganhará mais apoio de muitos palestinos", previu Petillo. "Eles poderão dizer: 'Vejam, Haniyeh se envolveu com diplomacia e olhem onde isso o levou'. Isso também coloca Yahya Sinwar, o líder mais extremista da ala militar do Hamas, no comando", acrescentou.
O movimento radical islâmico Hamas, que governa Gaza desde 2007, é dividido em duas facções. A liderança política está sediada no Catar, enquanto a ala militar permanece em Gaza. O líder dessa última é Yahya Sinwar.
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Duro golpe nas negociações de cessar-fogo
A morte de Haniyeh também pode ter um impacto sobre um recente acordo de reconciliação mediado pela China entre 14 facções palestinas, o que é visto como fundamental para decidir quem governará Gaza após a guerra.
Além disso, a ação pode ameaçar as negociações sobre a libertação dos reféns remanescentes em poder do Hamas e um cessar-fogo permanente.
"As implicações de tudo isso ainda são difíceis de avaliar neste momento, mas é de se temer que todos os esforços para se chegar a um acordo sobre os reféns, que supostamente estavam avançado nas últimas semanas, se tornem agora uma perspectiva distante", avalia Simon Wolfgang Fuchs, professor associado da Universidade Hebraica de Jerusalém.
"O Hamas não poderá voltar a sentar na mesa como vinha fazendo", prevê.
Enorme pressão sobre o Hezbollah e o Irã
O mesmo pode acontecer com o Hezbollah no Líbano.
"A morte de Fouad Shukur, que era o líder número dois, significa que o Hezbollah está sob enorme pressão para retaliar", disse Petillo, do ECFR.
Segundo a pesquisadora, para o Hezbollah, mais do que uma linha vermelha foi cruzada. Para Petillo, é possível esperar uma escalada entre Hezbollah e Israel. O grupo baseado no Líbano pode "recalibrar seu envolvimento" no apoio ao Hamas.
"Até o momento, o Hezbollah sempre deixou claro que pararia com os ataques contra Israel assim que um cessar-fogo fosse alcançado", disse ela.
Ela acrescentou que o assassinato de Shukur "comprometeu seriamente" o Hezbollah e que o golpe infligindo pela morte de Haniyeh deve ter repercussões no Irã.
Durante anos, o Irã apoiou financeira e militarmente tanto o Hezbollah no Líbano quanto o Hamas em Gaza. Portanto, como diz Simon Wolfgang Fuchs, "o assassinato de Ismail Haniyeh em Teerã é, antes de tudo, uma humilhação para o regime iraniano".
Fuchs acrescentou que o momento também foi crítico, já que o assassinato quase coincidiu com a cerimônia de posse do novo presidente do Irã: "Vários representantes do chamado 'Eixo da Resistência' [países e grupos que veem os EUA e Israel como o principal inimigo] compareceram à cerimônia de posse de Masoud Pezeshkian."
"O fato de essa reunião altamente simbólica ter sido escolhida para eliminar Ismail Haniyeh mostra que eles [Israel] queriam mostrar que o Irã não é capaz de proteger nem mesmo seus próprios convidados e que o alcance de Israel está além das fronteiras do próprio país", disse Fuchs à DW.
Petillo concorda: "Todos os olhos estavam voltados para Teerã e, como o assassinato aconteceu em solo iraniano, o Irã será forçado a apresentar uma reação", disse ela à DW.
O governo iraniano já afirmou que haverá uma "resposta dura e dolorosa" ao assassinato de Haniyeh e também declarou três dias de luto público.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
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2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
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2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
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2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.